Revista Brasileira para Cegos Edição Especial: Nossos Poetas II -- 2019 -- Ministério da Educação Instituto Benjamin Constant Publicação Trimestral de Informação e Cultura Editada e Impressa na Divisão de Imprensa Braille Fundada em 1942 pelo Prof. José Espínola Veiga Av. Pasteur, 350/368 Urca -- Rio de Janeiro-RJ CEP: 22290-250 Tel.: (55) (21) 3478-4457/3478-4531 ~,revistasbraille@ibc.gov.br~, ~,http:ÿÿwww.ibc.gov.br~, Livros Impressos em Braille: uma Questão de Direito Governo Federal: Pátria Amada Brasil

Diretor-Geral do IBC João Ricardo Melo Figueiredo Comissão Editorial: Geni Pinto de Abreu, Heverton de Souza Bezerra da Silva, Hyléa de Camargo Vale Fernandes Lima, João Batista Alvarenga, Maria Cecília Guimarães Coelho e Rachel Ventura Espinheira. Colaboração: Carla Maria de Souza, Daniele de Souza Pereira e Regina Celia Caropreso. Revisão: Carla Dawidman. Transcrição autorizada pela alínea *d*, inciso I, art. 46, da Lei n.o 9.610, de 19/02/1998. Distribuição gratuita.

¨ I Arquivo da revista disponível para impressão em Braille: ~,http:ÿÿwww.ibc.gov.brÿ~ publicacoesÿrevistas~, Nossas redes sociais: Facebook: ~,https:ÿÿwww.~ facebook.comÿibcrevistas~, Instagram: ~,https:ÿÿwww.~ instagram.comÿrevistas{-~ rbc{-pontinhosÿ~,

¨ III Revista Brasileira para Cegos / MEC/Instituto Benjamin Constant. Divisão de Imprensa Braille. n.o 1 (1942) --. Rio de Janeiro : Divisão de Imprensa Braille, 1942 --. V. Trimestral Impressão em braille ISSN 2595-1009 1. Informação -- Acesso. 2. Pessoa cega. 3. Cultura -- Cego. 4. Revista – Periódico. I. Revista Brasileira para Cegos. II. Ministério da Educação. III. Instituto Benjamin Constant. CDD-003.#edjahga Bibliotecário -- Edilmar Alcantara dos S. Junior -- CRB/7 6872

¨ V Sumário Apresentação :::::::::::: 1 Antônio Carlos Hildebrandt -- *in memoriam* Confissão ::::::::::::::: 2 Jura de amor eterno ::::::::::::::::: 4 Augusto José Ribeiro -- *in memoriam* Explicação :::::::::::::: 5 O ninho ::::::::::::::::: 6 Zaíra ::::::::::::::::::: 7 Ary Rodrigues da Silva Abraçoneto :::::::::::::: 9 Males necessários ::::::: 10 Promessa :::::::::::::::: 11 Sucessão :::::::::::::::: 13 Celso Cosme das Chagas Silva A chave ::::::::::::::::: 16

Gosto de tudo em você ::::::::::::::::::: 17 Nada me abala ::::::::::: 18 Climério da Silva Rangel Jr. Depois do carnaval :::::: 19 Lógico sem nexo ::::::::: 20 Panorama geral :::::::::: 20 Eduardo Ventura Com todo amor ::::::::::: 22 Quero ver você agora :::::::::::::::::: 22 Francisco Ferreira da Silva Desalento ::::::::::::::: 23 Gabriel dos Santos -- *in memoriam* Delírio ::::::::::::::::: 25 Minha história :::::::::: 26 Glauco Cerejo Na curva do tempo ::::::: 27

¨ VII Inês Helena Eterno cantar ::::::::::: 30 Sublime saudade ::::::::: 31 João Batista Alvarenga Dona Dorina :::::::::::: 32 Irmãos no mundo ::::::::: 34 Paradoxo :::::::::::::::: 36 Vida :::::::::::::::::::: 37 José Walter de Figueiredo Bendito seja :::::::::::: 38 Ei você ::::::::::::::::: 40 Ilusão sem ilusão ::::::: 41 Meu mundo ::::::::::::::: 42 Para dores do Indaiá :::::::::::::::: 44 Leniro Alves Cinzas :::::::::::::::::: 45 Livre tradução :::::::::: 47 Medida :::::::::::::::::: 48 Retrato ::::::::::::::::: 50

Manoel Alves Guirra A porta ::::::::::::::::: 52 Marli ::::::::::::::::::: 53 Maria da Trindade Rebouças -- *in memoriam* Compensação ::::::::::::: 55 Exaltação à Urca ::::::: 57 Primeira mulher ::::::::: 58 Mayá Devi de Oliveira -- *in memoriam* Ironia dos sonhos ::::::: 60 Neyde Raymunda Do tempo :::::::::::::::: 61 Pedro Olímpio -- *in memoriam* Quase madrugada ::::::::: 63 Apresentação Os leitores gostaram, pediram mais e nós atendemos. *Nossos poetas II* vem trazendo novos textos de pessoas cegas, principalmente aqueles que nunca se preocuparam em publicar, mas que têm tanta coisa boa a nos oferecer. Desta vez, porém, incluímos na publicação três presentes deixados por José Augusto Ribeiro, um por Mayá Devi de Oliveira e quatro pérolas do nosso Ary Rodrigues, ao contrário do que foi feito no primeiro volume de *Nossos Poetas*. O mundo precisa tornar-se um lugar mais poético, onde nossos sentimentos tenham mais espaço. Esperamos que esta publicação ajude você, leitor, a refletir sobre vários temas, reencontrar amigos através da leitura, aumentar seu gosto pelo texto em verso, enfim, que ele lhe traga muitos momentos agradáveis. Se você gostar dos textos, reúna seus amigos, promova a divulgação deles em uma tarde de sarau agradável como se fazia antigamente, mostre a todo mundo como é gostoso ler e conhecer autores novos que falam de coisas, por vezes, sentidas por todos nós. Curta muito esta publicação e viaje com ela. Boa leitura! õoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõo Antônio Carlos Hildebrandt -- *in memoriam* Confissão Eu confesso que nunca te sonhara porque não cria que pudesses ser.

Por isso, quando me surgiste, inédita, devo dizer-te que fiquei *atônito*. Eras distinta de todos os seres que a vida colocara em meu caminho. Mas, mesmo assim, te amei como o impossível que *inusitadamente* fez-se real. Desde então meu viver é compreender-te, é *perscrutar* teus *sítios* mais secretos, é visitar teus sonhos, teus anseios,

teus medos tuas *idiossincrasias*. Não te sei traduzir inteiramente. Porém, o amor não se traduz, intui-se! Vocabulário Atônito: adj. Tomado de grande admiração. Idiossincrasia: s. f. Particularidade comportamental. Inusitadamente: adv. De modo incomum. Perscrutar: v. Procurar saber, descobrir. Sítios: s. m. Locais. :::::::::::::::::::::::: Jura de amor eterno Se algum dia perceber a minha ausência ao seu lado, se afaste dela correndo e chame a minha presença de volta ao lugar que é seu. No entanto, se acontecer de tudo, enfim, dar errado, fique, desde já, sabendo, seja qual for sua crença, que o meu amor não morreu. Ele é tão eternidade quanto o tempo que não para e quanto o espaço infinito, onde os astros vão brincando eternamente de roda. Ele é feito da verdade abundantemente rara da jura em que eu acredito: enquanto houver onde e quando, amo você sempre e toda! õoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõo Augusto José Ribeiro -- *in memoriam* Explicação Aqui tens o teu soneto. Chegou com grande demora, Mas se permites, prometo, O "porquê" dizer-te agora. Em sua forma primeira, Estes versos eram pobres, Feitos a toda carreira Com certas ideias nobres. E tu querias achá-los Tais e quais eu escrevi; Mas eu buscava trocá-los, Porque os erros conheci. :::::::::::::::::::::::: O ninho Eu vi, por entre a ramagem, Como suspenso no ar, Um ninho, mimoso berço, Que a brisa vem balançar! Eu tive desejo, tive De alcançar o leve ninho, Pra tirar de dentro dele Os ovos do passarinho. Mas pensei; e a tempo ainda, Me lembrei que na verdade, Satisfazer meu desejo, Seria grande maldade!

Que seria da avezinha Que um ninho tão belo fez? Na tristeza da saudade, Talvez morresse, talvez... Pensei, e por fim eu disse: -- Passarinho, passarinho, Cria teus filhos mimosos No berço desse teu ninho! Ensina-lhes teus gorjeios, E um dia, cantando amor, Seus ninhos, suspendam eles Também aos ramos em flor. :::::::::::::::::::::::: Zaíra Eu gosto das crianças. O sorriso De uma boca infantil, pura, inocente,

Na vida trabalhosa é para a gente, Um *refrigério*, às vezes tão preciso! Faço às vezes do mundo tal juízo Que desanimo e torno-me descrente; Mas surge uma criança em minha frente, E então eu sinto perto o paraíso! Bem hajas tu, que arrancas o poeta Ao sombrio pensar d'alma inquieta, Oásis desta vida na aridez!

De teus pais sê encantos e alegria, E eles que te digam algum dia: "Olha, Zaíra, os versos que ele fez!" Vocabulário Refrigério: s. m. Alívio, conforto. õoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõo Ary Rodrigues da Silva Abraçoneto Nesta manhã de luz e alegria Que exibe o esplendor da primavera, Com a emoção de uma afeição sincera, Te abraço com os braços da poesia.

Nesta manhã de sonho e euforia, Do verdadeiro amor a atmosfera, Tua beleza de mulher impera Resplandecendo mais que o próprio dia! O teu sorriso é luz inigualável; Emana de uma fonte inesgotável, Fonte que eu peço a Deus pra conservar Para que, até meu derradeiro instante, Eu possa, deslumbrado e radiante, Feliz como agora te abraçar! :::::::::::::::::::::::: Males necessários Estranhas luzes que brilham, Sedutoras e fatais,

Guiando tolos que trilham Caminhos sempre iguais; Tolos que se maravilham Com as visões irreais Que nos sonhos se empilham... Sonhos que a vida desfaz. Mostram visões encantadas, Quase sempre transformadas Em frustração, pranto e dor, Mas, infelizes vivemos, Se em nossas vidas não temos Os brilhos do ouro e do amor. :::::::::::::::::::::::: Promessa Quando estivermos juntos finalmente E, assim, eu me livrar da solidão;

Quando, no auge da paixão ardente Pulsar mais forte o meu coração; Quando eu escutar tua voz quente Fazendo-me a sonhada confissão Deste amor que, ansiosamente, Espero qual faminto espera o pão, Os nossos corações enternecidos Hão de cantar, pulsando sempre unidos, O nosso amor em *mavioso* dueto!

E, entre os instantes de plena ventura, Eternizando esta afeição tão pura, Escreverei, meu bem, nosso soneto. Vocabulário Mavioso: adj. Doce, suave, harmonioso. :::::::::::::::::::::::: Sucessão Brilha a inocência no olhar de Margarida! Quanta ternura no seu modo de brincar, Neste momento de ternura em que a vida Mostra a criança, flor que vai desabrochar Porém o brilho da inocência, se apagando,

Irá deixar um novo brilho em seu lugar. Brilham os sonhos no olhar de Margarida! Que encantamento no que vive a sonhar, Neste momento de ternura em que a vida Mostra a mulher, botão de flor, a *vicejar*! Porém os sonhos, um a um, se desvendando, Irão deixar um novo brilho em seu lugar. Brilha a paixão no ardente olhar de Margarida! Quanta magia no seu jeito de amar, Neste momento de delírio em que a vida Mostra a mulher no apogeu do fascinar. Porém o brilho da paixão, se apagando, Irá deixar um novo brilho em seu lugar. Brilha a saudade no olhar de Margarida! Quanta tristeza no que vive a recordar, Neste momento doloroso em que a vida Não deixa, ao menos, o direito de sonhar, Porque o brilho da saudade, se apagando, Fará talvez a própria vida se apagar. Já não há brilho no olhar de Margarida... Quanta amargura nos que sempre a vão lembrar. A cada instante, uma lágrima caída Parece que seu brilho quer reavivar

Enquanto longe, uma nova Margarida Mostra o brilho da inocência no olhar. Vocabulário Vicejar: v. Viçar, florir. õoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõo Celso Cosme das Chagas Silva A chave Por que é que eu estou aqui parado No meio de tanta gente que passa Sem sequer olhar pra trás? Preciso sair depressa daqui E esperar o próximo trem Que não tarda a chegar Por que é que eu estou aqui parado Se as noites são tão frias E não vejo nenhuma estrela Cintilando no céu? Preciso encontrar a chave Da porta deste horizonte Perdida aí pelo chão Para sair depressa daqui de onde estou Antes que tudo se acabe. :::::::::::::::::::::::: Gosto de tudo em você Gosto quando você solta os cabelos Gosto quando você pisa no chão Gosto quando você fica zangada E faz carinha de bicho papão Gosto quando você se esconde no armário Gosto quando você diz que é o meu neném Gosto quando você acende o meu cigarro Eu me amarro no jeitinho que você tem.

Acho que eu gosto de tudo em você Só não consigo é dizer o quê. :::::::::::::::::::::::: Nada me abala Traçando uma reta em minha vida Ao analisar calmamente os problemas Cheguei a um Máximo Divisor Comum E concluí que o amor é um sistema. Comparei simetrias e tangentes Determinantes, secantes e escala E cheguei a uma bela conclusão Que neste mundo nada me abala. õoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõo

Climério da Silva Rangel Jr. Depois do carnaval Depois do carnaval nós dois, a porta entreaberta, o corredor e a sala. E a gente se dá e se recebe, se sente e se percebe, depois se cala. Três dias, uma corrente quebrada um turbilhão de samba, uma roda de bamba e mais nada. E a gente se chora e se perdoa jurando que a vida é boa; mas, agora é tarde, eu vou me embora; amanhã eu volto apaixonado. Um beijo por despedida e a vida se vai naturalmente. ::::::::::::::::::::::::

Lógico sem nexo Você é tudo lógico sem nexo é o brilho sem reflexo é a minha confusão é como terra firme com tremores feito discos voadores minha alucinação você é como tudo inexplicável como o dia inadiável de fazer não sei o que você é a história do passado o futuro esperado o presente por viver. :::::::::::::::::::::::: Panorama geral A vida é sempre assim, é o mesmo sol, a mesma luz, e o calor que se repete; a mesma terra que se cultiva, o mesmo amor que se cativa e é sempre a mesma solidão. A vida é sempre assim, a mesma história, a mesma gente sem memória; é a fuga infinda lá do norte a busca enfim de nova sorte nas terras verdes cá do sul, a vida é sempre assim. E se mudasse! e se a sede, e se a fome se acabasse, e se o mundo fosse bom mas, bom sem dono, e se a gente sentindo o mesmo sono tivesse o mesmo leito pra dormir; a vida é sempre assim: o mesmo rio, o mesmo calor, o mesmo frio; a mesma gente mas com outra fantasia. õoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõo

Eduardo Ventura Com todo amor Adoro muito minha namorada Ela é todo meu amor Todo dia quando posso Levo pra ela uma flor Eu estou sempre com ela E sem ela vivo sozinho A minha maior alegria É lhe dar o meu carinho Todo dia vou passear Na rua onde ela mora E me encontro com ela Sempre na mesma hora Eu escrevo para ela Várias cartas amorosas Ela corre pra janela E me espera toda prosa :::::::::::::::::::::::: Quero ver você agora Quero ver você agora Meu grande amor Quero ver você agora Para lhe dar uma flor Meu bem, você é linda Linda, linda de morrer Espero nunca em minha vida Nunca, nunca lhe perder Espero que nunca me deixes Porque sempre te amarei Vamos dançar uma música Para ti eu cantarei Você me pediu um beijo Eu disse agora, não Não gostaria de te beijar Na frente do teu irmão õoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõo Francisco Ferreira da Silva Desalento Mais uma noite, mais uma insônia Chamo por teu nome, onde estás? O silêncio me envolve em teu semblante Lindo como só eu sei olhar

Mais um cigarro, Em breve, mais um amanhecer Segunda-feira, preciso ler Te espero na incerteza e na angústia Vejo que não vens Procuro e o telefone está mudo Não atende ninguém Mais um dia se vai Mais um dia se vem Vem mais uma noite E você não vem para mim Com a noite, mais uma insônia Chamo por teu nome Mas o silêncio me diz Que nada mudou õoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõo

Gabriel dos Santos -- *in memoriam* Delírio Ah! como um rio deságua no mar e um beija-flor procura o jardim busquei você pra mim ah! e eu morria de tédio e eu delirava em febre e era você o remédio. E, te sonhei pelos mares, te busquei pelos bares, até que te encontrei. Mas, era fogo de palha; me queimei neste fogo, perdi outra batalha. Hoje só o meu violão cala dor e traz vida para o meu coração

e, quero lhe agradecer pela paz que, perdida, encontrei na canção que agora ofereço a você. :::::::::::::::::::::::: Minha história E eu vinha tão cansado, descrente, desconfiado quando apareceu você e de novo me fez crer e o dia que pra mim nunca mais tinha nascido, no céu, se fez tão azul quanto o azul do seu vestido. E de novo me senti acobertado de glória mas, agora já quer me contar outra história. Acho que querem de vez acabar com o meu amor

mas, Deus me livre, esse prazer não dou. õoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõo Glauco Cerejo Na curva do tempo Nos encontramos justamente hoje, na curva do tempo presos a uma frágil noção de espaço Sem que pudéssemos, teu olhar horda fez-se um laço De repente, em torno de nós, era o nada absoluto Nem passado, nem futuro, só o presente a se desembrulhar... Apenas os nossos olhos se tocavam Apenas as nossas peles se falavam

Deste ponto infinito, jorrava a luz de um só vulto Brilho de rubi, que radioso, luzia escondido *devassando* os desejos mais ocultos desnudando nossas almas atrevidas E nesse *istmo* de tempo, nossa curva se alonga Pelo espaço relativo, duas linhas seguem o fluxo Duas cordas de viola a vibrar de energia propagando-se em ondas, contrapondo melodias Paralelas cadências de suspensão e repouso, tensão e relaxamento em precisos movimentos, entretecem a trama da vida fiando o dia, desfiando a noite... arrojando-me ao açoite do silêncio de tua partida

Mas sei que a vela que ao longe o vento leva descreverá sobre seu próprio eixo as curvas de teu corpo sedento *volvendo* um dia, livre como ave, ao seio do seu ninho de nuvem gravitando *perene*, na órbita do nosso infindo espaço tempo Vocabulário Devasar: v. Invadir, penetrar. Istmo: s. m. (figurado) Espaço de tempo. Perene: adj. Duradouro, eterno. Volver: v. Retornar. õoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõo

Inês Helena Eterno cantar Me entregou muitas sementes, sorrindo, sereno, a falar: "Vá sem medo pelos campos do universo, as espalhar; em silêncio, confiante, pois todas elas vão brotar." As primeiras semeei no jardim da minha infância; e em pouco tempo colhi: Paciência, esperança. E saí pelos caminhos, crescendo feliz a sonhar; plantando ternura, meiguice, colhendo saber e a cantar, as verdades que aprendi, sem jamais me intimidar.

Quantas vezes tão cansada, precisando de alguém pra falar da caminhada, para amparar-me talvez; me senti abandonada, mesmo assim, não fracassei. Este cantar é sincero, ouça o que ele tem a dizer: Se tão grande é o sofrimento, bem mais forte é o querer. Confiante, em paz espero, o eterno amanhecer, sob uma árvore frondosa que comigo, eu vi crescer; é a mais verde de todas, por Deus, é a árvore da fé. :::::::::::::::::::::::: Sublime saudade Hoje eu vi a saudade, linda, vestida de branco; conversando com a ternura

e nesse diálogo franco, falavam com muito carinho de uma sublime criatura. Nem tocaram no seu nome, mas na beleza que possuía. E agora, o que fazer, se uma vontade imensa me consome, de retroceder o tempo, pois o ser em evidência, era aquela árvore, tão minha? Não a esqueço, saudade! Nem da surpresa sem graça que reservava-me a vida naquela tarde tão linda, quando ao chegar no meu quintal, tinham levado pra sempre, a minha eterna amiga. õoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõo João Batista Alvarenga Dona Dorina (Acróstico dedicado à Professora Dorina Nowill; personalidade marcante e realizadora, ícone das pessoas cegas do Brasil! -- *in memoriam*). Dona do sonho de ver realizado, o ideal que os cegos de todo o Brasil pudessem ler e escrever. Rigor neste objetivo traçado, incrível força a lhe empreender. Novos e grandes desafios foram alcançados, abertos os caminhos da cultura e do saber. Na luta pelo Sistema Braille elevado, orgulho de quem por ele pôde aprender, *wonderful*: magnânima, tu tiveste sempre a teu lado, incansáveis e fiéis companheiras, que fizeste por merecer.

Longevo é também o nosso amor por ti guardado, ligando-nos ao teu honrado exemplo de querer! :::::::::::::::::::::::: Irmãos no mundo Quem é o meu irmão? Quem está aqui ao meu lado, ou quem mora lá no Japão? Quem cresceu em meio a agrados, ou quem só conheceu o não? Quem mantém os ânimos acirrados durante uma discussão, ou quem é mais ponderado e busca uma conclusão? Quem tem o espírito armado, alimentando a incompreensão, ou quem disso já é apartado, e se empenha pela união?

De quem eu sou irmão? De quem eu puder ajudar, tendo por ele gratidão. Das pessoas que eu amar, sendo elas como são. De quem contra mim praticar qualquer tipo de má ação, porque é para modificar em mim alguma imperfeição. De quem eu conseguir relevar a maledicência e então, o pensamento elevar, sinal de evolução. Sei que falar é fácil, e fazer é difícil. Porém no dia a dia, subindo degrau por degrau, a cada vez imprimindo esforço igual, eu vou sentindo o difícil ficar um pouco mais fácil, e a subida tornar-se menos difícil. :::::::::::::::::::::::: Paradoxo Homem cheio de tecnologia e vazio de cortesia. Homem cheio de fobias e vazio de empatia. Homem cheio de filosofias e vazio de sabedoria. Homem perdido, vadio. Homem preenchido pelo vazio. Homem com o mundo conectado, porém distante de quem está ao lado. Homem cheio de ansiedade, sobrevivendo nesse "mar bravio". Homem cheio apenas da própria verdade, e na maioria das vezes muito hostil. Homem cheio da falta de vontade, de saber do outro qual é o vazio. Homem cheio de vaidade, dono de um destino sombrio.

Mas ele pode mudar! Os maus pensamentos expurgar. Se libertar! Se harmonizar. A cada dia, o seu interior transformar! E o sabor da paz experimentar. :::::::::::::::::::::::: Vida Nascer, crescer, se desenvolver; no dia a dia, tudo absorver. É um eterno aprender, um constante querer, o necessário fazer, do que se sabe, nada saber; Eis aí o que é viver. Nesta vida, o que temos? O que com nossa vontade somamos. De coração, o que oferecemos. Aquilo a que não nos apegamos, e aparentemente esquecemos. Desta vida, o que levamos? Os erros que reconhecemos. O que concluído deixamos. O desejo: que nos amemos! O que para construir nos esforçamos. õoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõo José Walter de Figueiredo Bendito seja Bendita crise que me fez Dar mais valor à paz do coração Bendita mágoa que trouxe o perdão Bendita espera que trouxe a minha vez Bendita queda de Babel Dando o cuidado pra eu não mais cair Bendito amargo que me fez sentir Toda doçura que me trouxe o mel Bendita prova que me trouxe a dor E a distância que trouxe a saudade E a procura que trouxe a verdade E a felicidade de enfim sentir o amor Bendito seja o amor... Bendito pranto que nasceu Do grande orgulho que me derrubou Trouxe a certeza de que nada sou Pois nem o corpo que utilizo é meu Bendito medo de sofrer Que me deu forças pra me libertar

Trouxe a coragem pra eu poder lutar E a vontade que me faz crescer :::::::::::::::::::::::: Ei você Ei você que vai passando Com seus pés tudo esmagando Sem pensar que no momento Morrem uns e nascem outros Para o mesmo sofrimento Ei você, fale comigo Eu preciso de um amigo Marginal ou indigente Não me importo com os defeitos Só exijo duas coisas Ser sincero e muito gente Ah meu chapa, é de mais Tanta gente sem ser gente Tanto cego para ver Tanto surdo para ouvir E ninguém sem se entender É preciso ter coragem E mais que isso, muito amor Me permita que lhe peça Seja gente, gente à beça Estando aqui ou onde for :::::::::::::::::::::::: Ilusão sem ilusão Pelas ruas mortas da vida Você já passou, você já passou Passou sem nada ver Que tudo foi nada Diante de tudo Que havia pra ser As gargalhadas sem graça O palavrão em profusão Mulheres despidas de corpo e de alma Pelo vão das janelas Em vão elas olham Olhos tristes sem brilho Brilham sem ver o que veem

¨ Por hoje chega Amanhã tudo outra vez Seu amanhã foi ontem E ontem se foi sem amanhã E outras virão Mulheres iguais Todinhas iguais Pro nada de sempre E pra sempre sem nada :::::::::::::::::::::::: Meu mundo Quando me envolvo no silêncio mais profundo Tudo muda de repente, me deparo com meu mundo Sou ao mesmo tempo a criança e o adulto O juiz e o culpado cujo erro está oculto

Quantos descaminhos pra se caminhar Quantos nós tão apertados pra se desatar Quanto mar *encapelado* eu preciso navegar! Mas tantos perigos não me fazem recuar Vou em busca de mim mesmo pros mistérios decifrar Como a águia sabe suas penas renovar Eu também renovo as minhas pro meu voo continuar. Vocabulário Encapelado: adj. Agitado, enfurecido. ::::::::::::::::::::::::

Para Dores do Indaiá Como é lindo se viver Onde a brisa vem brincar Onde a paz vem se esconder Onde a lua vem brilhar E o dia adormecer E a noite vem velar E o sol vem de manhã acordar Passarinhos a cantar Leite à beça pra tomar Fruta fresca pra comer Campo aberto pra correr E depois pra descansar Uma rede pra embalar E entre as flores do jardim, sonhar Um dia ainda volto a te ver Um dia ainda fico por lá Um dia eu nem quero saber E em Dores lavo as minhas dores no teu Indaiá Ver a terra a fecundar Ver a plantação crescer Ver a criação pastar faz a gente enternecer E depois de galopar Sem ter ponto pra chegar De tardinha ir ao açude pescar Como é bom a gente ver Que esta gente do lugar Sabe amar e receber O que a natureza dá E pra quem nunca chegou Onde a felicidade está Vá a Dores, que ela mora por lá õoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõo Leniro Alves Cinzas Mantenho bem guardado em meus porões, Com o zelo de um bom colecionador,

Os quadros que, pintados pelo amor, São primaveras de dois corações. Dançávamos ao som dos passarinhos Que se banhavam nas águas do leito Do rio farto de um amor perfeito Que, sendo flor, de certo tem espinhos. Sem atentar, no entanto, pro detalhe (Que no amor não há pois quem não falhe!) Nos machucamos, nos ferimos fundo.

E as cicatrizes dessas tais feridas É coleção, presente em nossas vidas, Marcas benditas que nos deixa o mundo. :::::::::::::::::::::::: Livre tradução se a mim me fosse dada a incumbência de traduzi-la dentro de uma norma onde um país, por pura experiência, tivesse a flor pra se expressar por forma eu tentaria, num jardim que tenho, bem escondido no fundo de mim fusões, tantas e tais, onde o engenho de um jardineiro mestre fosse assim

¨ o dom maior. Quem sabe então fizesse na conjunção de flores certa prece que ao ser rezada assim a definisse: muitas *essências* compostas de um jeito que dessem rosa e o amor perfeito e, a nova flor, talvez a traduzisse. Vocabulário Essência: s. f. (figurado) Natureza de um ser. :::::::::::::::::::::::: Medida Nestes meus versos, faço dela o *mote* Buscando um pouco mais compreendê-la. Somente o homem a tem como *dote*, Diz coisas tristes mas, diz coisas belas. Não há aquele que a não adote, Tanto liberta quanto é uma cela. Afaga, ou é cruel chicote. Quem neste mundo poderá detê-la? É dom divino e endiabrado, Sem ela o homem se mantém calado, Sem ela ao menos um sentido míngua.

Não é que a vida assim perca o sentido Porém, por certo, o homem é medido Pela medida como usa a língua. Vocabulário Dote: s. m. (figurado) Prenda natural, inteligência. Mote: s. m. O que serve como tema (propósito) de algo. :::::::::::::::::::::::: Retrato Nós fomos muito mais para o insensato; vivemos sempre com gosto de fim; trilhamos sempre por vias de fato um pacto numa guerra de festim.

A paz, nós encontrávamos no ato mas, logo o bom fazia-se ruim pois, há em nós impresso um tal contrato que só nos deixa caminhar assim: entre o carinho e o desacato, entre a iminência de assassinato e a harmonia entre dois querubins. É este o quadro que me faz ser grato pelo que tive, por nosso retrato que mostra dois espíritos afins. õoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõo

Manoel Alves Guirra A porta Teu olhar, tua voz, teu sorriso, teu calor, se há paz, nada mais é preciso no amor. É a luz! O acalanto! A fé! O abrigo. É a porta, o atalho, o pé no paraíso. Só assim, qual criança, todo o céu herdaria; ensinou-nos, um dia, o autor da esperança. E esta graça alcança quem, cuja companhia tudo influencia; pois, humilde e mansa, e com sinceridade, como quem se alivia, enche a mão que pedia do seu pão a metade. E esta oportunidade de ver Cristo em teus gestos faz-me, logo, modesto buscador da verdade. :::::::::::::::::::::::: Marli Assim aconteceu na minha vida: A luz vencida reapareceu; inicialmente triste, *combalida*; logo inundando tudo, antes breu; portas abertas desnudando o mundo, mostravam sonhos, brilhos, ilusões; caminhos tantos pra tantos destinos, *inerte* estava ante tais opções. Mas uma luz entre milhões luzindo, tomou meus olhos, e *perscrutando-me* a alma, trouxe-me *célere*, firme, calma, aqui, pra que eu vivesse um sonho lindo. Assim, como na hora de nascer, a vida ressurgiu, *irrevogável*, e plena, *exuberante*, irrecusável, não pude resistir, a fui viver. Vocabulário Célere: adj. Rápido, ligeiro. Combalida: adj. Enfraquecida. Exuberante: adj. Fascinante, deslumbrante. Inerte: adj. Paralisada, imóvel.

Irrevogável: adj. Que não pode ser anulado. Perscrutar: v. Procurar saber, descobrir. õoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõo Maria da Trindade Rebouças -- *in memoriam* Compensação Ah! Se eu pudesse! Brincaria agora Como faria nos meus tempos bons! Voltasse à vida que eu vivi outrora Num mar de flores, todo em róseos tons Mas, tudo passa; eu já passei também, Pois, neste mundo, tudo tem seu fim! Esse passado belo já não vem, Mas sei que tudo não morreu pra mim:

¨ Tenho filhos e netos já chegando... É seiva; vida que se perpetua!... Enquanto vão meus dias se acabando, A vida, nas sementes, continua! Quando eles brincam, *ledos*, tão felizes, Vou recordando de meus belos dias, De minha infância, plena de alegrias!... “Recordar é viver!” Já disse alguém; Por isso, vivo de recordações...

Sábia compensação: mas a vida tem, Aqueles que possuem mais gerações!... Vocabulário Ledo: adj. Alegre, contente. :::::::::::::::::::::::: Exaltação à Urca Depois que alguém te conhece, Urca, nunca mais te esquece! Tens um ímã natural! Berço do Rio de Janeiro, Acolheste o pioneiro Chegado de Portugal! Princesinha majestosa, Em tuas praias formosas, Quer ao sol, quer ao luar Descansam lindas sereias Deitadas sobre as areias, Ouvindo teu *marulhar*... Pedacinho do Brasil, Urca, tens encantos mil!... Para ver esses encantos, Vêm turistas estrangeiros E de Estados brasileiros... Gente de todos os cantos Inspiração dos poetas, És a musa predileta, Sonho de felicidade!... Tens uma rara beleza; És joia da natureza, És o ninho da saudade. Vocabulário Marulhar: v. Barulho suave das ondas. :::::::::::::::::::::::: Primeira mulher Eva, nome pequenino, Mas, foi grande a criatura Que o recebeu do Divino Para cumprir missão dura! Eva, primeira mulher Que o Pai Eterno criou E deu-lhe a missão de ser Esposa que Adão amou. Duma costela de Adão Surgiu Eva, já mocinha. Pra ser mãe da criação; Salve mulher, mãe rainha! Eva, primeira a pecar... Seu pecado foi sublime: Descobriu o dom de amar! Quem disse que amar é crime? Na lição que até agora Todos querem decorar, A primeira professora Ensinou Adão a pecar Primeira mulher amada Primeira mulher feliz Primeira mulher casada Pelo supremo Juiz! õoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõo Mayá Devi de Oliveira -- *in memoriam* Ironia dos sonhos Aguardando um lanche simples, Solitária, na cantina, Meu pensamento vai longe. E a miragem me domina. O balcão se torna mesa. Vejo a toalha estendida. Estão comigo meus pais E a tia-mãe tão querida. Animados conversamos Em tranquila refeição. Meu pai lembrando Bilac Com ardor e exatidão. Eu, como sempre, fazendo Mil planos de coisas sérias. E as duas mães me alertando Para o descanso nas férias. Vibramos todos felizes Na sala clara e enfeitada Unidos na paz sublime De uma família integrada.

¨ Mas de repente me assusto. Um colega diz: “Bom dia”. Volto ao presente, regresso Do voo de fantasia. Quero chorar, mas resisto Ao pranto quase incontido. Sei que é preciso ser forte Neste mundo enfraquecido. Chamo o garçom, controlada, E ele me fala risonho, Alheio à dura verdade: “Minha tia, hoje tem sonho”. õoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõo Neyde Raymunda Do tempo No lar do tempo via em seu entardecer pelas vermelhidões as portas a despir

todas as emoções as minhas a sorrir foram n'escala me buscar o renascer... Do mar dos planos hão do seu amanhecer novos projetos hei você o meu *porvir* inflando uma lei os sonhos os *remir* tão generosos quão famintos nos prender... Da esperança lá do seu mundo compor, notas e sons ao ar recolhi sem pudor, eis a canção que vá em seu coração pôr...

Do seu jardim já tão repleto de amor um arco-íris com ternuras do luar que cujas cores vão luzir seu coração... Vocabulário Porvir: v. Futuro, posteridade. Remir: v. Libertar. õoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõo Pedro Olímpio -- *in memoriam* Quase madrugada Quase madrugada outra vez e eu, meu amor, espero por você logo amanhecendo vem o sol e eu, mesmo assim, espero por você talvez tenha sido o trânsito problemas com seus negócios preciso acreditar, amor, que você vai voltar algum imprevisto incômodo quem sabe uma gripe estúpida preciso acreditar, amor, meu amor, meu amor. õxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxo Transcrição: Gregório Brandão Revisão Braille: Natália Medeiros e João Batista Alvarenga