Educação Inclusiva A Construção do Conceito de Número e o Pré-Soroban Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva Ministro da Educação Fernando Haddad Secretário Executivo José Henrique Paim Fernandes Secretária de Educação Especial Claudia Pereira Dutra Impressão para o Braille da 1ª Edição, 2006 na diagramação de 28 linhas por 34 caracteres. Ministério da Educação Instituto Benjamin Constant Av. Pasteur, 350-368 -- Urca 22290-240 Rio de Janeiro RJ -- Brasil Tel.: (21) 3478-4442 Fax: (21) 3478-4444 E-mail: ~,ibc@ibc.gov.br~, -- 2007 --

Ministério da Educação Secretaria de Educação Especial Esplanada dos Ministérios, Bloco L, 6º andar, sala 600 CEP 70047-901 -- Brasília -- DF Fone (61) 2104-8651 -- 2104-9258 Fax (61) 2104-9265 E-mail: ~,seesp@mec.gov.br~, Site: ~,www.mec.gov.br~, ISBN: 978-85-60331-07-9

¨ I Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) A construção do conceito de núme- ro e o pré-soroban / elabora- ção : Fernandes, Cleonice Te- rezinha... [et al.]. -- Bra- sília : Ministério da Educa- ção, Secretaria de Educação Especial, 2006. 92 p. : il. 1. Conceito de número. 2. Soroban. 3. Deficiente da visão. 4. Iniciação à Matemática. 5. Ensino de Matemática. I. Fernandes, Cleonice Terezinha. II. Brasil. Secretaria de Educação Especial. CDU 51:376.#ceb

FICHA TÉCNICA Secretária de Educação Especial Claudia Pereira Dutra Diretora do Departamento de Políticas da Educação Especial Claudia Maffini Griboski Coordenadora Geral de Desenvolvimento da Educação Especial Kátia Aparecida Marangon Barbosa Elaboração Cleonice Terezinha Fernandes Eunice Vieira Abrão Borges Maria do Socorro Belarmino de Souza Maria Gloria Batista da Mota Tânia Regina Martins Resende Waldin de Lima Colaboração Ieda Maria da Silva Morais

¨ III Revisão Maria Gloria Batista da Mota Maria do Socorro Belarmino de Souza Martha Marilene de Freitas Sousa Fotografias Centro de Apoio Pedagógico -- CAP de Uberaba -- MG Instituto de Cegos Brasil Central -- ICBC

Nota de Agradecimento Agradecemos inicialmente ao Professor Doutor Amilton Garai da Silva (in memorian), ex-presidente da Associação Brasileira de Educadores de Deficientes Visuais -- ABEDEV, que pelo seu espírito inovador propôs a criação da Comissão Brasileira de Estudo e Pesquisa do Soroban, a nível do Ministério da Educação vinculada à Secretaria de Educação Especial por ser este um desejo acalentado, durante muitos anos, pelos educadores brasileiros que atuavam no apoio educacional aos alunos com deficiência visual. Agradecemos ao Centro de Apoio Pedagógico para Atendimento às Pessoas com Deficiência Visual -- CAP de Uberaba e ao Instituto de Cegos Brasil Central -- ICBC pela cedência das fotos e a permissão para sua publicação neste trabalho. Nossos agradecimentos também aos alunos com deficiência visual

¨ V e professores que ajudam a difundir conhecimentos que colaboram com a construção de uma educação de qualidade para todos. Comissão Brasileira de Estudo e Pesquisa do Soroban

¨ VII Sumário APRESENTAÇÃO :::::::::::::: 1 INTRODUÇÃO :::::::::::::::: 3 CAPÍTULO I -- Histórico do soroban no Brasil ::::: 6 1. Origens históricas e etimológicas :::::::::::::: 6 2. O soroban no Japão :::: 10 3. A imigração japonesa e o soroban no Brasil :::::::: 14 4. Adaptações do soroban para uso de pessoas cegas no Brasil :::::::::::::::: 15 4.1. Joaquim Lima de Moraes: mais que um precursor ::::::::::::::::: 15 4.2. Moraes e as primeiras iniciativas de divulgação e ensino do soroban ::::::: 20 4.3. Moraes e a divulgação do soroban em outros países :::::::::::::::::::: 22

5. A expansão do ensino e uso do soroban por pessoas cegas nos estados brasileiros ::::::::::::::: 25 6. O ensino e uso do soroban na contemporaneidade ::::::::: 27 CAPÍTULO II -- Pré-soroban: aspectos teóricos e metodológicos ::::::::::::: 32 1. A evolução do ensino da matemática e o pré-soroban ::::::::::::::: 32 2. O papel dos jogos na construção do pensamento simbólico ::::::::::::::::: 34 3. Aspectos peculiares no desenvolvimento cognitivo de pessoas com deficiência visual :::::::::::::::::::: 36 4. Pensamento lógico-matemático ::::::::: 42 4.1. Classificação e seriação/ordenação ::::::: 45 4.2. Correspondência termo a termo ::::::::::::::::::: 47

¨ IX 4.3. Contagem :::::::::::: 48 4.4. Conservação ::::::::: 49 4.5. Reversibilidade ::::: 50 5. Tendências atuais no ensino da matemática :::::: 51 5.1. Jogos ::::::::::::::: 53 CAPÍTULO III -- Pré-soroban: jogos didático-pedagógicos no processo de numeração -- conceitos pré-numéricos ::: 61 Jogos pré-soroban :::::::::: 64 1. Jogos corporais :::::::: 66 2. Jogos de classificação e seriação :::::::::::::::::: 70 2.1. Brincadeira da caixa oculta :::::::::::::::::::: 70 2.2. Olho vivo ::::::::::: 72 2.3. Classificando sólidos geométricos ::::::::::::::: 73 2.4. Caixa vazada :::::::: 75 2.5. Blocos lógicos :::::: 75 2.5.1. Livre criação :::: 77 2.5.2. Bloco oculto ::::: 78 2.5.3. Qual é a peça? ::: 79

2.5.4. Siga os comandos! ::::::::::::::::: 81 2.5.5. Dominó a uma diferença ::::::::::::::::: 82 3. Jogos de correspondência termo a termo ::::::::::::: 83 3.1. Jogos com dados ::::: 83 3.1.1. Corrida dos bichos :::::::::::::::::::: 84 3.1.2. Jogo da bandeja ::::::::::::::::::: 85 3.1.3. Ovos recheados ::: 86 3.1.4. Carona ::::::::::: 87 3.2. Kallah ou Mancala :::::::::::::::::: 88 3.3. Escala Cuisenaire ::::::::::::::: 91 3.3.1. Atividades espontâneas ::::::::::::::: 92 3.3.2. Jogos com regras :::::::::::::::::::: 93 3.4. Réguas numéricas :::: 94 3.4.1. Dominó de soma sete :::::::::::::::::::::: 96 3.4.2. Jogo da memória ::::::::::::::::::: 96 3.4.3. “Setes” :::::::::: 98 3.4.4. Rouba-monte :::::: 99

¨ XI 4. Jogos de agrupamento e troca ::::::::::::::::::::: 100 4.1. Jogo livre :::::::::: 102 4.2. Quem é quem? :::::::: 103 4.3. Brincadeira do banco ::::::::::::::::::::: 103 4.4. Jogo do “nunca” ::::: 104 4.4.1. Jogo do nunca quatro solto :::::::::::::: 104 4.4.2. Jogo do nunca dez solto ::::::::::::::::::::: 105 5. Jogos do sistema de numeração decimal -- utilizando o material dourado ::::::::::::::::::: 106 5.1. Adição :::::::::::::: 106 5.1.1. Lendo na lógica do nunca dez solto ::::::::::: 107 5.2. Subtração ::::::::::: 108 5.3. Multiplicação ::::::: 109 5.4. Divisão ::::::::::::: 110 CAPÍTULO IV -- Noções pré-algorítmicas nos contadores mecânicos :::::: 112 Noções pré-algorítmicas :::: 114 1. Subtração :::::::::::::: 115 1.1. Operacionalização ::: 115 2. Adição ::::::::::::::::: 118 2.1. Operacionalização ::: 118 3. Multiplicação :::::::::: 120 4. Divisão :::::::::::::::: 124 Considerações finais ::::::: 127 Bibliografia ::::::::::::::: 129 Anexo I -- Portaria n.o 657/2002 ::::::::::::::: 137 Anexo II -- Portaria n.o 1.010/2006 ::::::::::::: 143 <11> APRESENTAÇÃO Em um momento em que o ensino da Matemática está em processo de intensa revisão e proposição de inovações pedagógicas, oriundas da Psicopedagogia, Pedagogia e a área de conhecimento inerentes à própria Matemática, este documento publicado pela Secretaria de Educação Especial constitui uma contribuição ao ensino da Matemática, sobretudo nas séries iniciais. Sua utilização ultrapassa o objetivo inicial, construção do conceito de número pela criança com deficiência visual, uma vez que apresenta uma abordagem pedagógica voltada para a construção de escolas inclusivas. Durante muito tempo, a quase inexistência e sistematização de metodologias para o ensino da Matemática para as pessoas com deficiência visual acabou gerando, por vezes, impedimentos a difusão, apreciação e uso corrente do soroban -- contador mecânico específico para usuários com deficiência visual. Este livro constitui um importante material didático-pedagógico por enfatizar a importância da manipulação de jogos sob a mediação atenta do professor que trabalha com alunos com deficiência visual. Assim, o Governo Federal por meio do MEC/SEESP colabora mais uma vez com a transformação do sistema educacional em sistema verdadeiramente inclusivo. Claudia Pereira Dutra Secretária de Educação Especial -- MEC õoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõo

<13> INTRODUÇÃO Este trabalho representa a proposta da Comissão Brasileira de Estudo e Pesquisa do Soroban, para ressignificar o ensino da Matemática para os alunos com deficiência visual. Constata-se no dia a dia de nossas escolas que o ensino da Matemática para os alunos com deficiência visual não atende, no que tange a situação do seu cerceamento sensorial, as necessidades das crianças desprovidas de visão. A elaboração e construção do conceito de número, por parte das crianças com deficiência visual, depende de sua interação com o mundo concreto, o que permite construir conceitos e se apropriar das informações mais elementares; as quais, no entanto, embasam todo o conhecimento matemático. Assim, ciente da importância do soroban na escolarização dos alunos com deficiência visual, esta Comissão apresenta uma solução relativa ao ensino básico da Matemática para esse alunado. A seguir, serão abordadas as metodologias para uso do soroban, mais adequadas para o atual momento sócioeducacional brasileiro, especialmente no momento em que a inclusão escolar requer um esforço de todos para que os alunos com deficiência visual, inclusos nas escolas regulares, consigam acom- panhar com efetivo proveito todos os ensinamentos. Este documento estrutura-se em quatro capítulos: • Resgate Histórico do Soroban no Brasil. • Aspectos Teóricos e Metodológicos do Pré-Soroban. • Noções Pré-Algorítmicas. <14> • Jogos Didático-Pedagógicos que facilitam a numerização do aluno (conceituação de número pelo aluno ou a formação do conceito de número pelo aluno). Tem-se a convicção de que esta publicação inspirará e embasará significativos avanços no ensino da Matemática para os deficientes visuais brasileiros por apontar caminhos viáveis e alternativas metodológicas, alicerçados em estudos científicos. õoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõo

<15> CAPÍTULO I Histórico do soroban no Brasil 1. Origens históricas e etimológicas Este capítulo abordará as origens do soroban em diversas partes do mundo, que remonta ao período anterior à era cristã, a fim de melhor contextualizarmos a inserção deste contador mecânico na educação de pessoas com deficiência visual no Brasil. Os povos antigos, sem saberem uns dos outros, foram cristalizando os princípios de contagem que inspiraram a criação dos ábacos modernos, por meio de alternativas bem rudimentares, como nos mostra Ifrah, (1989), ao citar o exemplo de como tribos guerreiras de Madagascar procediam para recensearem seus soldados. Ifrah nos conta que essas tribos iam colocando pedras em um fosso, cada pedra correspondendo a um guerreiro. Ao chegar à décima pedra, correspondente ao décimo homem, essas eram substituídas por apenas uma pedra, que era depositada em um segundo fosso. Este processo de contagem e substituição era repetido até se atingir a passagem de cem guerreiros. As dez pedras que simbolizavam os cem guerreiros eram então representadas por apenas uma pedra, agora colocada em um terceiro fosso. Ressaltamos que nessa época ainda não havia a nomenclatura “cem”, nem sua abstração, prevalecendo apenas uma contagem elementar, obtida por essa correspondência. Percebe-se então, que foram as pedras os primeiros objetos que permitiram a iniciação das pessoas na arte de calcular e estão presentes na origem dos ábacos, nesta obra compreendidos como contadores mecânicos, configurando-se num meio artesanal que viabilizou um sistema <16> de contabilidade silenciosa, que não exigia memorização nem conhecimentos abstratos de números, utilizando-se unicamente o princípio da correspondência um a um. Como podemos observar o sistema valor posicional base dez, ou seja, a contagem decimal convencional, que é largamente usada como sistema de numeração, partiu deste feito histórico e inspirou a invenção dos primeiros ábacos. Conforme La Enciclopedia Libre ~,http:÷÷es.wikepedia.org~, o ábaco é considerado o mais antigo instrumento de cálculo e suas origens em dados mais precisos estão perdidas no tempo, podendo-se resgatar fragmentos de seu surgimento por meio de achados arqueológicos e pela leitura de registros em obras mais antigas sobre Matemática e Aritmética. A palavra ábaco é romana e deriva do grego *abax* ou *abakon*, que <17> significa superfície plana ou

tábua. O ábaco recebeu outros nomes em outros países tais como: China, *Suan Pan*; Japão, *Soroban*; Coreia, *Tschu Pan*; Vietnam, *Ban Tuan* ou *Ban Tien*; Rússia, *Schoty*; Turquia, *Coulba*; Armênia, *Choreb*. (La Enciclopedia Libre). O soroban foi um instrumento que a humanidade inventou no momento em que precisou efetuar cálculos mais complexos quando ainda não dispunha do cálculo escrito por meio dos algarismos indo-arábicos. Esboçado inicialmente a partir de sulcos na areia preen- chidos por pedras, substituídos por uma tábua de argila e posteriormente com o uso de pedras furadas e dispostas em hastes de metal ou madeira, as quais podiam correr livremente ao longo dessas hastes conforme a realização do cálculo.

2. O soroban no Japão Ressaltaremos aqui aspectos históricos sobre o uso do soroban no Japão, por ser o país que mais contribuiu para a evolução deste instrumento e na divulgação em outros países, sobretudo no Brasil, contexto principal do nosso estudo. Tomaremos por base os escritos do professor Fukutaro Kato, principal divulgador do soroban no Brasil, disseminador das técnicas e das estratégias para seu uso, reconhecidamente, um árduo defensor da preservação do soroban no âmbito <18> educacional, como uma ferramenta capaz de contribuir para o desenvolvimento das estruturas mentais. O soroban chinês, *Suan Pan*, foi introduzido no Japão por Kambei Moori e apresentava o seguinte aspecto: sete contas elíp- ticas separadas por longa barra horizontal, ficando duas contas na parte superior e cinco contas na parte inferior. A primeira transformação ocorreu na época dos samurais, somente na forma das contas, que de elípticas passaram a ter arestas, cujo corte transversal tinha a forma losangular. Na época do imperador Meiji houve a segunda transformação, que consistiu da abolição de uma das contas da parte superior. A terceira e última transformação aconteceu entre 1935 e 1940. Essa consistiu na abolição de uma conta situada na parte inferior de cada haste. Esta evolução do soroban, tornando-o um instrumento cada vez mais preciso, ágil e de fácil manejo, acompanhou o desenvolvimento da atividade mental humana, capaz de efetuar cálculos mais complexos e abstratos, apenas visualizando o soroban ou a memorização de seu modelo. Conforme Kato (1961), este modelo de soroban predomina até os nossos dias, cuja fabricação varia apenas em tamanhos, estilos e materiais utilizados. De acordo com a necessidade os tipos variam podendo-se encontrar sorobans para utilização por pessoas que enxergam, deficientes visuais, adornos, brindes, brinquedos, entre outros. <19> O reconhecimento do soroban na política educacional japonesa e, ainda, sua utilidade num contexto mundial mais amplo, foi fruto de uma luta incansável de seus disseminadores, a exemplo do professor Fukutaro Kato. Nas várias reformas educacionais, ora o soroban era considerado como matéria obrigatória, so- bretudo no ensino primário da época, ora era considerado como matéria optativa. Também se assinala a influência demasiada dos modelos estrangeiros, à medida que o soroban foi relegado por algum tempo, optando-se pelo cálculo por meio do uso de lápis e papel. Sob influência norte-americana, no fim da segunda guerra mundial, o soroban padeceu críticas bastante destrutivas enfatizando-se as vantagens de calculadoras eletrônicas. Desde o início do século XX, o Japão já vinha promovendo cam- peonatos que visavam mostrar a importância do soroban para o desenvolvimento mental. Porém, o campeonato decisivo, considerado de vida ou morte para o reconhecimento do soroban, foi realizado no dia 11 de novembro de 1946. Esse confronto aconteceu no teatro Anipail, de Tókio, em que a máquina de calcular teve como operador o <20> norte-americano tenente William Wood, e o soroban teve como operador o senhor Kiyoshi Matsuzaki. Nesse campeonato o soroban foi vitorioso e os americanos reformularam seu conceito sobre este instrumento, embora sem grande divulgação. No entanto sabe-se que nos Estados Unidos tem boa aceitação e uso pelos cegos. 3. A imigração japonesa e o soroban no Brasil Os primeiros sorobans introduzidos no Brasil vieram nas malas de imigrantes japoneses no ano de 1908, quando ainda era o modelo que continha cinco contas na parte inferior. Esses imigrantes não tinham o intuito claro de divulgação, usando o soroban apenas nas suas atividades pessoais e profissionais. Os que vieram, após a segunda guerra mundial, é que trouxeram para o Brasil o soroban moderno, modelo usado até os nossos dias. O principal divulgador do soroban no Brasil, a partir de 1956, foi o professor Fukutaro Kato, natural de Tókio, Japão e conhecedor das diversas áreas das ciências econômicas e contábeis. Kato foi professor de soroban desde muito moço e foi o autor do primeiro livro de Soroban em Português, *Soroban pelo Método Moderno*, publicado em 1958, cuja 3ª edição está esgotada. Em sua campanha de divulgação, o professor incentivou a realização de vários campeonatos, participou de projetos junto ao Ministério da Educação e à Secretaria de Educação de São Paulo, realizou divulgação nos vários meios de comunicação e foi um dos fundadores da Associação <21> Cultural The Shuzan do Brasil, exercendo o cargo de diretor-executivo, cargo este decisivo para a propagação do soroban. 4. Adaptações do soroban para uso de pessoas cegas no Brasil 4.1. Joaquim Lima de Moraes: mais que um precursor O primeiro brasileiro a se preocupar com as ferramentas de que os cegos dispunham para efetuar cálculos em nosso país foi o professor Joaquim Lima de Moraes. Uma miopia progressiva fez com que ele interrompesse seu curso ginasial e após 25 anos, em 1947, matriculou-se na Associação Pró-Biblioteca e Alfabetização para aprender o Sistema Braille. Por ser a Matemática uma de suas matérias prediletas, após aprender o Sistema Braille, voltou sua atenção para o modo de calcular dos cegos. Na época, existiam disponíveis o cubarítmo, a chapa e a prancheta *Taylor*. As dificuldades observadas por Moraes para os cegos operarem esses instrumentos foram impulsionadoras de sua busca por um aparelho que tornasse essa atividade mais ágil e prazerosa. O cubarítmo foi largamente usado pelos cegos no Brasil. Trata-se de uma caixa com uma grade metálica onde são dispostos pequenos cubos, em que se armam as contas da maneira como os <22> videntes as efetuam com lápis e papel. Os cubos fabricados em plástico têm em cinco de suas seis faces, impressos em alto relevo, os dez primeiros caracteres do Sistema Braille que representam os algarismos sem o sinal de número. Na sexta face de cada cubo há um traço, usado para representar os sinais de operação e outros. Os cubos são manipulados pelo aluno que deve armar toda a conta antes de realizá-la. Caso os cubos caiam, ou a própria caixa vá ao chão, o cálculo será todo desfeito, sendo uma dificuldade a mais para o aluno que teria de encontrar os cubos e colocar tudo em ordem novamente. O soroban, por ter suas contas fixas nas hastes, evita esse inconveniente, sendo os valores rapidamente modificados ~,http:÷÷www.soroban.org~, Em suas pesquisas por um aparelho de custo acessível e que trouxesse facilidades e mais rapidez para a realização de cálculos por pessoas cegas, Moraes soube da

existência do soroban ou ábaco japonês. Em seus primeiros contatos com esse contador mecânico, ele percebeu a leveza e mobilidade das contas nos eixos, constatando que seria difícil para uma pessoa cega manipular as contas que deslizariam a um simples toque dos dedos. Este primeiro obstáculo foi um incentivo para o aprofundamento de seus estudos. Partiu do próprio cubarítmo para estudar as 4 operações no soroban dos videntes, sondando formas de adaptá-lo e simplificá-lo para uso de pessoas cegas. <23> Na implementação de suas pesquisas, Moraes recebeu o apoio de dois japoneses residentes no Brasil, o senhor Iuta, proprietário de uma casa comercial, e o senhor Myiata, fabricante de sorobans e outros artefatos de madeira para a colônia japonesa. O ano de 1949 foi decisivo para as

adaptações do soroban para pessoas cegas e de baixa visão. Em janeiro daquele ano, Moraes recebeu os três primeiros sorobans adaptados e em julho, juntamente com seu aluno e amigo José Valesin, procedeu à modificação consagrada, que consistiu na introdução da borracha compressora, a qual resolveu a dificuldade dos cegos em manipular esse aparelho. A inserção da borracha permitiu finalmente que os cegos pudessem empurrar as contas com mais segurança e autonomia para representar os valores numéricos conforme as operações a serem efetuadas. Outro feito de Moraes juntamente com Valesin foi registrado em agosto de 1951 quando, após exercícios e ganho de velocidade na realização de cálculos no soroban, conseguiram igualar seu tempo ao de alunos videntes do último ano ginasial que utilizavam lápis e papel.

4.2. Moraes e as primeiras iniciativas de divulgação e ensino do soroban Com vistas a divulgar o uso e ensino do soroban para pessoas cegas e registrar alternativas didáticas e metodológicas de seu uso, Moraes publicou em Braille a primeira edição do seu Manual de Soroban, com o apoio da Fundação para o Livro do Cego no Brasil (hoje Fundação Dorina Nowill para Cegos), com uma tiragem de 120 exemplares também mimeografa- dos. Moraes relata que suas primeiras iniciativas no ensino do soroban para pessoas cegas foram na escola onde ele aprendeu o Sistema Braille. Conta-nos que os alunos, mesmo sem estarem ainda alfabetizados, conseguiam aprender a registrar os dez algarismos no soroban em cerca de quinze minutos. <24>

A partir dos resultados satisfatórios em tão curto período de tempo, a diretora da Escola autorizou o professor Moraes a introduzir o soroban na disciplina de Matemática para alunos cegos naquele estabelecimento. Foi essa a primeira iniciativa concreta para o ensino do soroban para cegos no Brasil. Em 1956, a convite da professora Dorina de Gouvêa Nowill, então diretora do Curso de Especialização de Professores no Ensino de Cegos, mantido pelo Instituto de Educação Caetano de Campos, em São Paulo, Moraes ministrou aulas de Aritmética usando sua metodologia do soroban, sendo sucedido, posteriormente, pelo professor Manoel Costa Carnayba. Consciente do seu papel de desbravador no uso do soroban entre professores e pessoas cegas, sabedor das resistências que encontraria para a implantação dessa inovação na educação, Moraes, em 1950, iniciou um competente trabalho de divulgação por meio de palestras e demonstrações em escolas de cegos, escolas regulares, além de participação em programas de rádio e televisão. Eram enviados sorobans e cópias do manual para as principais escolas de cegos do país. Moraes destacou como centros importantes de divulgação o Instituto Padre Chico (SP), o Instituto Benjamin Constant (RJ) e o Departamento de Matemática da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Nesta última, o soroban despertou real interesse, criando-se um curso facultativo para os estudantes de engenharia, adquirindo-se 100 sorobans diretamente do fabricante. 4.3. Moraes e a divulgação do soroban em outros países As metas de divulgação do soroban para cegos não se limitaram ao Brasil. Moraes enviou sorobans e cópias do seu manual de utilização para outros países, tais como: Argentina, Chile, Uruguai, Paraguai, Bolívia, Peru, Equador, Venezuela, Panamá, Costa-Rica, El Salvador, Porto Rico, Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, Alemanha, Itália, Espanha e Portugal. <25> Moraes reconheceu o apoio fundamental da professora Dorina Nowill para a divulgação do soroban no Brasil e em outros países. Relatou que, por intermédio da Fundação para o Livro do Cego, manteve contatos com o senhor Albert Joseph Asenjo, especialista em organização de progra- mas de reabilitação para cegos, alto funcionário da American Foundation for the Blind (AFB), que em 1957 veio ao Brasil realizar estudos de intercâmbio, permanecendo aqui por dois anos.

Por indicação deste funcionário, Moraes tornou-se bolsista da OIT (Organização Internacional do Trabalho) com o objetivo de estudar a reabilitação de cegos em atividades laborais. Viajou em 1959 e durante cinco meses e meio, estudou a organização e administração de mais de vinte oficinas de trabalho para cegos, tanto nos Estados Unidos quanto no Canadá. Moraes não desperdiçou essa oportunidade. Demonstrou o uso do soroban para grupos de técni- cos interessados em diversos locais por onde passou, a exem- plo de Nova York, Washington, Mineápolis e Toronto. Autorizou a tradução de seu manual para o Inglês e trouxe para o Brasil a encomenda pela AFB de 50 sorobans de 21 eixos, exportados em 1960. Nosso reconhecimento e homenagens ao professor Joaquim Lima de Moraes que, movido por um espírito inquietante e instigador de todos os cientistas, revolucionou o ensino da Matemática para pessoas com deficiência visual em muitos países, por meio de uma adaptação bastante original, de caráter insuperável. 5. A expansão do ensino e uso do soroban por pessoas cegas nos estados brasileiros No estado de São Paulo, o professor Manoel Costa Carnayba foi um continuador do trabalho de Joaquim Lima de Moraes divulgando e ministrando aulas de soroban. <26> A adaptação do soroban e a publicação de um manual didático pelo professor Moraes inspiraram diversas iniciativas de professores de instituições de e para cegos em todo o Brasil, que, com base nesses materiais, passaram a ministrar cursos de capacitação para professores e alunos, produzindo livros e apostilas como suporte teórico para sua prática pedagógica. Dentre inúmeras iniciativas, destacamos: • Os cursos de soroban por correspondência, ministrados pela Escola Hadley em São Paulo; • Publicação do livro: *Técnica de Cálculo e Didática do Soroban*, elaborado pelos professores Olemar Silva da Costa e Jonir Bechara Cerquei- ra, do Instituto Benjamin Constant, Rio de Janeiro; • Publicação do livro: *O Soroban para todos*, pelo professor Gildo Soares da Silva, em Pernambuco; • Na Bahia, após o estudo das publicações existentes, foi lançado o livro: *Soroban para deficientes visuais -- cálculo direto para operações Matemáticas*, escrito pelas professoras Avani Fernandes Villas Boas Nunes, Catarina Bernarda Soledade e Sônia Maria Barboza dos Reis cuja proposta apresenta um conjunto de regras em que os cálculos no soroban são efetuados das ordens menores para as maiores, seguindo o algoritmo do cálculo a tinta e inverso ao modelo apresentado pelo professor Moraes em seu manual, diferindo também dos princípios utilizados pelos japoneses no uso do soroban. Essa proposta foi lançada como diretriz para o Estado da Bahia, publicada pela Secretaria de Educação e divulgada em vários estados brasileiros. 6. O ensino e uso do soroban na contemporaneidade Na atualidade, o ensino e uso do soroban por pessoas com deficiência visual no Brasil tem sido temática em cursos e seminários, bem como, <27> está presente na pauta de políticas públicas educacionais do Ministério da Educação, o que podemos observar a seguir. O ensino do soroban foi um dos temas do II Simpósio promovido pela Fundação Dorina Nowill para Cegos, ocorrido em São Paulo em 1988. Posteriormente, com a distribuição de *kits* pedagógicos para os deficientes visuais pelo Ministério da Educação/Secretaria de Educação Especial -- MEC/ /SEESP, observou-se o pouco domínio deste instrumento de cálculo pelos alunos com deficiência visual. No IX Congresso da ABEDEV -- Associação Brasileira de Educadores de Deficientes Visuais -- realizado em Guarapari -- ES em 1999, constatou-se a diversidade de metodologias existentes no Brasil em relação ao ensino e uso do soroban. Em março de 2000, por ocasião da realização do curso de capacitação de professores para atuar nos CAPs -- Centro de Apoio Pedagógico para Atendimento ao Deficiente Visual -- em âmbito nacional, realizaram-se testes de avaliação de leitura e escrita braille, informática básica e soroban, quando novamente foi constatada a falta de domínio dos professores de um modo geral, em relação à utilização deste recurso pedagógico. Movida por tais fatos, a ABEDEV promoveu em Campo Grande/MS em julho de 2001, o I Encontro Brasileiro de Professores de Soroban. Neste encontro, onde estavam representados todos os estados brasileiros, foram apresentadas as principais metodologias disseminadas no Brasil. Dentre outras propostas resultantes deste evento, surgiu a necessidade de se constituir um grupo de estudo e pesquisa sobre esta temática, visando o aprofundamento do assunto e a sistematização das metodologias vigentes no país, surgindo assim a Comissão Brasileira de Estudo e Pesquisa do Soroban, no âmbito da ABEDEV. <28> Após mobilização e gestões da ABEDEV junto ao MEC/SEESP, sob a liderança do então Presidente Professor Amilton Garai da Silva, foi instituída por meio da Portaria Ministerial n.o 657 de 07/03/2002, a Comissão Brasileira de Estudo e Pesquisa do Soroban -- CBS. Na sequência, por meio da Portaria n.o 1.500 de 20/05/2002 foram designados seis membros para comporem a mesma. A CBS, que ora escreve esta história por meio de estudo e pesquisa, tem dentre seus objetivos: • Publicar materiais teóricos e práticos sobre o soroban na educação de pessoas com deficiência visual; • Sistematizar o Pré-Soroban; • Organizar e sistematizar as duas metodologias de uso e ensino do soroban vigentes no Brasil; • Implementar cursos de capacitação dessas metodologias;

• Contribuir com a melhoria da qualidade da educação das pessoas cegas no Brasil, tornando o soroban mais acessível para alunos e professores; • Maximizar o aproveitamento deste recurso pedagógico que integra o *kit* de materiais didáticos, distribuído pelo MEC/ /SEESP para alunos cegos. A experiência e o aprofundamento destes estudos dão a esta Comissão a certeza de ser o soroban um instrumento importante para o desenvolvimento das estruturas cognitivas. õoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõo

<29> CAPÍTULO II Pré-soroban: aspectos teóricos e metodológicos 1. A evolução do ensino da matemática e o pré-soroban O soroban, aparelho utilizado por pessoas cegas e com baixa visão na efetuação de operações matemáticas, tem sido temática em diversos manuais direcionados a usuários e professores. As abordagens, em geral, descrevem este aparelho, seu manejo, metodologias empregadas em sua utilização, além de listas de exercícios práticos. O redimensionamento pelo qual passa o ensino da Matemática, o repensar de práticas pedagógicas que privilegiam o uso do raciocínio convergente e linear na maioria das escolas brasileiras, tem influenciado estudiosos que atuam no ensino dessa disciplina para pessoas com deficiência visual e em particular no ensino do soroban. No Brasil, o ensino do soroban tem sido alvo de acalorados debates nos últimos anos, o que justificou a criação por meio do MEC/ SEESP da CBS. A partir de levantamento bi- bliográfico, da experiência dos membros da comissão e de pesquisa realizada em âmbito nacional em 2003, foram detectadas no Brasil duas metodologias empregadas no ensino do soroban e diversas adap- tações que variam em nível regional. Ao longo da história o ensino do soroban tem se revelado abstrato e dissociado da vida das pessoas cegas, tanto quanto é a pró- pria Matemática numa versão tradicional que ainda é tão predominante em nossas escolas. O conjunto de regras constantes nas metodologias ora vigentes para o ensino do soroban, somado às próprias regras inerentes ao ensino da <30> Matemática, faz com que o domínio desse aparelho por pessoas com deficiência visual converta-se em algo rígido, enfadonho e pouco prazeroso. O Pré-Soroban, conjunto de subsídios teórico-práticos, deriva das novas tendências metodológicas que repensam o ensino da Matemática e constitui objeto principal deste capítulo. 2. O papel dos jogos na construção do pensamento simbólico As crianças em sua prática social aprendem e produzem brincadeiras, jogos e contos, em que estão presentes e são desenvolvidas noções e representações matemáticas, muito antes de ingressarem na escola formal. Piaget, (apud Moraes Dias, 1990), defendeu ser “a representação de atos por meio de jogos simbólicos a primeira possibili- dade de pensamento propriamente dito”. No dizer deste autor, a imaginação criadora da criança surge em forma de jogo sensório-motor, que se transforma em jogo simbólico, ampliando suas possibilidades de ação e compreensão do mundo. Na linguagem infantil, as crianças transformam sombras em dragões, pedras em aves, pedaços de madeira em valentes guerreiros, onde tais jogos e brincadeiras são instrumentos fundamentais no processo de construção do pensamento e da própria linguagem verbal socializada. Piaget embasou parte de seus estudos sobre os estágios do desenvolvimento cognitivo na observação de jogos e brincadeiras de sua própria filha. Na vasta produção acadêmica sobre essa temática podemos encontrar muitos exemplos de jogos infantis que demonstram as várias fases de desenvolvimento intelectual.

<31> 3. Aspectos peculiares no desenvolvimento cognitivo de pessoas com deficiência visual Em um mundo eminentemente visual, cuja produção acadêmica atende prioritariamente em suas pesquisas ao paradigma da normalidade e da homogeneidade, convém indagar: • Como se processa o desenvolvimento do pensamento cognitivo em crianças cegas ou com baixa visão? • Que aspectos devem ser levados em conta para favorecer esse desenvolvimento? • Qual a importância de se compreender e de se oportunizar essa forma diferente de interação com o meio? Essas questões remetem-nos a um rápido situar sobre o que pensam alguns pesquisadores a esse respeito, visando garantir o espaço da criança com deficiência visual em sua dinâmica relação com o mundo, por meio de jogos que lhes serão peculiares, adequados a sua forma de compreensão e formação do pensamento simbólico, tão importante para consolidar os rudimentos do pensamento lógico-matemático a que se propõe esse estudo. Segundo Amiralian (1997), a formação de conceitos, a capacidade classificatória, o raciocínio, as representações mentais e outras funções cognitivas revelam-se como fatores críticos para a educação de crianças cegas constituindo-se preocupações prioritárias para teóricos que desenvolveram estudos e pesquisas sobre o referencial piagetiano. Gottesman (apud Amiralian, 1997:39) transcreve um trecho de uma conferência proferida por Piaget na Universidade de Columbia onde esse teórico fez algumas alusões a possíveis desvantagens no desenvolvimento de crianças cegas, decorrentes das limitações acarretadas por essa

deficiência no seu viver cotidiano. <32> Nas palavras de Piaget: *Bebês cegos têm uma grande desvantagem por não poderem fazer a mesma coordenação do espaço que as crianças normais são capazes durante os dois primeiros anos de vida; assim, o desenvolvimento da inteligência sensório-motora e a coordenação das ações neste nível são seriamente impedidos na criança cega. Por essa razão, achamos que há um grande atraso no seu desenvolvimento no nível do pensamento representacional e a linguagem não é suficiente para compensar a deficiência na coordenação das ações. O atraso é posteriormente compensado, mas ele é significante e muito mais considerado do que o atraso no desenvolvimento da lógica de crianças surdas... (apud Amiralian, 1997; 39)* O desenvolvimento cognitivo da criança cega é bastante complexo, pois, por um lado ela é completamente dependente do mediador vidente e, por outro está dissociada da concepção que o mediador tem do mundo. Com base nessas reflexões podemos inferir que, caso o referencial visual seja imposto como alternativa única para a construção da realidade por uma criança cega, o seu processo de interação com essa realidade será bastante limitado. (Souza, 2000). A este respeito, Simmons e Santin (1996:09) concluem que: “a cada fase do desenvolvimento da criança, provavelmente haverá confusão quando ela tenta resolver o conflito entre sua experiência privada e pública”. Chamamos a atenção para esse aspecto, à medida que professores devem ser bastante detalhistas em explicações, atentos também aos conteúdos simbólicos que essas crianças trazem no seu processo de representa-

ção de conceitos. (Souza, 2000). Gottesman (apud Massini, 1994:43-44) conclui em seus estudos não haver diferenças significativas nos vários níveis de idade em relação às <33> tarefas realizadas por cegos e videntes. Esse autor selecionou em seu grupo de pesquisa sujeitos cegos integrados no meio familiar. Essas pessoas eram tratadas, primeiro como crianças, depois como cegas. O grau de liberdade propiciado pelos pais contribui de maneira crucial para esse desenvolvimento. Embora o autor reconheça o papel significante que a visão desempenha na aquisição de conceitos, sugere que: *Padrões e critérios podem ser estabelecidos para maximizar a função potencial de crianças cegas menos capazes. Currículos e ma- teriais educacionais podem ser produzidos para responder aos vários níveis de necessidades. Gottesman (apud Massini, 1994. p. 43-44)* Anderson (apud Massini, 1994:46) examinou os efeitos da falta da visão nos conceitos que crianças cegas apresentam de objetos comuns; verificou esses conceitos pelos atributos que elas usam para descrevê-los. O autor conclui que os sujeitos da pesquisa desenvolveram suas imagens mentais ou conceitos dos objetos a partir de suas próprias experiências com o mundo e com a forma de linguagem que eles usam, independentemente das influências das representações mentais das pessoas videntes. Esse autor sugere algumas recomendações de ordem prática para a intervenção com pessoas cegas, a saber: • necessidades de prover crianças cegas com programas de atividades orientados para amplas oportunidades de explorar e fazer experimentações com objetos; • ensiná-las a usar métodos mais apropriados e sistemáticos de obter informações táteis; • organizar o currículo escolar de forma a encorajar crianças cegas congênitas a investigar mais criativamente o uso de objetos comuns. Num país em que as limitações da cegueira somam-se às limitações econômicas, ressaltamos a necessidade de maiores investimentos em políticas públicas de subsídio a programas de estimulação precoce e aconselhamento <34> familiar, visando propiciar à criança cega uma participação mais ativa na investigação e elaboração do seu cotidiano. (Souza, 2000). 4. Pensamento lógico-matemático Tendo em vista ser a construção do pensamento lógico-matemático inerente à própria vivência da criança por meio de jogos e brincadeiras, a formação do conceito de número não ocorre por meio da repetição mecânica dos numerais. Tal construção vai ocorrendo progressivamente por meio dos estágios cognitivos vivenciada no dia a dia. Conforme Vygotsky (apud Kupfer, 1993) a aprendizagem é o processo pelo qual o indivíduo adquire informações, habilidades, atitudes, valores, entre outros, a partir do seu contato com a realidade, o meio ambiente e as outras pessoas. Também é Vygotsky que propõe a zona de desenvolvimento proximal como uma das estratégias que o professor pode lançar mão para facilitar o processo ensino-aprendizagem. Assim, a troca de experiências entre as crianças num clima de ajuda mútua favorece a aquisição de conhecimentos. Existem inúmeros jogos que podem ser utilizados ainda na fase da educação infantil. Em se tratando de crianças cegas e de baixa visão, é objetivo desse estudo oferecer uma seleção de jogos que envolvem conceitos matemáticos e constituem a base do pré-soroban. Apreender o conceito de número, que em essência não é passível de ensinamento, significa esgotar as relações existentes entre quantificadores. <35> Existe ampla literatura que discute esse tema, além de ofe- recer sugestões de jogos e ati- vidades a serem desenvolvidas com crianças ainda na primeira infância, a exemplo da obra de Constance Kamii “A criança e o número” (1987). O conhecimento lógico-matemático consiste na coordenação de relações e nesse processo de formação e aquisição do conceito de número, a criança passa por etapas de construção mental, como podemos ver no exemplo a seguir. *Ao coordenar as relações de igual, diferente e mais, a criança se torna apta a deduzir que há mais contas no mundo que contas vermelhas e que há mais animais do que vacas. Da mesma forma é coordenando a relação entre “dois” e “dois” que ela deduz que 2+2=4 e que 2×2=4. (Kamii, 1990. p. 15).* Os elementos primordiais envolvidos na formação do conceito de número são: • Classificação, Seriação/ /Ordenação; • Sequência Lógica; • Contagem (em diferentes bases); • Inclusão de Classe; • Intersecção de Classe; • Conservação. 4.1. Classificação e seriação/ordenação Entende-se por classificação a capacidade de reconhecer classes de objetos por suas características comuns e de usá-las ao estabelecer <36> relações lógicas (DROVET, 1990); e por seriação ou ordenação a habilidade de sistematizar objetos seguindo certa ordem: dispor os elementos segundo sua grandeza crescente ou decrescente (GOULART, 1990). Estes são conceitos primordiais por estarem presentes tanto na noção de número, quanto de medida e de geometria. As atividades devem primar pelo desenvolvimento das noções de: inclusão, igualdade, desigualdade, reunião, negação, intersecção, pertinência, sequências lógicas e conjuntos (agrupamentos), formados em torno do mesmo critério. A formação de tais conceitos deve partir de atividades que facilitem a observação de semelhanças e diferenças, vivenciando experiências que envolvam regras de organizar/seriar objetos por comparação de conceitos relativos à grandeza, textura, espessura, densidade e que permitam identificação de sequências, ordem, crian-

do critérios próprios ou com critérios pré-estabelecidos. 4.2. Correspondência termo a termo A habilidade de corresponder um objeto a outro para um princípio de contagem ainda elementar é a ideia de “contar sem saber contar” sugerida <37> por IFRAH (1989), anterior à contagem propriamente dita, quando esta já estará recheada de significado, ou seja, quando da compreensão do conceito fundamental de número. Crianças ao serem solicitadas a arrumarem uma fileira com número igual de objetos de uma outra fileira proposta pelo adulto, normalmente não contam previamente o número de objetos, apenas olham o modelo enquanto arrumam sua pró- pria fileira. A criança cega será estimulada a perceber por meio do tato a disposição dos objetos.

Esta fase é fundamental para a posterior construção da contagem com autonomia. 4.3. Contagem Inicialmente, a criança não escolhe usar a aptidão de contar como uma ferramenta confiável para “demarcar” um total de objetos, pois ainda não estabeleceu pro- priamente o conceito de contagem. Este conceito implica na habilidade de “contar” objetos, ou seja, de corresponder palavras e objetos; ou objetos e objetos numa abstração reflexiva, conforme Piaget. A contagem na base decimal requer uma aptidão ainda superior. Significa compreender a lógica do agrupamento e troca, ou seja, a lógica do valor posicional das pedras e dos símbolos, abordada no início desta obra, quando da origem dos contadores mecânicos (ábacos e sorobans). 4.4. Conservação O conceito de conservação física refere-se à conservação de quantidades contínuas (massa e líquido) e descontínuas (objetos considerados um a um), peso e volume (tomado enquanto relação entre massa e líquido), e conservação espacial: comprimento, superfície ou área e volume espacial. <38> “Conservar o número”, segundo Piaget (apud Kamii, 1986. p. 7), significa “pensar que a quantidade continua a mesma quando o arranjo espacial dos objetos foi modificado”. Em sua clássica prova de conservação de quantidades descontínuas, Piaget demonstra que as crianças ao considerarem duas fileiras com mesmo número de objetos julgam, quando questionadas, que uma é maior do que a outra apenas pelo fato dos objetos estarem mais espalhados em uma delas. Na prova de conservação de massa, julgam que uma mesma bola de massinha de modelar tem mais massa porque foi alongada ou partida. Já na prova de conservação de líquido (prova do transvasamento) julgam que um copo tem mais líquido por ser mais alto ou mais largo, embora todas as “alterações” tenham sido feitas na sua presença. 4.5. Reversibilidade Todo conhecimento matemático que permite reversibilidade é chamado operação. Implica na capacidade de re- gressar ao ponto de partida, quer seja pela “negação”, “inversão” ou pela “reciprocidade” (Condemarin, 1989). Ressaltamos que as operações citadas desenvolvem-se simultaneamente, portanto são indissociáveis e cabe aos educadores colocar todos os tipos de objetos, eventos e ações em todas as espécies de relações.

5. Tendências atuais no ensino da matemática D'ambrosio (1989) apresenta inúmeras propostas metodológicas que podem ser utilizadas no ensino da Matemática de forma a torná-lo mais dinâmico e significativo. Ao enfocarmos essas abordagens, enfatizaremos a dos jogos matemáticos, que será apresentada de forma mais detalhada, por considerarmos tal metodologia a base norteadora do pré-soroban no ensino para crianças cegas e com baixa visão. <39> Entendemos ser a metodologia dos jogos matemáticos passível de concretização imediata, acessível no que diz respeito à confecção de materiais, fácil de ser transmitida às crianças cegas e com baixa visão por se basear na verbalização. Além disso, trata-se de um resgate da cultura oral, em que jogos são facilmente encontrados na literatura acadêmica. No próximo capítulo será apresentada uma seleção de jogos com objetivos e suas respectivas formas de operacionalização. Esses jogos serão o ponto de partida, pois que o pré-soroban garante o espaço de criatividade de professores e alunos, à medida que ensinar e aprender por meio de brincadeiras oportuniza construir e desconstruir, ampliar, reinventar, criar variações, acréscimos, entre outros. As propostas metodológicas sugeridas por D'ambrosio (1989) são fruto de discussões em âmbito internacional sobre a ressignificação do ensino escolar da Matemática. Dentre elas podemos citar: o uso de computadores, a história da Matemática, a modelagem matemática, resolução de problemas, etnomatemática e os jogos matemáticos que, das propostas aqui mencionadas, é a alternativa metodológica que merecerá maiores aprofundamentos, por ser objetivo desse estudo. 5.1. Jogos Essa proposta será facilmente aplicada por professores, não sendo necessário que sejam gradu- ados em Matemática. D'ambrosio (1989:18), que teve larga ex- periência no laboratório de en- sino da Matemática da Universidade Estadual de Campinas -- UNICAMP, vê nos jogos uma forma de se abordar no lúdico, aspectos do pensamento matemático que vêm sendo negligenciados no ensino. <40> A tendência, no nosso sistema escolar, da supervalorização do pensamento algorítmico relega a um menor grau de importância o pensamento lógico-matemático e o pensamento espacial. De acordo com D'ambrosio (1989), acredita-se que no processo de desenvolvimento de estratégias de jogos, o aluno envolve-se com o levantamento de hipóteses e conjecturas, aspectos fundamentais no desenvolvimento do pensamento científico e matemático. O papel atribuído por Freud (apud Kupfer, 1997) a uma infância rica em experiências e descobertas significativas que contribuem para a formação de uma personalidade ajustada, leva-nos a pensar que o jogo possibilita a atualização das funções em desenvolvimento. Assim, quanto mais longa for a infância, rica de estímulos que levem a atividade, tanto maior serão as possibilidades intelectuais devido ao aumento de plasticidade cerebral durante o qual o indivíduo joga, imita, experimenta, multiplica suas possibilidades de ação e enriquece seu crescimento individual. Operações são ações interiorizadas e reversíveis, isto é, podem ser executadas nos dois sentidos como parte de uma mesma ação (fazer e desfazer). As operações “mentais” que se articulam para formar/formular os algoritmos compõem as estruturas operatórias. São constituídas pelo processo de “abstração reflexiva”, pela coordenação das ações realizadas pela criança, quando tem oportunidade de vivenciar, experimentar, inventar, fazer descobertas por si mesma, estabelecer relações entre elas. Jogos em grupo propiciam a descentração, tomada de consciência das próprias estratégias, maior atenção nas jogadas do parceiro, estimulam o pensar de forma independente, favorecem a análise dos próprios erros e jogadas menos felizes e contribuem para construir o conceito de ordenação e contagem, proporcionando a construção das estruturas operatórias. Um princípio fundamental no âmbito lógico-matemático é o de evitar o reforço da resposta certa e a correção das respostas erradas. Ao contrário é oportuno estimular a troca de ideias entre as próprias crianças. <41> Elas devem ser desafiadas a argumentar em defesa de suas opiniões, ouvir o colega, superar conflitos e contradições, atitudes que são indispensáveis ao desenvolvimento cognitivo. Conforme Kamii, (1986:63), “corrigir e ser corrigido pelos colegas nos jogos em grupo é muito melhor do que aquilo que porventura possa ser aprendido por meio das páginas de cadernos de exercícios”. Os jogos possibilitam a agilidade mental, a iniciativa e a curiosidade presentes nas diversas situações que se estendem naturalmente para assuntos acadêmicos. Assim, as estruturas aritméticas, em geral, construídas também pelo processo de abstração reflexiva, podem ser propiciadas e incentivadas pelos jogos com regras, realizados preferencialmente em grupo (Kamii, 1991). O ensino tradicional centrado no professor requer que tenhamos cuidados redobrados para que a proposta metodológica de jogos matemáticos não seja utilizada de forma inadequada. É preciso que haja flexibilidade, evitando-se a direção exacerbada do professor, ditando regras impostas *a priori*, impedindo o desenvolvimento da autonomia das crianças. Nesse sentido, faz-se necessário um exercício diário que possibilite escolhas e concordância com as ideias das crianças, mesmo que pareçam estranhas. É fundamental que elas encontrem um ambiente de confiança em que possam jogar à sua maneira, na ordem que escolherem, tendo tempo para pensar e intervir, sendo o professor um mediador, atento a nunca corrigir respostas erradas ou jogadas menos inteligentes, incentivando a interação entre as crianças. O jogo possibilita a autoavaliação do desempenho individual, contribui para o aumento do interesse nos conteúdos, propiciando principalmente autonomia moral e intelectual, o que, segundo Piaget, deveria ser a meta principal da escolarização das pessoas. <42> A participação nos jogos varia dependendo do nível de desenvolvimento cognitivo e da faixa etária da criança. Na fase da educação infantil predomina a participação física, uma vez que ainda não há uma diferença entre pensamento e ação. Ela precisa então correr, pular, atirar e também não deve ficar muito tempo esperando a sua vez. No ensino fundamental, a criança consegue articular atividade mental e física. Elabora mentalmente sua jogada enquanto aguarda sua vez. Será tanto mais desafiador o jogo, quanto mais solicitar ações e reflexões um pouco acima das suas possibilidades atuais. Deve ser interessante o suficiente para que ela deseje ultrapassar os obstáculos. Kamii (1991) agrupa os jogos em categorias tais como: jogos de alvo, de corrida, de perseguição, de esconder, de adivinhação, de comandos verbais, de cartas e tabuleiro. A proposta do pré-soroban envolve uma classificação e seleção de jogos que abordam os princípios mais evidentes, de forma a trabalhar aqueles fundamentais à aquisição/elaboração/construção do conceito de número. Tal conceituação deve ser elaborada pela criança em nível pessoal e intransferível, ou seja, enfocaremos de forma detalhada aqueles jogos que se relacionam mais diretamente à construção das estruturas operatórias elementares e aritméticas. Por ser objetivo deste estudo o uso e ensino do contador mecânico, discorreremos a seguir sobre os principais eixos pelos quais deve perpassar o ensino da Matemática. Além da formação do conceito de número, apresentaremos os 4 (quatro) eixos da Educação Matemática que compreendem números, geometria, medidas e noções de estatística e probabilidade. Esses eixos abrangem noções espaciais, comparação de grandezas, noções de ordenação por altura, tamanho, comprimento, peso, etc., aspectos fundamentais para a construção do pensamento lógico-matemático. õoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõo

<43> CAPÍTULO III Pré-soroban: jogos didático-pedagógicos no processo de numerização -- conceitos pré-numéricos Neste capítulo será apresentada uma coletânea de jogos didático- -pedagógicos de domínio popular e retirada de vasta literatura referida na bibliografia. Entendemos que ela contribuirá para a formação do conceito de número por parte de alunos cegos e com baixa visão. Os jogos desenvolvem habilidades importantes para a posterior compreensão de conceitos algorít- micos e de aprendizagem do soroban. Por essa razão, devem ser adotados como introdução para facilitar o ensino desse instrumento de cálculo cuja alternativa metodológica é por nós denominada “pré-soroban”. Selecionamos alguns jogos extraídos da literatura específica na área da Matemática, os quais

foram adaptados e testados, a partir das experiências da professora Cleonice Terezinha Fernandes, em oficinas pedagógicas ministradas para professores que trabalham com o ensino de soroban em vários estados brasileiros. <44> Estes jogos serão o ponto de partida para a criação de matemotecas nas escolas, devendo ser acrescidos de outras sugestões devidamente testadas a fim de se verificar a funcionalidade e acessibilidade de crianças cegas e com baixa visão a essas adaptações. Não podemos esquecer que os números constituem apenas um dos eixos básicos da matematização. Também devem ser explorados os conceitos de medidas, geometria e estatística/probabilidade, que não são objetos desse estudo, mas, numa abordagem construtivista e interdisciplinar, devem ser levados em conta. O professor deve estar atento a trabalhar com todas essas possibilidades de construção no momento de planejar as atividades a serem feitas com os alunos. Ao desenvolver atividades com jogos, será dada ênfase ao conceito de números, porém, sempre que necessário, serão feitas menções aos demais eixos. As tendências atuais que norteiam as metodologias do ensino da Matemática sugerem que o vocabulário matemático ganhe mais significado, já que sua aquisição e compreensão têm como base o estágio das operações concretas. Deve-se partir do uso do próprio corpo da criança, fazendo-se medições alternativas com as mãos e com os pés. O uso de materiais concretos e tridimensionais, a construção de maquetes e o uso <45> do geoplano possibilitam a exploração tátil e criativa por crianças cegas e com baixa visão. Segue uma seleção de jogos, cujo roteiro destina-se a professores que trabalham com crianças cegas e com baixa visão, em que sua aplicação ganha um maior sentido e funcionalidade se for iniciada antes do uso de contadores mecânicos (ábaco e soroban), sendo ponto de partida de um processo contínuo ao longo dos ciclos iniciais do ensino fundamental. Com o avanço dos ciclos de ensino, a Matemática vai se complexificando, tornando-se mais abstrata, e novos jogos deverão ser vivenciados, respeitando-se a faixa etária, o interesse e o nível de maturidade do aluno. Jogos pré-soroban Um programa curricular baseado em metodologias que envolvem estratégias de participação deve ser planejado com atividades que variam do uso de materiais estruturados e materiais não estruturados. Em se tratando de jogos matemáticos, atividades com materiais estruturados são aquelas em que são usados: blocos lógicos, material dourado, réguas numéricas, barrinhas Cuisenaire. Essas atividades permitem inúmeras variações, podendo ser usadas durante todo o ano letivo, sendo intercaladas e articuladas com outras que necessitem de materiais não estruturados, feitos a partir de sucata (embalagens vazias, tampinhas de garrafas, palitos de picolé, entre outros). Jogos são vivências indispensáveis para a criação de situações- -problema que estimulam a construção de estratégias próprias, abstrações algorítmicas, não se restringindo apenas ao desenvolvimento do aprendizado de operações com cálculos. Alguns jogos dispensam a descrição verbal de regras, estimulando-se a observação e atenção dos participantes envolvidos na realização. O professor poderá observar se os objetivos do jogo foram cumpridos <47> e compreendidos, bastando para isso fazer alguns questionamentos ao final. Exemplos dessa estratégia podem ser jogos com baralho, com blocos lógicos e o Kallah. O professor pode também aguçar no aluno o senso de sequência, ou seja, criar situações pedagógicas em que a criança seja estimulada a antever sua jogada e as consequências dela para a jogada do colega seguinte. Em seguida apresentaremos jogos, que para fins de organização didático-pedagógica classificamos da seguinte forma: 1. Jogos corporais Na fase inicial do processo de escolarização é essencial a vivência de jogos corporais, facilmente encontrados no folclore de cada região. Nessas atividades lúdicas a criança interage com o corpo inteiro, despertando manifestações de afetividade, equilíbrio, autoconfiança, confiança no grupo, autoconhecimento, noções de espaço e lateralidade. Brincadeiras de esconder determinado número de objetos, por exemplo, fazem com que a criança ao encontrar dois desses objetos seja estimulada a pensar quantos faltam ainda para encontrar. Conceitos de quantificação e ordenação de objetos estão envolvidos em brincadeiras de pegar, de corridas, cirandas e brincadeiras de roda, por exemplo “dança das cadeiras”, “pato, pato, ganso”, “lenço atrás” ou “ovo choco”. <47> Na brincadeira “dança das cadeiras”, podemos encorajar as crianças a pensarem antecipadamente de quantas cadeiras necessitarão para o jogo. Pode-se também desenvolver o espírito de cooperação, modificando-se as regras de modo que nenhuma criança saia do jogo, eliminando-se apenas cadeiras, momento em que as crianças passam a compartilhá-las. Destacamos ainda como jogo corporal um grupo de danças folclóricas conhecido recentemente como “Dança Circular Sagrada”. Essa atividade reúne cantigas de roda milenares de todo o planeta, dançadas em grupo em forma de ciranda. Marcada pela leveza das canções, tem um efeito terapêutico à medida que insere o indivíduo no grupo, melhorando aspectos como equilíbrio, atenção, concentração e afetividade. Percebemos uma lacuna no currículo escolar no que se refere a atividades corporais com as crianças cegas e com baixa visão. Em geral se privilegiam conteúdos trabalhados com material concreto, porém externos ao corpo, cuja dissociação acarreta uma defasagem percebida inclusive em cegos adultos, quando solicitados a mostrar gestualmente movimentos de articulação corporal. O professor pode trabalhar quantidades com a utilização do corpo por meio de atividades tais como baliza (pedras, saquinhos de areia), passa anel, par ou ímpar e fantoche de dedos e de mão. “Chefe manda” é um jogo corporal que tem por objetivo trabalhar conceitos de esquema corporal, lateralidade, raciocínio lógico-matemático, dentre outros. Neste jogo a estratégia é formar uma roda, conhecer o amigo da esquerda e da direita, girar a roda no sentido da esquerda, e a cada dois ou a três passos bater o pé esquerdo e vice-versa; desfazer a roda e deixar as crianças andarem livremente, enquanto o professor estiver batendo palma ou ao som de uma música. <48> Ao interromper as palmas ou o som da música, o professor dará, por exemplo, um comando: “Quero 4 umbigos!”. Os alunos terão que se organizar para formar o grupo dos 4 umbigos. Caso esteja incorreto, o professor questionará: “faltam quantos para completar?”, “quantos grupos formaram?”, “dá para formar mais grupos?”, “Quantos?”. A brincadeira segue com outros comandos: 15 dedos, 6 braços, conforme a criatividade do professor e a realidade dos alunos. 2. Jogos de classificação e seriação A organização de coleções propiciada por esses jogos enriquecerá, além do pensamento lógico-matemático, as vivências sensoriais e sociais de alunos cegos e com baixa visão. Noções de pertinência, classificação, seriação, inclusão e intersecção serão vivências essenciais que ampliarão o universo simbólico desses alunos. 2.1. Brincadeira da caixa oculta É interessante que as próprias crianças tragam materiais de sucata, brinquedos e miniaturas que serão mostrados a todos os colegas antes de serem colocados em uma caixa. Em seguida, o professor escolhe um dos objetos, sem que os alunos saibam qual, e o retira da caixa oculta. Iniciam-se perguntas classificatórias por parte dos alunos a fim de adivinharem qual o objeto secreto. São feitas perguntas tais como: “é grande?”, “sim!”; (observe-se que o conceito “pequeno” é imediatamente excluído); “é ser vivo?”, “sim”; (agora ex- cluem-se os objetos). O jogo termina quando alguém descobre o objeto oculto. Uma variação dessa brincadeira é fazê-la com a adivinhação de números. Mesmo que as crianças ainda não os escrevam nem os dominem, o professor pode iniciar: “pensei em um número”. As crianças perguntam: “é maior que dez?”, “sim”; “é menor que trinta?”, “não”. Dessa forma segue-se a brincadeira. <49> Existe um jogo parecido no Dosvox chamado “cassino alto ou baixo” que também se baseia em adivinhação. Esse pode ser experimentado por crianças que já dominem o teclado do computador. 2.2. Olho vivo Arrumar, em uma superfície, uma cena com figuras as mais complexas possíveis. Podem ser peças em material emborrachado fixadas com velcro. As figuras devem ser feitas em duplicata ou os nomes em braille ou tipos ampliados. Pode-se usar miniaturas em plástico, feitas em *biscuit*, ou compradas em lojas de artigos para festas. Pode-se pensar em cenários como uma praia, uma cantina, um armário de cozinha, um quarto de bonecas, uma fruteira, um guarda-louças, um autódromo, etc. Com alunos de baixa visão deve-se trabalhar com figuras ampliadas ou coloridas, levando-se em conta o contraste adequado das cores. Alguém escolhe uma peça, pode ser uma flor, por exemplo. Por meio de perguntas o aluno terá que descobrir qual a figura escolhida. “É um ser vivo?”, “está no ar?”, “na terra?”, “é humano?”, “é jovem?”, “trata-se de um objeto?”, “tem asa?”, “é mamífero?”, “é masculino?”. Essa é uma adaptação do jogo industrializado homônimo. 2.3. Classificando sólidos geométricos Na Educação Matemática, quando o professor tem por objetivo explorar formas geométricas, recomenda-se iniciar com formas tridimensionais para em seguida trabalhar com as bidimensionais. Não se deve partir de regras prontas, pois trata-se do desenvolvimento de noções geométricas e não da memorização de regras. Para atividades de classificação o professor deve trabalhar com embalagens vazias, a fim de explorar critérios como: as que rolam, as que não rolam, tamanho, material, textura, cor quando possível, usos e finalidades. Também podem ser criados critérios arbitrários como: as mais bonitas, as que eu trouxe, etc. No momento em que as crianças <50> estiverem observando os critérios, deixá-las argumentar seus porquês. Elas mesmas podem ser estimuladas a descobrirem outros critérios. As embalagens podem ser usadas para a construção de maquetes, levando-se em conta, de forma concreta, questões como escalas, posições, sentido, enfim, relações topológicas (geometria) e proporcionalidade. Após o contato com formas tridimensionais as crianças podem desmanchar as caixas, passando a uma planificação de sólidos, podendo ainda representá-las por meio de desenhos em autorrelevo ou no geoplano. Nessa atividade podem se analisar quinas, vértices, arestas e faces, num trabalho de montagem e desmontagem. No caso de crianças cegas, pode-se fazer o desenho contornando as caixas prontas, com cola plástica ou com barbante, para que se discuta semelhanças e diferenças entre as formas dos objetos, possibilitando-se a relação entre sólido e o contorno da figura que ficou traçado. 2.4. Caixa vazada Esse tipo de atividade é comum em materiais usados na pré-escola. Trata-se de uma caixa, de madeira ou papelão, com contornos vazados, nos quais o aluno deverá encaixar peças soltas, sendo que cada peça só se encaixa no contorno específico para seu molde. <51> 2.5. Blocos lógicos Blocos lógicos é um conjunto de 48 peças geométricas, criadas na década de 50 do século passado, pelo matemático húngaro Zoltan Paul Dienes. Os blocos lógicos oferecem inúmeras possibilidades na construção de conceitos abstratos, sendo bastante eficientes em atividades de classificação. Podem ser explorados atributos de inclusão, pertinência, intersecção, bem como correspondência, ordenação e contagem. O livro “Pensar é divertido” (Kothe, 1978) traz cerca de 70 jogos, em que a maioria pode ser adaptada para crianças cegas. Na adaptação de blocos lógicos pode-se substituir o atributo cor por diferentes texturas, ou simplesmente não levar em conta esse atributo, ou ainda informar a criança cega sobre o colorido das peças. <52> Um programa pedagógico com blocos lógicos pode ser iniciado com crianças a partir de 4 anos. As atividades iniciais envolvem jogos, trabalhos corporais, confecção e preenchimento de desenhos. Vejam a seguir algumas sugestões de atividades:

2.5.1. Livre criação Inicialmente as crianças devem brincar com as peças, fazendo construções livres. Em seguida, o professor deverá mostrar desenhos feitos previamente em autorrelevo, usando o desenhador, o *thermoform* ou contornados com barbante, para que as crianças tentem reproduzir essas formas com as peças. Um exemplo de um desenho pode ser uma casinha feita com um triângulo e um retângulo. A criança após tatear os desenhos deverá tentar montá-los com os blocos lógicos. Se o trabalho for feito em grupo será uma atividade mais rica, pois haverá maior interação e apoio. Após concluir alguns desenhos os alunos podem criar novas figuras. O professor pode também preparar quadros com velcro onde as crianças vão colecionando peças que tenham um mesmo atributo.

2.5.2. Bloco oculto É semelhante à atividade da caixa oculta. O professor escolhe um bloco e pede que as crianças descubram seus atributos. Quem descobrir a peça prosseguirá o jogo, escolhendo a próxima. Caso o professor queira proporcionar uma análise mais apurada dos resultados, poderá fazer um quadro de velcro com colunas, tipo tabela. Em cada uma delas coloca-se os nomes dos atributos ou os símbolos que lhe sejam atribuídos. Na outra lateral da tabela coloca-se a peça escolhida e vai desse modo preenchendo-se o quadro, assinalando as colunas conforme os atributos da peça eleita. Nesse aspecto está subentendida a negação do atributo que for sendo descoberto. Se por exemplo a peça escolhida for um triângulo pequeno, azul e grosso, o professor diz: “a peça escolhida foi de <53> cor azul!” logo excluem-se as demais cores. As próprias crianças podem ir preenchendo o quadro, ou o professor o fará com a ajuda delas. A atividade estimula mais que a comparação visual. Também exercita a comparação entre o atributo imaginado e a peça que a criança tem nas mãos. A negação trabalha a classificação e a relação de pertinência, fazendo com que, posteriormente, a criança entenda porque um número pertence a um determinado conjunto. 2.5.3. Qual é a peça? Para descobrir qual é a peça, as crianças entram numa divertida disputa. A turma será dividida em grupos e o professor distribui uma lista de atributos para cada equipe, contendo as características de uma peça. Por exemplo: amarelo, triangular, grande e fino. Em seguida o grupo tem que selecionar a peça correspondente e apresentá-la às outras equipes. A competição pode girar em torno de qual grupo encontra a peça correta em menos tempo ou de qual grupo encontra mais peças corretas. Se o professor deseja trabalhar com o espírito de cooperação, o objetivo pode ser marcar quanto tempo a turma gasta para encontrar todas as peças solicitadas, podendo acrescentar a regra de quem encontrá-las em menos tempo ajudará os demais grupos. Outra alternativa é fazer um bingo pedagógico, em que as crianças terão os blocos nas mãos e os atributos serão falados pelo professor a partir da jogada de dados previamente adaptados com os atributos escritos em suas faces, ou seja, um dado para cada atributo: forma, cor, espessura e tamanho. <54> Os dados vão sendo combinados um a um, depois dois a dois, até serem jogados os quatro de uma só vez. Neste caso só teremos um “vencedor”, pois há apenas um bloco que congrega os 4 atributos. Inicialmente esse aspecto não é perceptível pelas crianças, mas é fundamental que elas percebam sozinhas. Outra opção é que cada equipe lance desafios para as demais, distribuindo elas mesmas os atributos. Neste jogo, as propriedades dos blocos são apresentadas de forma separada. O raciocínio lógico estará voltado para a composição e decomposição das características de cada peça. Assim, antes de escolher a peça correta, a criança terá de imaginá-la com todas as suas características. Esse é o mesmo processo pelo qual elas passarão quando estiverem formando o conceito de número. 2.5.4. Siga os comandos! Nessa atividade as crianças vão continuar uma série proposta pelo professor. Por exemplo, uma sequência de três peças: uma circular, uma azul e uma grossa. A criança deverá perceber a sequência preparada pelo professor e continuar repetindo a série. Essa atividade é essencial para o entendimento das operações aritméticas, sobretudo para o conceito de reversibilidade. Também contribui para que posteriormente as crianças resolvam situações- -problema e entendam atividades que exijam uma forma de raciocínio em etapas sequenciais. 2.5.5. Dominó a uma diferença (mesmas regras do dominó convencional) São distribuídos de sete a <55> dez blocos a cada participante do jogo. O primeiro jogador escolhe uma peça qualquer e coloca no centro da mesa. O próximo jogador coloca ao lado uma outra peça que tenha apenas uma diferença em relação à primeira. Por exemplo, a peça poderá diferir no atributo tamanho e concordar em espessura, cor (textura) e forma. O jogo acaba quando todos terminarem suas peças.

3. Jogos de correspondência termo a termo (inclusão hierárquica/conceito de ordenação/princípio da contagem/relação número-numeral) 3.1. Jogos com dados Jogos com dados são excelentes possibilidades para o professor trabalhar conceitos de quantificação, ordenação mental, contagem e correspondência termo a termo. É interessante que se encontre tempo para construir dados juntamente com os alunos. Essa é mais uma alternativa em que se trabalha conceitos de planificação e sólidos geométricos, sendo mais um espaço de problematização e investigação. Podem-se desmontar caixas e dados prontos, planificando-os e modelando-os em papel de boa gramatura ou papelão. Ainda podem ser utilizados dados de madeira, com relevos de botões ou congêneres. Seguem algumas sugestões de atividades com dados: 3.1.1. Corrida dos bichos São necessários dois dados grandes: um deles terá pontos em relevo de 1 a 6, de acordo com as quantidades numéricas marcadas em cada face. <56> O segundo dado terá em cada uma das faces um símbolo que represente um animal (pode ser um desenho, uma textura ou o nome), por exemplo: formiga, sapo, coelho, elefante, jacaré e rato. Demarca-se uma linha de partida e outra de chegada. As crianças se posicionam atrás da linha de partida e cada qual, na sua vez, jogará os dois dados. O dado numérico representa a quantidade de passos ou pulos que a criança dará em direção à linha de chegada. O dado dos animais dirá que tipo de animal ela deverá imitar nesse espaço. Ganhará o jogo quem atingir primeiro a linha de chegada, ou quando todos chegarem ao final combinado. O objetivo não é correr e sim dar os “pulinhos” na quantidade solicitada. Além do conteúdo matemático, é uma boa atividade física. 3.1.2. Jogo da bandeja É necessário que cada criança tenha uma bandeja ou caixa de papelão contendo quinze objetos, que podem ser sucatas as mais variadas, e um dado tradicional adap- tado com relevo ou de material em- borrachado. Cada criança jogará o dado, na sua vez, retirando de sua bandeja a quantidade de objetos indicada pelo dado. Ganhará o jogo quem primeiro conseguir esvaziar a bandeja. Pode-se usar o princípio da reversibilidade e da mesma forma en- cher novamente a bandeja. Também

é possível chamar a atenção para o tempo gasto na atividade. <57> 3.1.3. Ovos recheados Os materiais necessários são: caixas de ovos, um dado tradicional com bom relevo e um recipiente com grãos para cada aluno. As caixas deverão ser divididas em fileiras de seis cavidades que serão marcadas de 1 a 6. O professor, conhecendo o desenvolvimento da turma, decidirá se marcará em braille ou com outros símbolos. Para jogar, cada aluno, na sua vez, lançará o dado e conforme o número indicado irá colocar os grãos nas cavidades. Por exemplo, se o número indicado for 4, ele terá que colocar 4 grãos na cavidade que simboliza o número 4. Ganhará o jogo quem conseguir preencher primeiro todas as cavidades, ou o jogo terminará quando todos concluírem a atividade. 3.1.4. Carona São necessários um dado tradicional com relevo, um tabuleiro quadriculado com quatro ou cinco colunas representando pistas onde transitarão os ônibus, que poderão ser feitos com potinhos ou caixas de fósforo, e palitos que representarão os passageiros. Para fixar melhor as peças, pode-se usar velcro. Para jogar, cada criança, em sua pista, avança uma casa e joga o dado. O valor indicará a quantidade de passageiros de sua linha que entrará no ônibus. Ganhará o jogo quem chegar no ponto final com mais passageiros. Pode-se inverter a regra e nesse caso, os ônibus sairão do <58> ponto inicial cheios de passageiros, deixando-os pelo caminho conforme o número indicado no dado.

3.2. Kallah ou Mancala Registros históricos atestam que esse jogo foi criado no Egito e data de sete mil anos. É um jogo que tem boa aceitação entre alunos cegos em nossas experiências e oferece um arsenal de possibilidades matemáticas, no que diz respeito à relação número/numeral; correspondência termo a termo/ordenação/contagem; engloba ainda processos aditivo, sub- trativo, multiplicativo e distributivo. O Kallah é um tabuleiro retangular contendo 14 cavidades e 36 sementes. É dividido em duas fileiras, sendo cada uma composta de seis cavidades redondas e uma mai- or e mais ovalada. As cavidades maiores têm a função de reservatório, conhecida como oásis, armazém ou Kallah. Para jogar são necessários dois jogadores e o objetivo é colher maior quantidade de sementes que o

adversário. As regras são as seguintes: • As sementes são distribuídas, três em cada uma das doze cavidades, exceto no Kallah ou armazém. • O território de cada jogador corresponde às seis cavidades da fileira à sua frente, acrescido do Kallah à direita. • O jogador inicia tirando as sementes de uma de suas casas e distribuindo, uma a uma, nas casas subsequentes, no sentido anti-horário (ao redor para a direita). • O jogador deverá colocar uma semente em seu Kallah sempre que passar por ele e continuar a distribuição, sem, no entanto, colocar semente no Kallah do adversário. • Todas as vezes que a última semente parar numa casa vazia pertencente ao jogador, ele pega todas as sementes que estiverem na casa em frente, sendo ela do adversário, e deposita-as em seu Kallah. • Ao terminar a distribuição das sementes (semeadura), o jogador passa a vez para o adversário. • O jogo termina quando todas as casas de um dos lados estiverem vazias e o jogador da vez não tiver mais nenhuma casa com um número de sementes suficiente para alcançar o outro lado. • Vence quem tiver o maior número de sementes em seu Kallah. As sementes que restarem no tabuleiro não entrarão na contagem final. Este jogo é eminentemente tátil e não precisa de nenhuma adaptação. Caso não se tenha acesso ao Kallah industrializado, esse pode ser facilmente adaptado por meio <60> da criação de um tabuleiro com tampas coladas representando as cavidades, caixas de ovos ou caixas de maçãs e sementes, que para crianças menores não devem ser tão pequenas. O Kallah é um jogo que exige da criança movimentos calculados, concentração, antecipação da sua jogada e das consequências dela em todo o movimento do tabuleiro, exigindo uma parcela de esforço individual. Somente jogando, as crianças descobrirão as melhores estratégias para suas jogadas serem bem sucedidas. O uso do raciocínio e da paciência para se evitar jogadas precipitadas contribui para o enfrentamento e resolução de outras situações e problemas da vida cotidiana. 3.3. Escala Cuisenaire Criadas pelo professor Emile- -Georges Cuisenaire, também conhecidas como Barra Cuisenaire, trata-se de um conjunto de blocos de madeira que ajudam a ensinar conceitos básicos de Matemática. A menor escala Cuisenaire tem um centímetro e a maior tem dez centímetros. Essas representam as unidades, de um a dez, e as cores variam. As barrinhas estão assim organizadas: 1 -- cor natural da madeira 2 -- vermelha 3 -- verde-claro 4 -- lilás 5 -- amarela 6 -- verde-escuro 7 -- preta <61> 8 -- marrom 9 -- azul 10 -- laranja Em princípio, as barras serão manipuladas pelas crianças por meio de construções livres, apenas para reconhecimento. O professor pode realizar atividades espontâneas e jogos com regras. 3.3.1. Atividades espontâneas A Escala Cuisenaire propicia a vivência de conteúdos como soma, subtração, propriedades comutativa e associativa, noções de dobro, metade, etc.

• Sugerir uma escala e solicitar que as crianças façam outras combinações que resultem no mesmo tamanho da escala proposta. • Fazer jogo de bingo, em que o professor vai chamando os números e as crianças colocam as barrinhas correspondentes em suas cartelas. • Construir uma escada com as barras, tanto em ordem crescente quanto decrescente. • Brincar de compra e venda, utilizando as barras para simbolizar o valor do dinheiro. • Oferecer ao aluno a barra que representa o número cinco e solicitar que ele faça combinações que resultem no número dez. 3.3.2. Jogos com regras Um exemplo de jogo com regras utilizando as barras Cuisenaire é o Batalha, realizado com dois jogadores. Cada jogador coloca as suas <62> barras em uma sacola. O primeiro retira aleatoriamente uma barra de sua sacola e coloca sobre a mesa. O segundo, sem escolher, retira de sua sacola uma barra. Se coincidir com o tamanho da que foi colocada na mesa pelo primeiro, ele ficará com as duas barras, se não coincidir, elas são do primeiro jogador. Em seguida, inverte-se a ordem das jogadas. Ganhará quem conseguir maior número de barras. 3.4. Réguas numéricas As réguas numéricas, introduzidas no Brasil no final da década de 90, vêm facilitar a compreensão da quantidade contínua para se ensinar números. Essas réguas têm repartições ao longo de sua extensão, demonstrando concretamente as quantidades descontínuas dentro das contínuas. As réguas numéricas darão sig- nificado aos conceitos de adição e subtração, composição dos números de 1 a 10 e cálculo mental. Para alunos cegos e com baixa visão, devem ser adaptadas em barras de madeira com sulcos representando as divisões ou feitas em material emborrachado. As medidas devem sempre seguir o padrão. <63> Recorta-se uma régua na medida desejada e colam-se quadradinhos de borracha nessa base, referentes à quantidade representada. Pode-se colocar o numeral correspondente em braille ou em tinta no canto direito de cada régua. O objetivo primordial das réguas é propiciar a decomposição dos números até 10. A exemplo, o número 8 resultará das seguintes combinações das réguas 7 e 1, 6 e 2, 5 e 3, 4 e 4. Essas combinações deverão ser verificadas comparando-as com a régua de número 8. Ao manipular essas réguas, o aluno vivenciará a formação das adições até 10. Nessa fase a memorização dessas adições deve ser mais sistemática. Mesmo que a criança aprenda de forma lúdica, já deve ter mais segurança nas respostas, sem ter que recorrer à contagem nos dedos ou a outros artifícios. Seguem jogos que podem ser realizados, a partir da manipulação das réguas numéricas, cujo objetivo principal é a memorização das tabuadas de adição. 3.4.1. Dominó de soma sete Joga-se o dominó semelhante ao convencional, só que deve-se com- binar, lado a lado, quantidades que totalizem sempre sete. Para este jogo, o lado em branco deve ser combinado <64> com outro em branco. Uma variação deste jogo é retirar as 7 pedras que tenham o lado em branco. 3.4.2. Jogo da memória O professor escolherá uma das tabuadas a ser estudada. Tomemos

por exemplo a soma com total 5. Este total se obtém com as combinações 1+4 e 2+3. Serão selecionadas oito cartas, numeradas de 1 a 4 em braille ou caracteres ampliados, sendo duas cartas correspondentes a cada número. Pode-se iniciar com dois alunos. As oito cartas serão embaralhadas, colocadas na mesa com os números virados para baixo e dispostas lado a lado em duas fileiras. Decide-se quem vai iniciar o jogo. O aluno escolhe duas cartas e verifica se elas totalizam a soma 5. Caso não resultem, serão recolocadas na mesa no mesmo local de onde foram retiradas. Por tratar-se de jogo da memória, logo o adversário descobrirá a vantagem de memorizar a posição e o valor das cartas devolvidas para fazer combinações bem sucedidas. Ganhará o jogo quem conseguir o

maior número de pares de cartas que resultem a soma 5. 3.4.3. “Setes" Serão necessárias cartas numeradas de 1 a 6. Cada número deverá ter oito cartas, ou seja, cada número será representado 8 vezes. Os jogadores receberão a mesma quantidade de cartas que devem permanecer viradas para baixo. O primeiro jogador pegará a carta de cima do seu monte e a colocará sobre a mesa. O segundo jogador pegará a primeira carta de seu monte e somará com a carta da mesa. Se a soma resultar 7, ganhará as duas cartas. Caso não consiga, sua carta ficará na mesa e o próximo jogador tentará realizar a soma com a última carta colocada. Ganhará quem obtiver o maior número de cartas. Uma variação desse jogo é fazer somas até dez, conforme combinação prévia dos jogadores. <65>

3.4.4. Rouba-monte Será necessário um baralho comum adaptado em braille e em caracteres ampliados. Retiram-se as cartas: valete, dama e rei. Colocam-se as cartas em forma de leque com os números virados para baixo. O professor vira quatro cartas deixando os números à mostra. Antes de iniciar o jogo, combina-se qual tabuada será trabalhada, do 4 ao 10. Se for a tabuada do dez, o primeiro jogador pega aleatoriamente uma das cartas do leque e verifica se ela soma 10 com uma das quatro cartas abertas. Se estiver na mesa o número 6 e ele tirou o número 4 do leque, ele formou o número 10. Com este par de soma 10 ele vai formando seu pequeno monte. O jogo exige atenção, pois o jogador deverá buscar as somas com as cartas abertas na mesa e também pode roubar cartas do monte do colega. Se as cartas da mesa não resultam na soma desejada, ele poderá combinar com a última carta do monte de quaisquer dos colegas, aumentando seu monte. Caso não seja possível a combinação, a carta retirada será colocada entre as cartas abertas. Joga-se até terminar o leque de cartas da mesa. 4. Jogos de agrupamento e troca (contagem organizada em diferentes bases) A educadora Maria Montessori foi uma das pioneiras no uso de material concreto para representar o sistema de numeração decimal. Seu material dourado, <66> assim chamado pela cor da madeira de que é feito, divide-se em peças originalmente conhecidas como unidade, dezena, centena e milhar. O material dourado oferece várias possibilidades para que a criança compreenda a lógica do sistema de numeração decimal, cujo domínio é fundamental para a operacionalização no ábaco e soroban posteriormente. A principal função do material dourado é a concretização da lógica do conceito do sistema de numeração decimal valor posicional base 10, culminando com o estudo das 4 operações fundamentais. Outro estudioso em Matemática que se destacou na criação de materiais concretos para facilitar a aprendizagem foi o húngaro Zoltan Paul Dienes, que na década de 50 do século passado, criou o material Multibase, além do já referido Blocos Lógicos. Trata-se de um conjunto de peças geométricas tridimensionais, que podem ser feitas de madeira, papel cartão ou emborrachado. Esses objetos ensinam a lógica do sistema numérico valor posicional, baseando-se na lógica de agrupamentos e trocas em outras bases. Pode-se trabalhar com infinitas bases, porém com as mais simples, 2, 3 e 5 é suficiente. O princípio fundamental é que com peças menores forme-se uma imediatamente maior. Ao se trabalhar a base dois, por exemplo, dois retângulos pequenos formam um retângulo maior que junto com outro de igual tamanho formará um terceiro ainda maior e assim por diante. Seguindo esta lógica, o material dourado, que são cubos tridimensionais onde dez cubos formam uma barra, dez barras formam uma placa e dez placas formam um cubo grande, poderia ser chamado de multibase de base dez. Na prática, base numérica é o valor que determina quantos símbolos usamos para contar. Se estivermos na base dois, usaremos dois símbolos. Na base dez temos dez símbolos, os já conhecidos símbolos, “de 0 a 9”. Seguem alguns exemplos de jogos com multibases. <67> 4.1. Jogo livre Em princípio, devem ser distribuídas peças de uma mesma base para que as crianças manipulem li- vremente, fazendo associações de forma espontânea. Trata-se de um reconhecimento das peças. 4.2. Quem é quem? Nessa atividade as crianças vão perceber que há uma relação entre as peças. A pergunta a ser feita é quantas peças menores vale uma peça maior. Sobrepondo umas às outras, chegarão à relação de equivalência entre elas. Posteriormente, esta atividade servirá como base para compreensão do conceito de área. 4.3. Brincadeira do banco Em dupla, as crianças vão exercitar o que descobriram na atividade anterior. Para tanto, farão uma espécie de negociação. Uma criança fica com as peças menores e outra com as peças maiores. O objetivo é trocar peças usando a equivalência entre elas. As quantidades iniciais de cada criança não podem se alterar no fim da brincadeira. Solicitar que confiram os valores. 4.4. Jogo do “nunca” O aluno já estará apto a entender a lógica do sistema valor posicional. Pode-se trabalhar em todas as bases. Aqui demonstraremos atividades na base 4 e na base 10. 4.4.1. Jogo do nunca quatro solto Joga-se um dado e busca-se o número de peças indicado. As crianças pegam pequenos triângulos. Se a base de troca é o 4, a cada quatro triângulos troca-se por um maior, cuja área é igual a soma dos quatro <68> menores. Sempre que chega em 4 vai se trocando por uma peça maior e o jogo termi-

na quando o primeiro jogador chegar na quinta ordem. 4.4.2. Jogo do nunca dez solto Ao realizar os exercícios propostos nesse jogo, a criança estará lidando com a base do sistema de numeração decimal, que é a lógica da operacionalização de qualquer tipo de contadores mecânicos. Num primeiro momento, deve-se usar materiais não estruturados, que podem ser palitos de picolé, de fósforos, canudos, etc. É necessário advertir as crianças de que a quantidade dez nunca ficará solta. Usar um dado para ditar a quantidade de peças que vai sendo adquirida pelos jogadores. A cada dez objetos acumulados, esses devem ser amarrados, tipo feixes e separados ou guardados em uma caixa. A cada dez grupos, amarra-se novamente, agora se constituindo um grupo com dez grupos. Esse jogo deve ser repetido por várias vezes durante o ano letivo, também com barras Cuisenaire e principalmente com o material dourado, que já é estruturado na base dez. 5. Jogos do sistema de numeração decimal (valor posicional base dez) -- utilizando o material dourado Este é o momento mais sistemático da “numerização” antes do uso formal dos contadores mecânicos. Seguem sugestões para ensinar as quatro operações utilizando o material dourado. Os valores atribuídos a cada peça podem ser os convencionais, ou seja, o cubo menor vale 1; a barra vale 10; a placa vale 100 e o cubo maior vale 1.000. <69> 5.1. Adição Durante o jogo do nunca dez solto, os alunos podem ser estimulados a juntar quantidades, fazendo substituições. Se um aluno junta seus sete cubinhos com seis cubinhos do seu colega, forma um grupo de dez cubinhos que deve ser trocado pela barrinha que vale 10; restando ainda três cubinhos soltos. A leitura lógica é: 7+ +6=1 barra de 10 e 3 cubinhos soltos. 5.1.1. Lendo na lógica do nunca dez solto Distribua peças para duas crianças. Por exemplo: uma placa (100), oito barras (80) e seis cubinhos (6) para uma delas. Uma placa (100), três barras (30) e sete cubinhos (7) para a outra. Solicite que expressem que valor numérico essas peças representam. A primeira deverá responder que tem 186 e a segunda dirá que tem 137. As crianças devem ser estimuladas a fazer substituições sempre que necessário, trocar dez cubinhos por uma barra, dez barras por uma placa e atentarem para o fato de que as trocas não alteram o valor dos números. <70> O professor deve ainda acrescentar peças para que as crianças verifiquem os novos valores. Devem também ser estimuladas a somarem com as peças dos colegas. 5.2. Subtração Quanto você tem? Distribua uma quantidade de peças para cada aluno. Não é necessário que seja a mesma quantidade para todos. Quanto você me deve? Diga então que todos lhe devem peças. Pode estipular que todos lhe devem 13 cubinhos. Se um aluno recebeu nove barras, (90), a conta será 90-13. Se o aluno recebeu nove barras, para poder pagar o que deve, terá que trocar uma delas por dez cubinhos.

Com quanto você fica? O aluno que estava com o valor 90, ao retirar uma barra e três cubinhos, constatará que ficou com 77, ou seja, sete barras e sete cubinhos. 5.3. Multiplicação A multiplicação está relacionada com a área de figuras retangulares (base × altura), e à noção de proporcionalidade. Pode-se em princípio mostrar um retângulo com 3 vezes 4 cubinhos, totalizando 12. Use os termos linha e coluna, no caso, 3 colunas por 4 linhas. Outra alternativa é trabalhar com o conceito de parcelas iguais, por <71> exemplo: 5 vezes 12, organizar em linhas e colunas. Para multiplicar 12 vezes 13, forma-se um retângulo com 12 linhas e 13 colunas da seguinte forma: uma placa -- 10 vezes 10; duas barras abaixo -- 2 vezes 10; 3 barras à direita -- 10 vezes 3; completa-se com cubinhos -- 2 vezes 3. Feita esta configuração, pode-se agrupar as peças iguais e contar quantas resultaram. Assim, uma placa =100; 5 barras =50 e 6 cubinhos =6, pode-se ler: 156. Com a prática as crianças lerão o resultado no pró- prio retângulo. 5.4. Divisão A divisão pode ser iniciada com a distribuição de balas. Num grupo de cinco crianças, o professor pode distribuir dez balas sendo duas para cada criança. Elas pró- prias podem dividir os objetos. Por meio do material dourado, pode-se fazer divisões. Para dividir, por exemplo, 653 (seis placas, cinco barras e três cubinhos) por 3, basta distribuir as peças igualmente entre três grupos. As peças que sobrarem serão o resto da divisão. Começando pelas placas, resultarão duas em cada grupo. Ao distribuir as barras, ficará uma para cada grupo e sobrarão duas. Essas devem ser trocadas por cubinhos. Vinte cubinhos mais os três iniciais, resultam sete para cada grupo e sobram dois. O resultado está pronto: basta contar quanto ficou em um dos grupos. Neste exemplo, 217 com resto 2. No próximo capítulo abordaremos as 4 operações de forma mais detalhada, seguindo essa abordagem em que o soroban será introduzido no processo de ensino aprendizagem sem regras mais sistemáticas, levando-se em conta o processo de numerização como uma construção concreta e contínua, rumo a uma abstração simbólica. õoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõo

<73> CAPÍTULO IV Noções pré-algorítmicas nos contadores mecânicos Esse momento da nossa proposta antecede o uso e o ensino do soroban de maneira mais sistematizada. Os alunos já devem ter uma boa base no que se refere à formação do conceito de número, o que será melhor sedimentado, segundo pesquisas piagetianas, na pré-adolescência. Também se recomenda que o aluno já tenha domínio das tabuadas de adição, de 1 a 10, sendo os jogos com baralhos já referidos bastante úteis nesse aprendizado. O professor deverá vivenciar com os alunos o feito histórico que marcou a invenção do sistema de numeração decimal valor posicional. Essa história foi citada no primeiro capítulo desse material e pode ser encontrada nos livros didáticos de Matemática. Por meio de dramatização, as crianças serão instigadas a re- criar a lógica do sistema de numeração decimal, o que será facilitado se elas participaram de jogos do “nunca dez solto” e manipularam o material dourado. Nos contadores mecânicos os alunos representarão quantidades sugeridas pelo professor, simulando brincadeiras que já se configuram como operações mais simples. Eles serão pastores da antiguidade e têm que contar seus rebanhos. Assim: “registre cinco vaquinhas, você ganhou mais duas, registre- -as”. Compreenderão o valor das contas no eixo das unidades, das dezenas e se foram bem sucedidos no uso do material dourado, entenderão a lógica até as ordens superiores. Sugerimos que a princípio seja usado o contador mecânico de dez contas, tendo em vista que a quinta conta do soroban pode se converter numa complicação desnecessária para iniciantes.

<75> Noções pré-algorítmicas Algoritmo significa o padrão convencionado para resolução das operações matemáticas; o modo prático de realizar os cálculos com seus respectivos “passos”. Na sequência apresentaremos as operações, de acordo com o enfoque das tendências da Educação Matemática, que ressignificam o sentido das regras tradicionais, a exemplo: • “vai um”, expressão largamente usada no ensino fundamental para referir-se a troca do agrupamento de dez em situação de adição; • “pula uma ordem” para registro do produto do segundo algarismo de uma multiplicação; • “empréstimo” na subtração, quando alguma ordem do minuendo é menor do que a respectiva do subtraendo; • “abaixa um algarismo” para continuar a divisão. Optamos em iniciar nossa exposição pela subtração, como mais uma forma de romper com padrões rígidos na forma de apresentar as quatro operações fundamentais. 1. Subtração As principais ideias presentes na subtração são: tirar, comparar e completar. É a partir da ideia de “tirar” que as demais se desenvolvem. O uso de materiais concretos e alternativos nessa fase é fundamental. <76> 1.1. Operacionalização De posse do contador, o professor poderá propor problematizações com situações cotidianas e escolares. Os problemas podem envolver dinheiro, troco, perdas e trocas, entre outros. Quando se trata de um usuário adulto que está se reabilitando, ele já traz um conhecimento prático bem elaborado, pode-se trabalhar com a moeda corrente. Define-se com o aluno qual extremidade do contador ele escolherá para registrar a partir do eixo das unidades. Por exemplo, diz-se que o aluno tem R$15,00. Ele registra essa quantidade. Desse valor, precisa retirar R$9,00 para pagar a cantina. Como ele resolveria essa situação? Ter cuidado para que o aluno não subtraia mentalmente e apenas registre o resultado no contador. Mesmo que ele saiba fazê-lo, por se tratar de um pequeno cálculo. O objetivo é aprender a manusear o contador para futuramente operá-lo com cálculos maiores, tornando-se inviável trabalhar apenas com cálculo mental. Essa lógica não pode ser facilmente teorizada ou ensinada oralmente para crianças. Esse conceito tem que ser feito e refeito pelo aluno, vivenciando-o de forma exaustiva, para que seja internalizado em seu repertório simbólico, facilitando posteriormente a apropriação de regras sistemáticas para manuseio mais hábil do soroban. Se o aluno vivenciou todas as etapas anteriores, aqui entendidas como processo “pré-numérico”, resolverá essa situação de forma automática, usando a lógica do “nunca dez solto”. Se o professor perceber alguma dificuldade, deverá rememorar com ele o processo feito nas velhas tábuas de contar, com o uso do material dourado, entre outras alternativas. Se o aluno compreendeu a dinâmica do sistema de numeração decimal <77> vivenciado exaustivamente em jogos anteriores, retira a conta que vale 10, que simbolicamente contém o 9, e devolve o troco para o eixo das unidades, que no caso é 1. Ressaltamos que esse aprendizado pode ser mais significativo, autônomo e substancial, caso haja a manipulação prévia dos jogos e

materiais propostos no capítulo anterior. 2. Adição Na adição deve sempre estar presente a ideia de juntar. Em todo o processo de formação do conceito de número a criança tem oportunidades diversas de fazer adições, tanto nos jogos, quanto no manuseio do material dourado e outros materiais concretos. Se a criança já internalizou a ideia do “nunca dez solto”, o professor não necessita partir de pequenas somas sem “reservas”, ou seja, poderá utilizar “vai um grupo de dez (uma dezena)”. Inicialmente a palavra dezena deve ser substituída pela expressão “um grupo de dez”. 2.1. Operacionalização Uma situação de adição no contador mecânico poderá ser apresentada da seguinte maneira: escolhe-se uma das extremidades do contador e representa-se o número 15 por uma conta que vale um grupo de 10 no segundo eixo e 5 contas soltas no eixo à direita do número anterior. É preciso juntar ou acrescentar mais 9 contas às 15 já representadas. Como se pode fazer? Se o aluno dominou a lógica do “nunca dez solto”, colocará mais uma conta na ordem onde cada conta vale 10 e retirará 1 conta da ordem onde cada conta vale 1, ou seja, das unidades. Pensamos que é mais significativo para o aluno entender que precisou de mais um grupo de 10 <78> para representar o 9, mesmo retirando 1 unidade que ficaria a mais, do que o aluno entender o motivo do tradicional “vai um”. Se o aluno não demonstrar ter essa compreensão, o professor poderá questioná-lo da seguinte forma: “Será que cabem mais 9 onde já existem 5 unidades? Por que não cabem? E onde tem 9? Tem 9 dentro da conta que representa um grupo de 10? Podemos acrescentar uma conta que vale 10 para somar 9? Por quê?”. Deve-se também sempre ter à mão o material dourado que permite juntar, trocar, adicionar e representar concretamente as quanti- dades. 3. Multiplicação A vivência dos jogos com bingos e dominós das tabuadas facilitará a compreensão das ideias multiplicativas. Antes de se empregar noções algorítmicas mais formais, deve-se trabalhar o significado da palavra “vezes”. Esse processo será construído pelos próprios aprendizes por meio de tentativas e erros. As principais ideias presentes na multiplicação são a de área, adição de parcelas iguais e a noção de proporção, conforme já mencionado. Essa última é pouco difundida, mas é a simples relação entre duas variáveis. A noção da adição de parcelas iguais deverá anteceder a memorização das tabuadas de multiplicar, sendo construída, por exemplo, pela manipulação de um quadro com cem botões equidistantes (quadro de botões). Na adição de parcelas iguais, temos: 3+3+3=3×3. Em atividades envolvendo o conceito de área é interessante que alunos cegos e com baixa visão façam medições utilizando quadrados para obter a área da sua carteira, do seu material escolar, do piso da sala. <79> Pode-se medir uma superfície qualquer, observando quantos quadrados de um metro serão necessários para medi-la. Mesmo antes do manuseio do contador mecânico, o professor poderá criar situações com o material dourado, começando pelos cubos menores que representam as unidades. Se o resultado é 6, o professor pode perguntar: “quantas vezes peguei 2 cubinhos?”, “quantos cubinhos temos ao todo?”, “Se eu pegar 2 vezes 3 cubinhos muda o total?”. Também pode-se quadricular em relevo papel de gramatura alta, para que o aluno cego e com baixa visão possa fazer a contagem dos quadradinhos da respectiva área, 3×4 por exemplo. Caso ele não faça a contagem de forma espontânea, deverá ser estimulado com questões tais como: “quantos qua- drados há ao todo?”, “e na primeira linha horizontal?”, “e na segunda linha?”, “e em cada linha há o mesmo número?”, “por quê?”, “e nas linhas verticais?”, “quantas vezes eu tenho 3 colunas dessas?”, “há o mesmo número de linhas?”. O conceito mais apurado é o de proporcionalidade. Ele é construído quando se ensina multiplicação usando o raciocínio de correspondência em que se estimula na mente do aluno uma representação para a relação entre duas variáveis. Por exemplo, numa festa para 20 convidados, cada um vai ganhar 3 balões. Quantos balões deverão ser comprados? No ensino tradicional, tal situação seria resolvida com um cálculo: 20×3=60. Na concepção mais recente da Educação Matemática deverá ser construída uma tabela com uma variável de cada lado. Essa situação pode ter outros desdobramentos, em que o aluno será instigado a pensar: “se dobrar o número de convidados?”, “se diminuir 10 convidados?”, etc. A princípio ele pode não acertar o resultado, porém <80> ao comparar com os resultados dos colegas vai perceber que o raciocínio estava correto e que o erro só ocorreu no que se refere ao cálculo. Ressaltamos que ensinar multiplicação apenas como adição de parcelas iguais é insuficiente nu-

ma proposta de construção do conhecimento. 4. Divisão São duas as ideias presentes na divisão: a ideia de repartição equitativa e a ideia de medida. Na primeira, uma dada quantidade deve ser repartida igualmente; na segunda, deve-se descobrir quantas vezes uma quantidade (medida) cabe em outra ou pode ser dela retirada. Em qualquer das duas situações anteriores, os primeiros registros devem ser propostos pelos próprios alunos a partir de vivências do cotidiano. Assim, são esboçadas as primeiras noções algorítmicas e posteriormente, a partir do ingresso no ensino fundamental, será apresentado gradativamente o algoritmo no soroban. Nas atividades iniciais, deve-se chamar a atenção do aluno para a diferença entre dividir a quantidade como um todo e quando a mesma é decomposta em ordens como centenas, dezenas e unidades. O aluno vai assimilando essa lógica num processo gradativo, com o apoio de materiais concretos, material dourado e jogos que permitem essa decomposição. Compreenderá que o quociente deve ser registrado no contador, conforme a ordem que ele está trabalhando. Assim, se ele <81> está dividindo na ordem das dezenas, o quociente vai ser registrado na dezena. As concepções atuais sobre o algoritmo da divisão prevêem uma operacionalização mais lógica e com mais significados para o aluno, dando ênfase para a multiplicação, a subtração e adição, operações que acontecem nesse processo. O aluno poderá calcular, por exemplo, concreta ou mentalmente, quantas azeitonas poderá colocar em cada pedaço de uma *pizza* dividida em 6 fatias se ele tem 30 azeitonas. Caso ele não saiba o quociente exato, fará várias tentativas até distribuir todas as azeitonas. Estes resultados parciais serão registrados no contador e as operações envolvidas nesse exemplo vão sendo realizadas. Esse trabalho também engloba noções de conceito fracionário. õoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõo

<83> Considerações finais Ao compreender que deve pensar os números como grupos de dez, a criança resolverá uma situação matemática de forma automática, ágil, realizando as trocas necessárias com autonomia e clareza do que está realizando. Qualquer criança que tenha dominado a base do “nunca dez solto”, resolverá a expressão: 15+ +9=24 da seguinte forma: acrescentará uma dezena que contém o 9 e retirará 1 unidade das 5 que já existem. Se a operação fosse inversa, 15-9, novamente seria retirada a dezena que contém 9 e esta unidade que sobrou é acrescentada na ordem das unidades, resultando 6 unidades. O soroban deve fazer parte do material escolar de crianças cegas e com baixa visão. Para que este aparelho se converta num instrumento facilitador e eficaz, é importante que a criança passe pelas etapas aqui sugeridas, que internalize a lógica do sistema de numeração decimal que favorecerá a realização de cálculos mentais, quer estes sejam das ordens maiores para as menores e vice-versa. Este material que ora concluímos, é o primeiro no Brasil que reúne estratégias que antecedem o ensino formal do soroban. Os professores não devem encará-lo como uma cartilha e sim como uma proposta aberta, que deve ser aplicada, experimentada, acrescida e inovada. No próximo volume serão apresentadas as principais metodologias difundidas no Brasil para o ensino sistemático do soroban. É importante que alunos e professores conheçam essa diversidade, para que possam optar conforme suas necessidades e aptidões a que melhor atenda a aprendizagem dos educandos. õoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõo

<85> Bibliografia -- A AMIRALIAN, Maria Lúcia T. M. *Compreendendo o cego: uma visão psicanalítica da cegueira por meio de desenhos-estórias*. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997. -- C CARRAHER, Terezinha Nunes. “*Uma Construção Matemática*” (artigo). In: Revista Caderno AMAE. 1. A Matemática. s.d. p. 31-38. CONDEMARIN, Mabel, CHADWICK, Mariana, e MILICK, Neva. *Maturidade Escolar*. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989. CRUSIUS, Maria Fialho (org), GOMES, Carmem H. P. e DANYLUK, Ocsana. *Sistema de Numeração e Operações em Diversas Bases*. Passo Fundo/RS: Gráfica e Editora da

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<89> Anexo I Portaria n.o 657, de 07 de março de 2002 O MINISTRO DE ESTADO DA EDUCAÇÃO, no uso de suas atribuições, e considerando o interesse do Governo Federal de adotar para todo o País, diretrizes e normas para o uso e o ensino do Soroban (Ábaco), bem como de difundir seu uso como recurso aplicado ao desenvolvimento socioacadêmico das pessoas com deficiência visual, e a evolução didática e pedagógica no âmbito educacional que passa a exigir sistemática avaliação e modificação de procedimentos metodológicos e técnicos, para o ajustamento do educando com deficiência visual na vida escolar comum; considerando a necessidade de estabelecimento de permanente intercâmbio entre os profissionais da educação de portadores de deficiência visual para o fomento de pesquisa, estudos e informações sobre o uso do Soroban, resolve: Art. 1º Fica instituída, no âmbito da Secretaria de Educação Especial/SEESP, a Comissão Brasileira de Estudo e Pesquisa do Soroban. Art. 2º A Comissão será presidida pela titular da SEESP e integrada por mais 05 (cinco) membros por ele designados, após consulta a cadastro de profissionais, fornecido pela Associação Brasileira de Educadores de Deficientes Visuais -- ABEDEV. §1º A escolha dos membros da referida Comissão recairá sobre pessoas com larga experiência no uso do Soroban e do Sistema Braille, nas seguintes áreas: -- Braille Integral da Língua Portuguesa; -- Simbologia Braille do Código Matemático Unificado;

-- Simbologia Braille aplicada à Matemática e Ciência em geral. §2º Em caso de renúncia ou afastamento e consequente vacância, caberá ao Presidente da Comissão proceder a imediata substituição do membro. §3º Os trabalhos da Comissão serão considerados relevantes e as funções exercidas por seus membros não serão remuneradas, sendo <90> vedada a percepção de vantagens pecuniárias de qualquer natureza, exceto a cobertura de despesas com passagens e diárias. Art. 3º Compete à Comissão Brasileira de Estudo e Pesquisa do Soroban: I- proceder ao estudo, avaliação e à sistematização das metodologias e das técnicas aplicadas no uso e no ensino do Soroban em todo território nacional; II- elaborar e propor diretrizes, normas e regulamentações concernentes ao uso e ensino do soroban no País; III- acompanhar e avaliar a aplicação de normas, regulamentos, acordos, convenções e quaisquer atos normativos referentes ao Soroban; IV- sistematizar e fomentar o intercâmbio de informações entre professores e profissionais afins, recolhendo e distribuindo os resultados de pesquisas, estudos e informações acerca da utilização do Soroban no território nacional; V- prestar assessoria técnica às Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, bem como a entidades públicas e privadas, sobre questões relativas ao uso do Soroban; VI- proceder a sistemática e permanente avaliação das terminologias adotadas no País concernentes ao ensino e uso do Soroban; VII- recomendar procedimentos que envolvam conteúdos, metodologias e estratégias a serem adotadas em cursos de formação e capacitação de professores, bem como nos cursos destinados a educandos e usuários do Soroban; VIII- propor critérios e sugerir estratégias para implantação de alternativas metodológicas que antecedem a sistematização do ensino do Soroban, com vistas a modificações de procedimentos sempre que necessário; IX- elaborar catálogos, manuais e outras publicações, destinados a facilitar o processo de ensino e aprendizagem e de uso do Soroban em todo território nacional. Art. 4º A Comissão reunir- -se-á, ordinariamente, duas vezes ao ano e, extraordinariamente, a pedido de seu Presidente, a quem caberá <91> convocar e fixar as datas das reuniões. Art. 5º A SEESP assegurará o apoio técnico, administrativo e financeiro indispensável ao funcionamento da Comissão. Art. 6º A Comissão elaborará o seu Regimento Interno no prazo de até 45 (quarenta e cinco) dias a partir da data da publicação desta Portaria. Art. 7º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação. Paulo Renato Souza Ministro de Estado da Educação õoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõo

<92> Anexo II Portaria n.o 1.010, de 10 de maio de 2006 O MINISTRO DE ESTADO DA EDUCAÇÃO, no uso de suas atribuições e considerando o artigo 59 da Lei n.o 9.394/1996, que dispõe que os sistemas de ensino assegurarão recursos educativos específicos aos educandos com necessidades especiais; considerando o parágrafo 2º do artigo 27 do Decreto n.o 3.298/99, que dispõe que o Ministério da Educação, no âmbito de sua competência, expedirá instruções para que os programas da educação superior incluam itens relacionados à pessoa portadora de deficiência; considerando o artigo 61 do Decreto n.o 5.296/2004, que considera ajudas técnicas os produtos, instrumentos, equipamentos ou tecnologia adaptados ou especialmente projetados para melhorar a funcionalidade da pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida, favorecendo a autonomia pessoal, total ou assistida; considerando o Parecer Técnico emitido pela Comissão Brasileira de Estudo e Pesquisa do Soroban, instituída pela portaria Ministerial n.o 657 de 07 de março de 2002, que aborda a situação de desvantagem das pessoas com deficiência visual quando se submetem a qualquer exame que seja necessário a execução de cálculos matemáticos; considerando que o Soroban é um contador mecânico adaptado para uso das pessoas com deficiência visual, cuja manipulação depende exclusivamente do raciocínio, domínio e destreza do usuário, diferindo, portanto, da calculadora eletrônica, que é um aparelho de processamento e automação do cálculo, sem a intervenção do raciocínio, resolve: Art. 1º Instituir o Soroban como um recurso educativo específico imprescindível para a execução de cálculos matemáticos por alunos com deficiência visual. Art. 2º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação. Fernando Haddad Ministro de Estado da Educação õxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxo Fim da Obra

Transcrição: Marcia Dutra Cavalcanti Revisão: Elvis Filgueiras Ramos