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ENTREVISTA
Entrevista com Cecília Leite: “Minha maior meta era colocar o Ibict na posição de vanguarda que ele sempre teve, de liderança na informação no Brasil”
Em entrevista, a diretora do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict), Cecília Leite, reflete sobre o ano de 2021 e sobre as expectativas para 2022.
O ano de 2021 marca seu último ano de gestão. Foram oito anos à frente da diretoria, em dois mandatos consecutivos. Durante esse tempo, Cecília Leite liderou o crescimento e a atuação do Ibict na criação de redes de informação para a promoção científica e tecnológica e em temas como a preservação digital, a difusão e a popularização da ciência, o estímulo ao uso de tecnologias para o desenvolvimento social e a informação tecnológica para o setor produtivo visando à sustentabilidade. Em 2022, ela continua no cargo até que o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) defina um novo nome.
Mestre (1996) e doutora (2003) em Ciência da Informação pela Universidade de Brasília, Cecília Leite é pesquisadora de carreira da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e cedida atualmente ao MCTI.
Como a senhora avalia o ano de 2021 para o Ibict?
Cecília Leite: Esse ano foi difícil para todos. A pandemia de Covid-19 impactou em todos os pontos de vista. Apesar das dificuldades, a humanidade passou a ter maior consciência sobre a importância da informação e sobre os papéis da ciência e da tecnologia. A pandemia trouxe uma mudança muito grande em relação a metodologias, processos e tecnologias em todo o mundo. No Ibict, conseguimos promover uma série de avanços, implementar novos projetos e realizar importantes parcerias. Foi um ano de bastante crescimento, no qual tivemos que atender a diversas demandas informacionais.
Em que sentido houve esse crescimento?
Cecília Leite: Em 2021, com toda a dificuldade orçamentária das instituições de pesquisa, o Ibict cresceu muito. Nós conseguimos captar recursos e realizar parcerias para novos projetos que viabilizaram uma maior estabilidade e inovação. O Ibict desenvolveu metodologias e tecnologias que facilitaram o trabalho de todas as outras áreas. Trabalhamos ao lado da comunidade científica, do setor produtivo, da sociedade e do governo, tendo como ponto de partida a informação como inovação. Do ponto de vista da infraestrutura, nós conseguimos implementar um moderno Data Center, à altura do que era necessário para o nosso banco de dados, significando um grande avanço. Além disso, posso afirmar que o Ibict foi o único órgão do MCTI que terminou o ano de 2021 com o aumento de recursos – cinco vezes o valor de seu orçamento, garantindo, assim, as atividades para o ano de 2022. Atualmente, o Ibict tem menos de 100 servidores, mas a instituição possui mais de 340 colaboradores que atuam em diversas pesquisas e projetos. Tudo isso eu diria que está se desenvolvendo em um ambiente harmonioso e de colaboração, o que nos deixa muito contentes. É por isso que eu acho que vamos entrar 2022 de uma forma muito positiva.
Poderia citar alguns projetos que se destacaram?
Cecília Leite: Foram muitos, vou citar alguns. Na área da informação científica, conseguimos consolidar o Br-CRIS como um produto do Ibict e recursos para desenvolver esse importante projeto para o ecossistema da ciência e da tecnologia brasileira. Também conseguimos modernizar nossos serviços bibliográficos tradicionais como o CCN, a Rede Bibliodata e o Comut, que farão parte do Projeto Pinakes em uma única plataforma agregadora de conteúdos.
No que diz respeito à informação tecnológica, também tivemos muitos ganhos. Foi consolidada a parceria do Serviço Brasileiro de Respostas Técnicas - SBRT com o Sebrae, visando ampliar o atendimento a mais empreendedores. Também crescemos muito na área de Avaliação do Ciclo de Vida (ACV). Por exemplo, desenvolvemos, ao lado de parceiros, o Lavoisier, uma ferramenta que permite a interoperabilidade com os diversos sistemas e bases de dados de ACV. A ONU já demonstrou interesse nessa ferramenta. Já na divulgação científica e popularização da ciência, conseguimos ampliar a equipe do serviço Canal Ciência e vamos criar a plataforma Clube da Ciência, voltada para estudantes e escolas.
Posso citar ainda o desenvolvimento do Hipátia, software livre desenvolvido pelo Ibict para integrar sistemas arquivísticos no processo de preservação digital. Nós fizemos uma primeira experiência com o Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDFT) e depois com o Arquivo Nacional (AN). Ambas as experiências foram exitosas. Atualmente, o Hipátia está sendo adotado pelo sistema judicial porque ele faz a preservação digital dos processos jurídicos que estão em andamento. Daí resultou a ideia da área jurídica implantar essa tecnologia em todos os tribunais e, possivelmente, no próprio Sistema Eletrônico de Informações (SEI). Já temos 90 tribunais interessados e vários já começaram a utilizar essa ferramenta. Todos esses exemplos são avanços absolutamente vanguardistas.
2021 também marca o fim da sua gestão, que durou oito anos. Como a senhora avalia esse momento?
Cecília Leite: Eu estou fechando a minha segunda gestão com muita alegria porque esses resultados vão ser o legado que pretendo deixar para os próximos gestores que vierem. Como diretora, eu agradeço diariamente a todos aqueles que juntos fizeram com que o Ibict caminhasse dessa maneira, porque desde a pessoa da limpeza até o pesquisador, todos os colaboradores são extremamente importantes para fazer a “casa” funcionar. Agradeço o apoio de todos os servidores, bolsistas e terceirizados. E também quero agradecer às hierarquias divinas que fazem com que a natureza conspire a nosso favor e que dessa maneira, a gente possa encerrar esse período com gratidão, com muita alegria e com muita satisfação por tudo que a gente conseguiu nestes últimos anos.
Qual é o grande desafio para a próxima gestão?
Cecília Leite: Eu diria que o grande desafio para a próxima gestão será manter esta qualidade geral que nós estamos tendo enquanto instituição. Já terá uma grande ajuda porque nós tivemos um aumento no orçamento que vai ser muito importante para os próximos anos e eu agradeço muitíssimo ao MCTI, ao Ministro Marcos Pontes, e a todos que fazem parte deste ministério e deste crescimento. Mas, acima de tudo, desejo que se consiga consolidar os ganhos de agora e avançar naquilo que nós não conseguimos ainda. Porque o conhecimento, quanto mais você conhece, mais você sabe que precisa conhecer. Desejo que a próxima gestão possa aproveitar esse legado que está sendo deixado com muito amor para quem vier, e que possa fazer mais e melhor do que nós fizemos até aqui. Eu tive o privilégio de ser sucessora do professor Emir Suaiden, que fez um grande trabalho, então foi um desafio muito grande para mim. Digo isso, pelo legado que ele deixou e pelo fato dele ter sido o meu orientador durante muitos anos como mestranda e como doutoranda, a minha responsabilidade no cargo foi muito grande. Mas, nós conseguimos avançar. E agora eu espero que o próximo avance mais ainda, porque o Ibict é como um filho: você quer que seu filho seja uma versão revisada e melhorada do que você foi. E assim também é quando você deixa uma gestão de algo que te fez tão bem, que você amou tanto, você espera que o próximo faça desse trabalho uma versão melhorada e se possível acima do que a gente seria capaz de supor que alguém fizesse. É exatamente isso que eu desejo para o Ibict.
Quando você assumiu o cargo de diretora, há oito anos atrás, quais metas você havia vislumbrado e que foram conquistadas?
Cecília Leite: Na verdade, um dos grandes impactos da gestão propriamente dita foi a capacidade de desenvolver projetos para diferentes esferas do Estado e da sociedade. Como consequência, conseguimos novos recursos. E esses projetos nos possibilitaram a contratação de grandes profissionais que também deixaram um grande legado. Então, eu tinha algumas metas quando entrei no Ibict. Uma delas era melhorar o “orçamento”, cito a palavra em aspas mesmo. Na verdade, aumentar a receita extraorçamentária, porque o orçamento realmente nós não tínhamos governança sobre ele. Quando assumi como diretora, eu disse: “eu quero conseguir fechar a minha gestão com um orçamento cinco vezes maior em relação ao que encontrei”. E nós conseguimos este ano. Então, essa era uma meta muito definida e que foi alcançada. Mas, a minha maior meta era colocar o Ibict na posição de vanguarda que ele sempre teve, de liderança na informação no Brasil. Isso eu acho que conseguimos contribuir para chegar novamente nesse patamar. A nossa área de pós-graduação deu um salto enorme, nós não só crescemos nos cursos de mestrado e pós-doutorado, mas também nos cursos livres e gratuitos para a população, que foram um grande sucesso, como os Cursos de Verão e de Outono. Então, foram metas não só físicas, mas metafísicas, científicas, tecnológicas que sonhamos e que conseguimos alcançar. Isso nos deixa as que não foram possíveis para que passem a ser o sonho de quem vier ou que se torne uma visão maior do que nós fomos capazes de sonhar no momento passado.
Sua gestão é reconhecida como inovadora. Nesse sentido, qual foi a visão da sua gestão e como é possível inovar no setor público?
Cecília Leite: Eu acho que o serviço público tem um espaço enorme para a inovação. Se você pensar, o serviço público é aquele, no qual o Estado, independente do governo que esteja, cria condições para que a sociedade evolua, para que as cidades melhorem, para que os cidadãos sejam mais felizes. Então, nós temos muito o que caminhar. E para conseguir isso, existe o espaço da inovação e da reformulação para criar coisas novas. Eu acho que no nosso microcosmos que é o Ibict, o que funcionou bem foi a junção de uma gestão humanizada, porque pra mim o ser humano é aquilo que a gente tem de melhor e de mais importante. O que a gente queria, na minha visão, era que as pessoas soubessem que elas estavam sendo cuidadas, valorizadas e que o instituto estava esperando delas mais do que elas imaginavam que fossem capazes de dar. E por outro lado, o instituto buscou oferecer condições físicas e materiais para que as pessoas pudessem desenvolver as suas capacidades e realizar os seus sonhos profissionais. Então, eu acho que a junção das condições materiais com o cuidado humano é uma fórmula muito difícil de não dar certo. Eu acho que o serviço público tem que começar a fazer esse caminho e já existem várias experiências nessa direção, isso precisa contaminar a todo o serviço público. Porque se você decide ser um servidor, o nome já diz: você quer servir ao público, não é uma profissão que visa gerar lucro. E se você não tem esse dom, você está no lugar errado e aí as coisas não funcionam. Porque não é você simplesmente ter um emprego, mas é você ter um trabalho que te dê prazer. Então, quando as pessoas trabalham com prazer, o emprego é apenas um meio. E foi isso que nós tentamos não só dizer, mas praticar todos estes anos.
Nós conseguimos implementar novas formas de oportunidades e de inovação. O pesquisador quer ver o seu trabalho sendo utilizado e sendo efetivo para as pessoas. Se você consegue desenvolver algo novo, você contribui para o crescimento do país e até do mundo. Cada um precisa fazer o seu próprio caminho e ver as oportunidades. Porque cada um de nós é ator deste momento histórico, o tempo em que vivemos. Então, é importante fazer essa pergunta: “que história você quer deixar, que ator você quer ser nesse contexto?”. Para você ser uma estrela, tem que equilibrar o que nós fazemos profissionalmente com o que nós vivemos pessoalmente. Então, isso tem que ser a tônica de todo o serviço público, de quem efetivamente quer se dedicar a sua vida ao cidadão, o de criar serviços melhores para as pessoas. Seja um líder responsável por uma instituição, um trabalho, um projeto, seja do tamanho que for. Porque você pode, com um tijolo, construir um túmulo ou construir um castelo, uma igreja, um lar. Assim também são os sonhos. Então, você é quem vai definir que tipo de tijolo quer ser. O gestor público tem muito espaço de manobra para inovar. Embora tenham regras muito rígidas que precisam ser mudadas, é possível sim buscar esse sonho. Eu diria que a nossa experiência aqui no Ibict foi exitosa nesse sentido.
Depois do Ibict, qual seria o seu próximo passo ou desejo profissional?
Cecília Leite: Enquanto eu estiver nessa gestão, esse é o meu universo. Saindo do Ibict, a minha “casa” de origem é a Embrapa. A rigor eu volto para lá. Mas, como a minha vida é muito surpreendente, pode ser que não seja assim. Então, neste momento eu estou fazendo aqui o que eu tenho que fazer, da melhor maneira que posso, absolutamente dedicada ao Ibict. O que vier no futuro, será consequência do que construí ao longo desse tempo. Mas, o meu porto seguro é a minha “casa” de origem, que é a Embrapa.
Como a senhora imagina o futuro do Ibict?
Cecília Leite: Eu imagino o futuro do Ibict brilhante. Porque houve um grande avanço da consciência da importância da informação. A Ciência da Informação perpassa todas as áreas de conhecimento. E todas as áreas necessitam do nosso trabalho. O nosso trabalho é como o oxigênio no organismo. Ele é vital para qualquer órgão, porque sem informação, você não toma decisão. Você não constrói políticas públicas mais assertivas, você não vive melhor. Lidar com a informação é uma questão de inteligência, uma questão de necessidade. E vai chegar a um ponto, em que todo mundo vai perceber que é uma questão de sobrevivência. Imagine se todo o conhecimento que existe no mundo não for organizado, se as áreas não se comunicarem? A informação integra saberes. Todos os conhecimentos precisam estar integrados. E a informação é exatamente esse fio condutor. O futuro do Ibict é o de se consolidar como a grande “casa de informação”, o grande instituto fundamental para o desenvolvimento do nosso país.
Por Carolina Cunha, Núcleo de Comunicação Social do Ibict