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Entrevista com José Orete Nascimento: “Análise da produção científica brasileira em Oncologia”
A partir da proposta de estudar a análise da produção científica brasileira em oncologia e de criar uma pesquisa que colaborasse para um problema de grande impacto na sociedade, José Orete do Nascimento produziu um estudo intitulado “Análise da produção científica brasileira em Oncologia: um estudo comparativo entre artigos na base Lattes e os registros hospitalares de câncer”.
A pesquisa de José Orete do Nascimento concedeu a ele em 2020 o título de doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, desenvolvido pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict) em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Como conta José Orete do Nascimento, em entrevista especial para o site do Ibict, a tese desenvolvida durante o doutorado teve a proposta “de produzir um estudo que pudesse ter um retorno para a sociedade”.
José Orete do Nascimento explica que, “na minha perspectiva, e por ter o privilégio de fazer parte como aluno da instituição fundadora da nossa área no Brasil, era fundamental voltar-me para um problema visível e de grande impacto para a nossa sociedade”. A tese de José Orete do Nascimento foi conduzida com o objetivo de quantificar os casos de câncer ocorridos no Brasil no período de 2001 a 2018, enviados ao Instituto Nacional do Câncer (INCA) pelos Registros Hospitalares de Câncer (RHC), categorizando-os por morfologia e topografia, bem como os artigos cadastrados na base Lattes no mesmo período.
Em entrevista para o site do Ibict, José Orete do Nascimento conta um pouco sobre a trajetória de pesquisa da tese, que foi desenvolvida sob a orientação do professor Fabio Castro Gouveia, do corpo docente do PPGCI/Ibict/UFRJ.
Confira!
Ibict: O que motivou a realização do seu estudo?
José Orete do Nascimento:
Meu objetivo ao ser aceito para o PPGCI/Ibict/UFRJ sempre foi o de produzir um estudo que pudesse ter um retorno para a sociedade. Na minha perspectiva, e por ter o privilégio de fazer parte como aluno da instituição fundadora da nossa área no Brasil, era fundamental voltar-me para um problema visível e de grande impacto para a nossa sociedade.
Outro fator importante é que sou servidor de carreira do Instituto Nacional do Câncer e, embora não trabalhando diretamente com a assistência aos pacientes, como gestor de tecnologia da informação tenho a noção do impacto dessa doença na vida das pessoas ao percorrer os corredores das quatro unidades hospitalares do INCA. Sabemos por meio de estudos que a prevenção e o tratamento precoce da doença podem salvar muitas vidas. Foi no sentido de buscar respostas e abrir novas possiblidades para aqueles que realizam pesquisas clínicas em câncer que se fundamentou o meu trabalho.
Ibict: Por que estudar o câncer sob a perspectiva da Ciência da Informação é importante?
José Orete do Nascimento:
Essa importância se explica porque o câncer é uma das doenças que mais causam mortes no país. Só para exemplificar, o câncer de mama será responsável pela morte de 66.280 mulheres a cada ano no triênio 2020/2022, e 65.840 homens morrerão por câncer de próstata no mesmo período. Daí ser de suma importância uma ciência que se preocupa com a informação em ciência e tecnologia debruçar-se sobre esse tema para saber o número de pacientes diagnosticados pelos vários tipos de tumor, bem como as partes do corpo onde os tumores foram localizados de forma primária, isto é, antes de se espalharem pelo corpo em um processo de metástase.
Por outro lado, é importante saber que tipos de tumores estão entre os mais pesquisados pelos estudos brasileiros para sabermos se estamos pesquisando os tipos de tumores que mais acometem a nossa população. O resultado obtido também pode servir para apontar os tipos de tumores com poucos estudos, e isso ser um caminho promissor, principalmente para estudantes de doutorado em busca de novos desafios em pesquisas clinicas.
Ibict: Quais as dificuldades enfrentadas para a realização do seu estudo?
José Orete do Nascimento:
Essa pesquisa me trouxe grandes desafios. A primeira foi fechar seu escopo e, para isso, tive a extraordinária ajuda de meu orientador, o professor Fábio Gouveia. Depois, trabalhar com dois grandes volumes de dados. Os artigos cadastrados pelos pesquisadores em seus currículos na base Lattes (27.545) e os casos de câncer, obtidos dos Registros Hospitalares de Câncer (3.171.875), uma base de dados abertos disponibilizada pelo INCA, levaram-me a desenvolver vários scripts em linguagem Python e R, tecnologias desconhecidas para mim até então e que tive que dominar para realizar o trabalho.
O tratamento de unicidade dos artigos também foi um grande desafio compartilhado com meu orientador. Foram identificados 40.791 pesquisadores na base Lattes com trabalhos relacionados a câncer. Muitos desses trabalhos foram realizados em parceria com outros pesquisadores, o que os levou a cadastrarem o mesmo trabalho em seus currículos provocando uma duplicidade de artigos que teve que ser identificada e eliminada, pois para esse estudo eu só poderia contar um determinado artigo uma única vez.
Ibict: Poderia contar um pouco sobre os principais resultados apontados pelo seu estudo?
José Orete do Nascimento:
O trabalho possibilitou descobrir que o câncer de mama é o de maior ocorrência (530.533 casos) e também aquele para qual se produziu o maior número de artigos (3.786 artigos). Porém, para o câncer de próstata, o terceiro de maior incidência (416.401 casos) e o segundo com a previsão de provocar o maior número de mortes entre os homens a cada ano no triênio 2020/2022 (65.840), o número de artigos é de apenas 207. Muito inferior ao número de artigos produzidos para o câncer de rim (681) e que não faz parte do top dez dos tipos de câncer de maior letalidade na população brasileira.
Em relação às morfologias, o carcinoma é o grande vilão. Foram identificados 1.856.311 casos de câncer para esse tumor. Ele também está no topo entre as morfologias estudadas. Foram produzidos 3.844 artigos tendo o carcinoma como fonte de estudos. Porém, para o adenocarcinoma, o segundo tumor de maior incidência na população brasileira (835.260 casos), foram produzidos somente 99 artigos. Esses resultados apontam novos horizontes de pesquisa, principalmente aos novos pesquisadores, que podem utilizar esse estudo como fonte para definir seus projetos de pesquisa.
Ibict: Quais as conclusões do seu estudo?
José Orete do Nascimento:
Concluí que das dez topografias com maior ocorrência nos casos de câncer, seis estão entre aquelas com maior número de artigos publicados e cadastrados na base Lattes, e que a topografia com maior número de ocorrência entre os casos de câncer também é aquela com maior número de artigos publicados na amostra dessa pesquisa. Também foi possível concluir que entre as dez morfologias com maior número de casos de casos de câncer, seis estão entre a dez principais morfologias encontradas nos artigos publicados e cadastrados na amostra da base Lattes, e que a principal morfologia encontrada nos casos de câncer também é a principal morfologia estudada nos artigos.
Podemos dizer, então, que a pesquisa em câncer realizada no Brasil entre os anos de 2001 e 2018 teve como foco os principais tipos de câncer que ocorrem na população brasileira. O estudo também conclui que há necessidade de maior foco em determinadas morfologias, carcinoma, por exemplo, e que há tipos de câncer raros que devem ter um foco maior entre os pesquisadores.
Ibict: Outros estudos nesse sentido poderiam ser realizados? Quais?
José Orete do Nascimento:
Sem dúvida alguma, novos estudos podem ser realizados a partir desses dados e das conclusões dessa pesquisa, entre eles, a busca pela comprovação das razões que levam ao número reduzido de pesquisas sobre as morfologias com maior incidência na população brasileira. Além disso, outros temas como a estratificação dos casos de câncer por geografia, a identificação de topografias e morfologias por estados e municípios e a migração dessas pessoas em busca de tratamento.
Outro trabalho importante seria a identificação da produção dos centros de pesquisas em câncer, por meio da produção científica de seus colaboradores cadastrados na base Lattes, e o volume de suas contribuições ao país na busca pelo enfrentamento dos vários tipos de câncer e das morfologias citadas nesse trabalho.
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A tese de José Orete do Nascimento pode ser encontrada em versão completa no Repositório Institucional do Ibict. Clique aqui para ler.