Coleção Caminhos e Saberes
Grupo de Estudos e Pesquisa
em Orientação e Mobilidade
(GEPOM)
Rompendo barreiras
Guia prático de Orientação
e Mobilidade do Instituto
Benjamin Constant
Impressão braille em
3 partes, na diagramação de
28 linhas por 34 caracteres,
Instituto Benjamin Constant, 2022.
Terceira Parte
Ministério da Educação
Instituto Benjamin Constant
Departamento
Técnico-Especializado
Divisão de Imprensa Braille
Av. Pasteur, 350-368 -- Urca
22290-250
Rio de Janeiro -- RJ
Brasil
Tel.: (21) 3478-4442
Fax: (21) 3478-4444
E-mail: ~,ibc@ibc.gov.br~,
~,http:ÿÿwww.ibc.gov.br~,
-- 2023 --
GOVERNO FEDERAL
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
Jair Messias Bolsonaro
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
Victor Godoy Veiga
INSTITUTO BENJAMIN CONSTANT
João Ricardo Melo Figueiredo
DEPARTAMENTO DE
PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA
E EXTENSÃO
Elise de Melo Borba Ferreira
DIVISÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
Luiz Paulo da Silva Braga
ROMPENDO BARREIRAS:
GUIA PRÁTICO DE
ORIENTAÇÃO E MOBILIDADE
DO INSTITUTO BENJAMIN CONSTANT
_`[Imagem de fundo azul, centralizada, em que, na parte superior, em
letras laranja, lê-se: Rom-
pendo barreiras; guia prático de orientação
e mobilidade do Instituto Benjamin Constant".
Abaixo, centralizado,
um desenho do globo terrestre, simulando uma crânio, com óculos
escuros e, na parte superior do globo, seis desenhos de pessoa com
deficiência visual enfileirada, indicando o crescimento de uma
criança, e da esquerda para a direita, temos: criança de olhos
fechados, usando fralda, em pé, segurando um brinquedo com um cabo
longo; menino com óculos escuros, shorte e camiseta, em pé, andando
com as mãos esticadas para frente; jovem cm ócuos escuros, calça
comprida e camiseta, segurando no antebraço de outra pessoa; adulto
com óculos escuros, camiseta com a cela braille na frente e calça
comprida, segurando uma bengala."_`]
Elaborado pelo Grupo de Estudos e Pesquisa em Orientação e
Mobilidade (GEPOM), vinculado ao Centro de Estudos e Pesquisas
(Cepeq) do Instituto Benjamin Constant (IBC):
Adávia Fernanda Correia Dias da Silva
Lisânia Cardoso Tederixe
Regina Kátia Cerqueira Ribeiro
Thiago Sardenberg
Vanessa Rocha Zardini Nakajima
Descrição da imagem: Foto do grupo da cabeça à cintura com cinco
pessoas sorrindo, todas de pé
com camisa tipo polo preta com as logomarcas do Grupo de Estudos e
Pesquisa de Orientação e
Mobilidade do lado esquerdo e do Instituto Benjamin Constant do lado
direito. Da esquerda para
direita: Thiago Sardenberg, Vanessa Zardini, Regina Kátia Cerqueira,
Adávia Dias e Lisânia Tederixe
Membros Convidados:
Fernanda Codeço Ferreira
Monteiro
Marcelo Miranda Petini
Colaboradores convidados:
Antônio Menescal
Elcy Maria Andrade Mendes
Elizabeth Ferreira de Jesus
George Thomaz Harrison
Indira Stephanni Cardoso
Marques
Maria da Gloria de Souza
Almeida
Thaís Ferreira Bigate
Revisão técnica do conteúdo:
Valéria Rocha Conde Aljan
Ilustrações:
Júlio Matoso
Dados do livro em tinta
Copyright `(C`) Instituto
Benjamin Constant, 2022
ISBN 978-65-00-60906-6
Todos os direitos reservados. É permitida a reprodução parcial ou
total desta obra, desde que
citada a fonte e que não seja para venda ou qualquer fim comercial.
A responsabilidade pelo conteúdo e pelos direitos autorais
de textos e imagens desta obra é dos autores.
Capa e diagramação
Wanderlei Pinto da Motta
Copidesque e revisão geral
Laize Santos de Oliveira
Marcela da Silva Abrantes
Coleção Caminhos e Saberes
1) Sistema Braille: simbologia básica aplicada à Língua Portuguesa
2) Técnicas de Cálculo e Didática do Soroban -- metodologia: menor
valor relativo
3) Manual de Adaptação de Textos Para o Sistema Braille
4) Técnicas de Cálculo e Didática do Soroban -- metodologia: maior
valor relativo
5) Transcrição e Impressão Braille no Programa Braille Fácil
6) Manual de Produção do Livro Falado
7) Rompendo barreiras: guia prático de Orientação e Mobilidade do IBC
Organização da coleção:
Até o n.o 5: Jeane Gameiro Miragaya
A partir do n.o 6: Gabrielle de Oliveira Camacho Soares
Todos os direitos reservados para
Instituto Benjamin Constant
Av. Pasteur, 350/368 -- Urca
CEP: 22290-250 -- Rio de Janeiro -- RJ -- Brasil
Tel.: 55 21 3478-4458
E-mail: ~,dpp@ibc.gov.br~,
Lista de figuras
Terceira Parte
Figura 122: O uso da
comunicação háptica ::::::: 243
Figura 123: Descrição de
ambiente na comunicação
háptica ::::::::::::::::::: 245
Figura 124: Treinador
passeia com cão-guia :::::: 259
Sumário
Terceira Parte
Aspectos relevantes da
Orientação e Mobilidade
na infância, na família e
no Ensino Fundamental:
quem, quando, como e por
quê? :::::::::::::::::::::: 187
A Orientação e Mobilidade
e o aluno com Deficiência
Múltipla ::::::::::::::::: 215
Orientação e Mobilidade na
Surdocegueira :::::::::::: 231
Um parceiro de quatro
patas: conhecendo um pouco
sobre cão-guia :::::::::::: 251
<125>
Aspectos relevantes da
Orientação e Mobilidade na
infância, na família e no
Ensino Fundamental: quem,
quando, como e por quê?
Antonio Menescal (1)
Introdução
Este Guia é destinado a profissionais das áreas de educação, reabilitação,
terapia ocupacional,
::::::::::::::::::::::::::::::::::
(1) Especialista em Educação Física para deficientes visuais (Universidade Federal do Rio de Janeiro)
e em Educação Especial (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). Graduado em licenciatura
plena em Educação Física (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Professor aposentado de
Educação Física e Orientação e Mobilidade do Instituto Benjamin Constant.
psicomotricidade, práticas educativas para a vida independente,
atividades da vida diária (AVD), aos familiares de crianças com deficiência
visual e a todos os demais que tenham a sua atenção profissional, ou dedicação
acadêmica, na deficiência visual. Por esse motivo, eu deixo de me prender à
defesa da importância dessa atividade e ao seu histórico.
Passo diretamente a tratar dos aspectos referentes a uma delimitação
clara da sua clientela, a quando essa atividade deve ser inserida, a de que maneira
devemos começar e às justificativas, do meu ponto de vista, especificamente
sobre essas questões sempre vinculadas à população-alvo proposta para este
texto.
O texto não traz, e nem tampouco é fruto de uma revisão biblio-
gráfica
aprofundada. Ele não tem a pretensão, ou o objetivo, de ser um texto acadêmico.
Muito menos uma referência. Ele está limitado basicamente ao relato da minha
vivência de muitos anos na educação e na reabilitação de alunos e de reabilitandos
com deficiência visual como professor de Educação Física e de Orientação e Mobilidade
(OM). Nesta área, atuei muito mais na capacitação de recursos humanos
do que, especificamente como técnico, ou professor de OM.
<126>
Sem as normas de um texto técnico/acadêmico, o texto tem o objetivo de
ser direcionado e acessível especificamente àqueles que, ao meu juízo, não podem
deixar de ter noções básicas sobre tudo aquilo que se refere ao seu filho, ao
seu aluno ou ao seu cliente que tenha uma deficiência visual. Pretendo que o
texto seja mais uma conversa com o leitor e um suscitar reflexões de profissionais
e de familiares.
Vamos focar em técnicas de autoproteção, do guia vidente e naquelas
com a utilização da bengala longa, sempre ressaltando a importância dos conceitos
básicos, das pistas, dos pontos de referência e da formação de conceitos
básicos.
Neste texto, as técnicas serão referenciadas, mas não descritas
detalhadamente, tampouco ilustradas, já que acredito que os colegas tratarão
disso neste mesmo livro do qual me fizeram a gentileza do convite para participar.
Sem a pretensão de apresentar verdades absolutas, até mesmo por não
as possuir, não deixarei, contudo, de apresentar a minha visão quanto à adequação
temporal da inserção das técnicas de bengala longa, as quais, na OM, têm o
caráter de terminalidade da locomoção independente.
Vamos lá?
2. OM: o que é e para quem é?
A Orientação e Mobilidade é um conjunto de técnicas e estratégias para
segurança na locomoção e de orientação espacial de pessoas com deficiência
visual, cegas e com baixa visão, desde quando ela começa a andar até a velhice.
Essas técnicas passam por todas as etapas de sua vida familiar, escolar, acadêmica,
social e profissional, pelo seu lazer, pelo acesso às atividades culturais, pelo
relacionamento e interação interpessoal, pelo desenvolvimento do seu potencial,
pelo sentimento de poder fazer e fazer, pela clareza do seu pertencimento à
sociedade e aos seus grupos sociais. Por fim passa ainda pela ampliação das
oportunidades de vivenciar experiências concretas e, pela aquisição, ampliação e
utilização de conceitos, e pela melhoria de sua qualidade de vida e bem-estar
físico e socioafetivo.
<127>
Nós, professores de crianças cegas e com baixa visão, temos de perceber
nossos alunos como crianças e como crianças com deficiência visual, exatamente
nessa ordem, sem deixar de considerar tudo que a infância traz e tudo aquilo que
a cegueira ou a baixa visão representam.
Contudo, nós não podemos nos arvorar em sermos os principais educadores
de nossos alunos. Esse papel é dos seus pais e da sua família. Esses têm
direito a todas as informações sobre as demandas específicas de seus filhos e de
como eles podem atuar, desde o berço, para atender às demandas específicas de
seus filhos. Não cabendo neste texto aprofundamentos sobre a estimulação precoce,
nós não podemos deixar de dar ênfase à sua importância como atividade
fundamental no alicerce do desenvolvimento de seus filhos.
Aos pais e às famílias, as informações têm de ser passadas já desde a
maternidade, preferencialmente saindo de lá já com o encaminhamento para um
serviço de estimulação precoce. O mesmo encaminhamento é altamente recomendável
ao atendimento da pediatria, ou oftalmologia pediátrica, assim que a
deficiência visual for constatada.
Existem diferenças marcantes entre as demandas específicas de uma criança
cega desde o nascimento e de crianças com baixa visão. Isso ambém ocorre
entre o grupamento de crianças de baixa visão, dependendo da agudeza e/ou
campo visual que possuam, da época em que a deficiência ocorreu e da funcionalidade
visual. Isso vai determinar o início da inserção de técnicas de OM, ainda
nas famílias, desde que essas crianças começam a andar.
Como o grupamento é muito diverso, vamos focar nas crianças que nasceram
cegas. Essas, ao começarem a andar, devem ser estimuladas a fazê-lo.
Chamar as crianças, fazer com que elas venham ao seu encontro e reforçar os
sucessos obtidos nesses percursos já é Orientação e Mobilidade. Garantir um
ambiente seguro e não limitar os percursos de uma criança cega, desde os seus
primeiros passos, em ambientes inicialmente restritos também o é.
Igualmente já é Orientação e Mobilidade deixar que as crianças cegas
explorem esses ambientes e os objetos nele encontrados. Nesses ambientes, os
sons naturais devem ser mantidos, devendo-se, contudo, evitar a poluição sonora.
Uma música muito alta, por exemplo, pode fazer com a criança deixe de
<128>
perceber outros sons no ambiente. Porém, também é Orientação e Mobilidade ir,
aos poucos, ampliando os espaços e os ambientes onde ela possa andar com
segurança.
Pode até parecer improvável, mas a criança cega aos poucos vai percebendo
as pistas dos seus ambientes, os seus pontos de referência, e começa a
fazer o "mapa mental" desses ambientes. Esse infante pode encontrar a sua
cama, a porta de saída do seu quarto, a estante de seus brinquedos e aos poucos
ir ampliando o "seu mundo", incorporando novos objetos às "suas coisas" e começando
a estabelecer as relações de tudo e de todos do seu convívio com o seu
"eu". Isso já é Orientação e Mobilidade.
A maior parte dos estímulos que levam uma criança de visão normal à
interação com o seu ambiente e com as suas coisas é visual. À criança cega, a
voz da mãe, do pai, dos irmãos, do vovô, da vovó ou um brinquedo sonoro
poderão atuar como o estímulo para a sua locomoção em seus ambientes. Não
tenham dúvidas, isso já é Orientação e Mobilidade, isso já é o primeiro passo
para a ampliação constante e gradual do "seu mundo" e nele um espaço de novas
descobertas e de formação de novos conceitos.
Aos profissionais, cabe a função de orientar os pais e as famílias sobre os
primeiros passos, no sentido literal, de seus filhos cegos.
À medida que a criança cega vai ampliando a sua área de interação e
explorando novos ambientes, algumas técnicas simples podem e devem ser
inseridas, por exemplo: a técnica de proteção inferior; em algumas situações a
proteção superior, como no abaixar para pegar um objeto caído e fazer a varredura
quando estiver buscando o objeto no chão e quando for sentar; além do
rastreamento em linhas guia e noções básicas e utilização do enquadramento.
Nessa fase não deve e não pode ser exigida a perfeição da técnica, mas deve ser
dada ênfase à sua funcionalidade.
Espero que ainda estejam comigo e gostando até aqui.
Pois é, a criança cega começou a andar já sob demanda da OM, mesmo
que seja de forma natural ou instruída por seus familiares.
Quando a deambulação já está estabelecida, quando a criança cega já
aprendeu a explorar os am-
bientes, quando ela já pode elaborar e utilizar as
<129>
pistas e os
pontos de referência e os mapas mentais dos seus ambientes estão
estabelecidos, aí vem a "pré-bengala".
Com o objetivo de dar mais segurança à criança cega na exploração de
ambientes já conhecidos ou em um novo ambiente controlado, um cabo de vassoura,
um arco, um brinquedo com cabo longo, uma vassoura, um rodo, um
escovão, uma espada ou uma lança de brinquedo trarão a possibilidade de locomoção
segura, novas descobertas, outras pistas, outros pontos de referência,
novos conceitos e outros mapas mentais.
Com a pré-bengala, a criança cega pode ser, inicialmente, orientada a
como usá-la, mas nunca deve ser inserida uma técnica específica. Ela mesma
saberá como melhor utilizar o material, o processo é retroalimentado por novas
descobertas e reforçado pela ampliação do "seu mundo".
Futuramente a pré-bengala poderá também ser utilizada em ambientes
externos restritos, seguros, controlados e sob supervisão.
Mais tarde um pouco, a pré-bengala poderá ser utilizada também na préescola
e nos primeiros anos do Ensino Fundamental, sempre em atividades específicas
e nunca como instrumento nas rotinas do dia a dia.
Antes da Educação Infantil, a nossa criança cega já cresceu e o seu desenvolvimento
já nos deixa felizes. Pois bem, a mamãe vai levá-la a passear, à
casa da vovó, a brincar no parquinho da praça, a visitar o médico. Nos percursos
de sua casa até o seu destino, já podemos inserir a técnica do guia vidente,
embora as mamães sempre prefiram a segurança das mãos dadas, fato compreensível.
Andar com as crianças cegas de mãos dadas, quando elas ainda não têm
altura para segurar no pulso ou no antebraço do seu guia, e somente nesse
período, não é um
pecado em OM. Com tudo isso, aos poucos e sem pressa,
quem estiver conduzindo uma criança cega, já crescidinha, pode orientar que ela
segure o braço de quem com ela esteja caminhando. Onde no braço? No lugar
que ela alcance e esteja confortável, desde que no pulso ou logo acima dele, ou
seja, no antebraço.
A pessoa que estiver guiando a criança cega vai andar com o seu braço
esticado e junto ao seu corpo, aliás posição básica da técnica do guia vidente que
<130>
não é com o braço do guia dobrado. A criança será orientada a manter o seu
cotovelo junto ao seu corpo, só isso e nada mais.
Aos poucos a criança vai crescendo, a mão subindo e o caminhar guiado
vai ficando cada vez mais natural. Já as variações da técnica do guia vidente -
passagem estreita, passagem muito estreita, troca de lado e outras das suas
associações -- devem ficar para depois.
Nesse caminhar conjunto, a criança cega deve ser estimulada a perceber
as pistas ambientais, táteis -- a partir das variações dos diversos pisos percebidos
pelo tato da sola dos pés -- auditivas -- como a proximidade do fluxo dos carros,
sua direção e seu sentido, conceitos diferentes, ruídos característicos de alguns
tipos de estabelecimentos comerciais --, assim como os seus cheiros característicos,
enquanto pistas olfativas.
Já guiando crianças, jovens ou adultos cegos, o guia deve atravessar as
ruas sempre na perpendicular, em uma linha reta, e nunca na diagonal, abordando
sempre o meio-fio do lado contrário em ângulo reto. Com o tempo, a criança
passará a perceber se você está subindo ou descendo o meio-fio.
Nessa situação, ou quando for subir ou descer uma escada ou alguns
degraus, o guia deverá
informar à criança não só da existência de degraus ou
escadas, mas sempre se ambos subirão ou descerão. A prontidão para subir uma
escada ou degrau é diferente daquela necessária para descer.
Até aqui está muito impessoal. Vamos dar um nome para essa criança. Ele
é o João. Pode ser?
O João nasceu cego, cresceu, brincou, tem amiguinhos, caiu, levantou,
explorou, descobriu, aprendeu e percebeu-se amado; enfim o João foi criança.
Graças à mamãe, ao papai e à sua família, ao João não foi negado o direito de ser
criança.
3. O João vai para a pré-escola
Pois bem, o João cresceu e chegou a hora de ir para a pré-escola. Para
qual escola o João deve ir? Para a melhor escola possível, sempre de acordo com
a mamãe e o papai. Uma pré-escola especializada ou uma escola chamada de
<131>
inclusiva não importa, desde que a "escolinha" esteja preparada para atender às
demandas específicas que o João, de fato, tem.
Uma escola que conheça a realidade
de uma criança cega, as suas características e necessidades. Uma escola na
qual o João não esteja somente junto de outras crianças, mas uma escola que
não o exclua de qualquer atividade. Cabe então uma reflexão entre inclusão e
não exclusão. Uma escola que saiba que inclusão não é só igualdade, enfim, uma
escola que saiba que inclusão é igualdade com respeito às diferenças. Uma escola
que tenha um compromisso com as adaptações necessárias ao João, uma
escola que tenha na Orientação e Mobilidade um dos seus compromissos
institucionais.
Nova sala, novos amiguinhos, tem um pátio, uma "sala de brincar" e até
um refeitório. Pois é, para o João, novos espaços e um novo ambiente. A ele tem
de ser dada a oportunidade e desenvolvidas estratégias específicas para que
forme os conceitos dos novos ambientes, dos materiais que ele usará. João tem
de saber onde fica o banheiro, o refeitório, a sua sala e todos os lugares que ele
utilizará. Essa responsabilidade é toda da nova escola e tem um nome: informações
básicas de Orientação e Mobilidade.
O João, muito em breve, estará brincando junto com todos os novos amiguinhos,
porém os ambientes da escola deverão ser conhecidos por ele. Os novos
colegas do João que são videntes, a cada novo local, formarão de imediato os
conceitos deste já que a visão é sintética e lhes dá, no primeiro momento, a
percepção do todo e o seu conceito concreto. Isso não vai acontecer com o João.
Ele terá de formar o seu conceito desse novo ambiente, a partir da análise e do
somatório organizado das suas
partes, incluindo o mobiliário e o material disponível.
A visão oferece a síntese imediata, já o João deverá ter o tempo necessário
e as estratégias apropriadas para formar o seu conceito ambiental a partir
da análise do seu espaço físico, de tudo aquilo que nele estiver, das pistas e dos
pontos de referência que o ambiente oferecer.
Você já sabe, isso também é
Orientação e Mobilidade e a responsabilidade
pelo adequado atendimento do João nos primeiros dias em sua nova escola agora
é dos seus professores e do seu quadro técnico.
<132>
Para que isso aconteça adequadamente, poderão e deverão ser utilizadas
as técnicas de OM (rastreio, proteção inferior, enquadramento em pontos de
referência, técnicas do perímetro e da diagonal). O tempo necessário a isso é
sempre ganho e jamais será um tempo perdido.
Na pré-escola as crianças gostam de brincar e de tudo aquilo que é lúdico
e aprendido por meio das brincadeiras e da ludicidade. O João, nesse aspecto,
não é diferente dos demais coleguinhas.
A técnica e as estratégias de "monitoria", em que um aluno de visão
normal é levado e incentivado a fazer as tarefas de reconhecimento ambiental,
deslocamentos e outras atividades junto com o João, são altamente indicadas.
Para tanto, a técnica do guia vidente também é indicada. Lembram-
-se dela? É
aquela que a mamãe ensinou quando ia passear com o João.
A idade pré-escolar, de 4 a 6 anos, é um período fundamental no desenvolvimento
do João e de todas as crianças, com deficiência ou não. Às crianças
cegas, pela importância do seu desenvolvimento motor, as atividades
de psicomo-
tricidade crescem muito em importância. Ele irá descobrir o seu mundo a
partir do seu corpo e do movimento consciente, objetivo e autocontrolado.
Fundamental também nessa faixa etária é uma análise quanto à audição
da criança cega e a percep-
ção de qualquer problema no seu aparelho locomotor,
no seu equilíbrio ou na sua deambulação. O João passou fácil por essa análise.
Quanto à sua pré-escola, ele a levará para sempre em sua memória.
4. O João chega ao Ensino
Fundamental
O "seu mundo" agora cresceu. Novos ambientes, novos colegas, novos
professores e muito mais gente para interagir. Não pretendo aprofundar o assunto,
contudo, nessa etapa é importante que a sua professora esteja familiarizada
com as estratégias de prontidão para a alfabetização, que já deveriam ter sido
iniciadas ainda na educação infantil.
Para alfabetizar uma criança cega, o conhecimento do Sistema Braille e a
disponibilidade das ferramentas necessárias são absolutamente fundamentais,
como também o é o fato de o "tio da educação física" não dispensar o João de
suas aulas por ser cego. Na escola do João deverá haver uma política interna que
<133>
contemple a OM, não como componente curricular, mas que contemple todas as
demandas do João e das demais crianças com deficiência visual.
O João vai aprender, gradualmente ele vai conhecer toda a escola e dominar
os seus espaços e juntamente com os seus colegas interagir em todos os
seus ambientes.
Nessa fase o João utilizará técnicas de OM nos seus deslocamentos; perceberá,
enquanto estuda, interage e brinca, a importância das pistas e dos pontos
de referência; e aprenderá conceitos básicos, os quais o acompanharão por
toda a vida. Ele aprenderá a enfrentar situações problema, estabelecerá hipóteses
de soluções, tentará resolver essas situações e descobrirá a melhor forma de
superá-las; e, sempre usando todos os seus sentidos, o seu potencial motor, o
movimento corporal consciente e objetivo, a sua memória cinestésica e os conceitos
já incorporados, o João aprenderá e seguirá o seu caminhar acadêmico e o
seu desenvolvimento geral.
Nos primeiros anos do Ensino Fundamental, a escola e o seu quadro técnico
devem, necessariamente, além de estar preparados, saber que a criança
cega não abstrai do modelo para o real, saber que a sua aprendizagem deve ser
a mais concreta possível, e que os verbalismos devem ser evitados -- embora
uma verbalização clara, objetiva e tranquila sempre ajude muito, já que a demonstração,
a leitura do quadro negro e a apresentação de modelos estão
claramente
inviabilizadas pela falta da visão.
Nessa fase escolar, caso o aluno cego chegue a ela sem a anterior apresentação
a ele das técnicas básicas de OM já citadas, a responsabilidade de fazêlo
será da escola, ou, em alguns casos, de centros de apoio externos.
À supervisão educacional caberá capacitar os professores nessa área e
acompanhar o seu desempenho. Já à orientação educacional caberá perceber se
as demandas do João estão sendo atendidas pela escola.
Os professores, técnicos e auxiliares de educação que atendam a uma
criança cega, na Educação Infantil e no Ensino Básico, devem ser orientados
sobre os aspectos básicos de Orientação e Mobilidade de seus alunos cegos. Por
exemplo, eles devem estar conscientes da importância das técnicas de
<134>
autoproteção e do guia vidente. Eles também devem saber que o sol ou o vento
que entram por uma janela, para o aluno cego, é uma pista tátil que auxilia o seu
posicionamento no ambiente e a sua orientação espacial na sala de aula. Eles
têm de saber que a janela pela qual passam os raios solares e o vento é um ponto
de referência, assim como as paredes e a porta da sala.
Eles devem estar conscientes de que o cheiro do refeitório ou o odor dos
banheiros são pistas olfativas que ajudam a percepção do espaçoda criança cega.
E também de que o barulho do trânsito na rua e a sua proximidade com ele
também compõem esse todo de construção do mapa mental do ambiente e são
fatores importantíssimos na orientação e locomoção desse aluno. Eles têm de
saber que o tato é presente em todo o corpo, não somente nas mãos, e que as
diferentes texturas do piso podem ser pontos de referência incorporados pela
percepção podo-tátil (tato nas solas dos pés).
5. A inserção da bengala longa
A inserção da bengala longa, quando tratamos da sua utilização nos primeiros
anos da criança cega e da sua escolaridade, deve ser encarada caso a
caso. A partir dos nove ou dez anos elas podem ser oferecidas, contudo as suas
técnicas específicas ainda não. Essas técnicas demandam uma prontidão para
movimentos complexos e coordenados (técnicas do toque, toque e rastreio e
toque e deslize, por exemplo).
O oferecimento da bengala longa ainda sem a introdução das suas técnicas
específicas seria justificável pela sua utilização como "pré-bengala", sempre
em ambientes internos. O João e todas as crianças cegas têm absoluta necessidade
de aprender a captar e utilizar as pistas ambientais, os pontos de referência
e, com isso, formar os seus conceitos dos
ambientes internos em casa e em sua
escola.
Não se pode permitir que a inserção antes do tempo das técnicas de
bengala longa seja um elemento de limitação na captação e utilização das pistas,
tampouco limitar as suas possibilidades de ser criança a partir de uma pressuposta
maturidade psicomotora, afetiva e cognitiva que ele ainda não tem.
<135>
A inserção das técnicas de bengala longa para ambientes externos antes
do aluno ter a necessidade de andar sozinho nas ruas, por volta dos 14 anos de
idade, pode ser um fator de inibição do seu potencial de elaboração e de utilização
das pistas e dos pontos de referência.
As técnicas de bengala longa para ambientes internos, bengala em lápis,
em diagonal e o rastreamento de linhas guias podem e devem ser apresentadas
aos alunos cegos antes das de mobilidade independente em ambientes externos.
Num outro aspecto, devemos
destacar que a necessidade absoluta de
uma adequada prontidão psicomotora para a utilização das técnicas de bengala
longa em am-
bientes externos é fruto do amadurecimento psicomotor da criança
cega no que tange a complexidade de realização motora dessas técnicas.
A conscientização da bengala como instrumento de liberdade e segurança
de locomoção, de ampliação das possibilidades de interação e de participação em
novas situações de aprendizagem demanda um amadurecimento cognitivo e
emocional que as crianças ainda não têm.
A bengala longa não é um brinquedo, não é um instrumento lúdico, ela é
um instrumento de liberdade e de independência. O João, no seu tempo, vai
saber usá-la adequadamente e saberá da sua im-
portância, mas para chegar lá tem
um longo caminho que começa na família e, necessariamente, passa pela
escola.
õoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõo
<136>
A Orientação e Mobilidade e o
aluno com Deficiência Múltipla
Elisabeth Ferreira de Jesus
(1)
"O que faz um educador não são as teorias pedagógicas que
moram na cabeça, mas o simples fato de amar as crianças."
Rubem Alves
::::::::::::::::::::::::::::::::::
(1) Graduada em Licenciatura em Pedagogia (Universidade Federal Fluminense), Especialista em
Deficiência Múltipla (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e em Deficiência Visual pelo
Instituto Benjamin Constant, Professora do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico e Coordenadora
do Livro Tátil no Instituto Benjamin Constant.
Introdução
O que pretendo apresentar neste
texto, a partir de três relatos, são as
minhas experiências nessa caminhada como professora de alunos com deficiência
múltipla. Trago em minha narrativa os caminhos que encontrei para mostrar
aos estudantes que suas trajetórias em orientação e mobilidade podem ser também
por meio da construção de uma estória de contos de fada, da interação e da
busca da sua funcionalidade e independência.
As teorias sobre Orientação e Mobilidade (OM) deixo para os especialistas
que com grande maestria enfatizarão os pontos importantes desta prática. Para
mim, e parafraseando Rubem Alves, fico com o simples fato de amar os meus
alunos com deficiência múltipla, estes são os meus grandes mestres nesta área.
2. O caminho da floresta tem
sons, cor, cheiro e sabor
Há um mundo de alegria, felicidade, autonomia e descobertas. Há as estórias
que fervilham o imaginário das crianças. Há a certeza de um caminho de
experiências, de percepções, texturas, descobertas e sensações. É
nesse caminho
<137>
que o corpo se movimenta, experimenta, se manifesta, se transforma em
ação e descobre o potencial da sua mobilidade e orientação.
Não quero falar de teorias, quero falar de estórias vividas e trilhadas no
caminho de sensações e prazer das descobertas espontâneas dos meus alunos.
"-- Tia Beth, conta a estória do Chapeuzinho Vermelho?" Esse pedido
sinalizava para mim que meu aluno precisava do tempo dele, pois aquele
burburinho da alegria dos seus coleguinhas invadia o "seu espaço", o seu momento
de querer ficar com ele mesmo; e a chegada daquela voz dizendo: "-- Olá,
meus amiguinhos, bom dia!" era a sua "salvação". Enquanto eu cumprimentava
seus colegas com alegria, ele corria para o carrinho, ansioso por chegar a sua
vez. E quando me dirigia a ele, perguntava: "-- Olá, meu amiguinho, tudo bem
com você? Aonde iremos hoje?". E feliz ele respondia: "-- Levar um lanchinho
para a vovozinha, lá na floresta." Assim começávamos um passeio de texturas,
percepções e cheiros. E nessa nossa viagem íamos desbravando os caminhos da
floresta encantada até a casa da vovozinha.
O cantar fazia parte do nosso viver a alegria: "Pela estrada afora eu vou
bem contente, levarei docinhos para a vovozinha, ela mora longe e o caminho é
bonito e vou descobrindo um mundo diferente.". E assim íamos cantando alegremente.
E ao sair da sala de aula, meu aluno perguntava: "-- Estamos no corredor?".
Sim, eu respondia. Ao perceber um barulho diferente produzido pelas rodas
do carrinho em que se encontrava, ele novamente indagava: "-- Estamos no
parquinho?". Sim, eu respondia.
E eu perguntava a ele o que tinha no parquinho. Ele imediatamente falava
do balanço, do escorrega, da casinha, do banco para sentar e das plantinhas. E
nesse passeio, explorando o espaço no seu carrinho, me contava qual o brinquedo
que mais gostava. Eu abria o portão, e outro "mundo" se vislumbrava e sua
percepção me questionava: "-- Estamos no estacionamento, não é, tia Beth?".
Sim, eu respondia e aproveitava para lhe informar que, naquele dia, tinha muito
carro. "Eu quero passar a mão no carro", dizia ele. E nesse trajeto íamos experimentando
uma diversidade de texturas e cheiros.
O nosso passeio a caminho da floresta continuava com muita conversa,
recheada de música e muitas perguntas. Ao atravessarmos o estacionamento,
seguíamos a frente, em direção à pista de atletismo da escola. E ao perceber que
<138>
uma nova textura produzia um som diferente nas rodas do seu carrinho ele perguntava
se chegamos à pista. E eu, modificando minha voz num tom de suspense,
dizia: "-- Sim, meu amiguinho, chegamos na pista, no caminho que nos levará à
floresta." E diante da minha resposta e da entonação da voz ele sorria e balançava
os seus braços.
Assim íamos conversando alegremente. Ele falava do sol no seu corpo, do
cheirinho do capim, das vozes das pessoas conversando, do barulho do ar-condicionado
da bi-
blioteca e da diversidade de sons que a sua percepção auditiva ia
captando até perceber o tilintar dos gravetos nas rodas do seu carrinho e feliz
dizia: "Chegamos na floresta, chegamos na floresta, não é, tia Beth?". Sim, chegamos
à floresta. E nessa floresta vivíamos momentos agradáveis do
sentir, do
ouvir e do tocar as folhas, os gravetos, as árvores e seus frutos.
Uma estória, um percurso, muitas pistas, uma floresta e um aprendizado
no caminho da orientação e mobilidade.
3. Sua voz me orienta e me
cativa
Durante alguns dias percebia aquela criança correndo de forma frenética
pelo corredor num ir e vir sem fazer uma parada. Várias idas e voltas num único
percurso. Gotículas de suor faziam-se presentes e, em alguns momentos, começavam
a escorrer em seu rosto. De vez em quando parava para escutar a solicitação
da tia que o acompanhava nos atendimentos. O pedido de ajuda e aflição
era visível no rosto de sua tia.
Depois de algum tempo aquela criança foi encaminhada para atendimento
em meu setor. Durante uma semana me detive a observá-la para encontrar uma
forma de tentar amenizar aquela corrida frenética sem momento de parada.
Nada aparentemente o interessava. Até que um dia eu estava com um brinquedo
de borracha na mão e, ao apertá-lo, ele produzia um som como se fosse um
assobio. Ao ouvir, ele parou. Girou a sua cabeça em direção de onde o som
ecoou. Ele finalmente fez uma pequena parada. Uma fração de segundo foi o seu
tempo e novamente voltou a correr. Novamente produzi o som, ele parou e girou
seu corpo na direção do som. Como parei, ele voltou a correr. Percebi naquele
momento que esse brinquedo seria a forma de me comunicar com ele.
<139>
Ele não aceitava o toque, não falava, apenas corria, corria. Em cada atendimento,
sua mão batendo forte na porta anunciava a sua chegada e ao ser aberta
corria em direção a todas as salas, como se fizesse uma varredura em todas elas e
voltava ao salão para
começar sua corrida frenética pelos quatro cantos do espaço,
até que um dia, resolvi fechar todas as portas das salas e deixar somente uma
aberta, aquela que eu havia escolhido para trabalhar com ele.
Ao abrir a porta para ele em sua corrida habitual percebeu que todas as
portas estavam fechadas e somente uma aberta. Relutou em entrar, mas acabou
entrando. Fechei a porta. Ele percorreu a sala, se deparava comigo, mas não
chegava perto. Usei o brinquedo que fazia som e percebi que ele começou a
produzir o mesmo som do brinquedo. E também comecei a tocar um livro sonoro,
o que o fez parar, sentar no chão e escutar. Quando eu parava de tocar ele vinha
em minha direção, eu indagava se era para eu tocar, ele tilintava os dedos na
mesa e então eu tocava. Começamos assim um caminho de interação, de descobertas,
conhecimento, trocas e aprendizado. Deixei que ele mesmo, no momento
dele, tocasse a minha mão.
Quando isso aconteceu, começamos um caminho de exploração pela escola,
onde ele, segurando a minha mão, me puxava, e assim começamos a ir ao
refeitório, ao banheiro, à sala do terapeuta ocupacional e a passear pelo corredor.
Um caminho com orientação e mobilidade tranquila, segura e confiante.
4. Eu quero ir sozinho
Educador é qualquer pessoa que ama uma criança.
Porque quem ama uma criança ensina-lhe
o caminho e vai junto...
Rubem Alves
Chegou tímido, quieto, mas de um jeito atento e observador. Virava sempre
a cabeça na direção de quem falava, como querendo absorver o que estava
sendo dito. Ao longo do tempo foi se soltando, tornou-se falante, chamava atenção
dos colegas por alguma atitude que considerava errada. Passou a ajudar
aqueles com mais dificuldades de locomoção e sempre estava pronto para guiar
quem precisasse.
<140>
No refeitório, ajudava os colegas a se acomodarem nos bancos e sempre
perguntava se queria alguma coisa para comer. Até que um dia, me surpreendeu
com uma questão: "-- Eu quero ir sozinho para casa, você me ensina?" Então
perguntei por que queria ir sozinho e sua resposta foi que ele já era grande, tinha
14 anos e queria ir sozinho para casa. "-- O meu irmão vai e vem da escola, para
casa, sozinho, eu também quero", dizia ele.
Após algumas conversas com sua mãe, montamos um programa de orientação
e mobilidade até a Central do Brasil, ponto que seria o local onde a mãe dele
nos aguardaria. Sua baixa visão proporcionava perceber muitas coisas ao seu redor.
Muito falante e bem comunicativo, a todos encantava com sua conversa.
Começamos com um trabalho de saída da escola, esperar o soar do sinal
sonoro, atravessar a rua e caminharmos em direção ao ponto do ônibus para
pegar a condução que o levaria até a Central do Brasil. Foram alguns meses
fazendo esse trajeto com ele. A cada aula a sua alegria e confiança crescia, e a
felicidade era visível em seu semblante.
Sua mãe sempre lá estava, na Central do Brasil, no local combinado, aguardando
a chegada do filho. Até que um dia ele abriu a porta da sala de aula e numa
ale-
gria radiante disse bem alto: "Beth, hoje eu vim sozinho!" Admirada com a
notícia, indaguei-
-lhe que contasse essa estória para mim. Imediatamente começou
a contar que sua mãe o colocou no ônibus, na Central, e ele veio sozinho,
pois ela tinha que levar a sua irmã ao médico. Antes que eu formulasse outra
pergunta, ele me informou que quando o ônibus fez a curva na rua da escola, ele
sabia que estava chegando e que o motorista avisou logo: "-- Próximo ponto,
Benjamin Constant!" e feliz continuou: "-- O ônibus parou, eu desci e entrei na
escola". Com ar de felicidade, comentou que agora já podia vir sozinho. Alguns
minutos depois sua mãe ligou, querendo saber se o filho havia chegado e explicou
o motivo pelo qual ele fez esse percurso sozinho, naquele dia.
A partir desse episódio sua mãe escolheu um dia da semana em que ele
faria esse percurso sozinho, até a escola. Foi um trabalho de parceria com a
família, de confiança e da realização do "Eu quero ir sozinho". E foi assim que ele
começou a ir à padaria e a conhecer o comércio da sua rua, ajudando sua mãe
em alguma necessidade.
<141>
Sempre tão preocupados em definir objetivos e atingi-los, muitas vezes,
nós professores não paramos para perguntar ao aluno o que ele gostaria de
aprender, ou vislumbrar quais são as suas reais necessidades. "Eu quero ir sozinho"
foi o ponto de partida de um grande aprendizado. Ruas, trajetos, curvas,
buzinas diferenciadas, trânsito engarrafado, chuva, poças d'água, buracos, postes
e árvores, ônibus cheio e vazio, tudo isso proporcionou ao meu aluno a orientação
e mobilidade segura para ir da escola até a sua casa com segurança, autonomia,
independência e a certeza dessa conquista.
5. Olhe pra mim, chegue mais,
converse comigo, veja quem
realmente sou eu
"Não me veja somente como prognósticos, patologias, comorbidades ou
inúmeras dificuldades."
-- Eu sou o André, sou cego, tenho cinco anos e adoro ir à floresta.
-- Sou o Felipe, tenho baixa visão, dez anos e eu corria sem parar.
-- Eu sou o Claudio, tenho baixa visão, quatorze anos e já vou para casa
e para a escola, sozinho.
"Eu sou seu aluno. Somente olhe para mim, me observe como eu sou.
Talvez eu possa, em alguns momentos, agir com rispidez e agressividade, mas
eu não sou assim. Deixe-me tocar a sua mão, aos poucos se aproxime de mim,
me abrace e me faça descobrir as inúmeras possibilidades do meu corpo que
clama por uma orientação e novas perspectivas de mobilidade. Faça-me conhecer
o significado do sorriso, da alegria, da felicidade de andar e correr sem medo.
Ajude-me a caminhar confiante com as minhas possibilidades e permita
ao
meu corpo descobrir e adaptar-se à minha real e própria orientação e mobilidade."
õoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõo
<142>
Orientação e Mobilidade na
Surdocegueira
Thaís Ferreira Bigate (1)
Indira Stephanni Cardoso
Marques (2)
A surdocegueira é considerada
::::::::::::::::::::::::::::::::::
(1) Doutoranda em Linguística pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Mestre em Diversidade
e Inclusão pela Universidade Federal Fluminense, Especialista em Língua Portuguesa (Universidade
do Estado do Rio de Janeiro), graduada em licenciatura em Letras Português-Literatura
(Universidade Federal Fluminense) e Docente do Núcleo de Atendimento Educacional à Pessoa
com Surdocegueira (NAEPS) do Instituto
Benjamin Constant.
(2) Mestranda em Diversidade e Inclusão pela Universidade
uma deficiência única em que há a combinação
das perdas visual e auditiva de forma concomitante, desmistificando o entendimento
de que é a soma da deficiência auditiva com a deficiência visual. Por esse
motivo, a partir de 1991, o termo surdocegueira/surdocego/
/surdocega, passou a
ser adotado pelas instituições internacionais sem o uso do hífen, pois já se compreendia
que suas especificidades precisavam ser atendidas de maneira especializada
e
::::::::::::::::::::::::::::::::::
Federal Fluminense, Especialista em
Surdocegueira (Faculdade Venda Nova do Imi-
grante), graduada em licenciatura em Pedagogia
com Ênfase em Educação de Surdos pelo Instituto Nacional de Educação de Surdos, Guia-intérprete
pela Associação Educacional para Surdocegos e Deficiência Múltipla Sensorial (AHIMSA) e
Intérprete de Libras do IBC.
diferenciada (LAGATI, 1995). Por apresentar distintos graus de comprometimento
dos sentidos proximais, ocasiona problemas de comunicação, mobilidade,
orientação no espaço e informação (CADER-
-NASCIMENTO; COSTA, 2010).
A surdocegueira está classificada em dois grupos: congênita, em que a
pessoa já nasce com a deficiência ou se torna surdocega antes da aquisição de
uma língua, seja essa oral-auditiva ou espaço-visual; e adquirida, em que pessoa
se torna surdocega após a aquisição de uma língua, seja ela oral ou sinalizada.
Além dessa classificação, a surdocegueira também apresenta diferentes
graus de perdas sensoriais, com as seguintes combinações: surdocegueira total,
com perda profunda da audição e cegueira total; surdocegueira parcial, em que o
<143>
indivíduo pode apresentar: surdez profunda e baixa visão; ou surdez moderada e
baixa visão; ou ainda cegueira total e surdez moderada.
Essas condições mencionadas vão determinar a forma de comunicação a
ser utilizada pelas pessoas surdocegas. Segundo Cambruzzi e Costa (2016), as
principais são:
a) Escrita na palma da mão: utiliza-se o dedo como caneta para escrever as letras
do alfabeto na palma da mão ou em alguma parte sensível do corpo da
pessoa
surdocega onde ela consiga compreender melhor a informação. Essas
partes
sensíveis podem ser testa, bochechas, costas e etc. Essa modalidade de comunicação
geralmente é utilizada pelo surdocego adquirido, alfabetizado em uma
língua oral/auditiva, com surdez moderada e perda visual parcial ou total;
b) Alfabeto datilológico: utiliza-se o alfabeto manual da língua de sinais para
passar a informação. Essa pode ser realizada também de maneira tátil (quando
feita na mão da pessoa com surdocegueira). Geralmente utilizada pelo
surdocego de surdez profunda ou moderada de baixa visão que conhece as
letras do alfabeto em tinta e tem um breve conhecimento da língua de sinais;
c) Braille: sistema de escrita e leitura em alto-relevo, feita a partir da combinação
de seis pontos. Utilizada, geralmente, pelo surdocego com cegueira total e
perda auditiva moderada;
d) Braille tátil: utiliza a mesma lógica do braille, porém a combinação dos seis
pontos é simulada em cada falange dos dedos indicador e médio da pessoa
surdocega. Geralmente utilizada pelo cego total com surdez profunda ou parcial,
não alfabetizado com as letras em tinta;
e) Leitura labial: consiste na observação da articulação dos lábios da pessoa que
está falando. O surdocego que utiliza essa forma de comunicação, em sua
maioria, tem a língua portuguesa como língua de instrução, possui um resíduo
visual considerável e surdez moderada ou profunda;
f) Tadoma: forma de comunicação que consiste em fazer leitura labial por meio
do tato. O surdocego segura o queixo do falante e, mediante observação tátil
do movimento da mandíbula, músculos da face e pregas vocais, obtém a informação
desejada.
Utilizada geralmente por surdocegos oralizados, com ausência
total da visão e perda parcial da audição;
<144>
g) Fala ampliada: consiste em passar a mensagem próxima ao ouvido da pessoa
surdocega de maneira que ela consiga ouvir o que está sendo dito, em um
volume confortável ao resíduo auditivo que ela possui. Surdocegos parciais,
oralizados, com cegueira total e perda auditiva moderada, são os que geralmente
utilizam essa forma de comunicação;
h) Pranchas de comunicação: consistem em pequenas placas que têm escrito o
alfabeto em tinta (alto relevo) e em braille. Com o dedo do surdocego, vai se
direcionando letra por letra até formar a palavra. Surdocegos totais alfabetizados
em braille geralmente usam esse tipo de comunicação;
i) Língua Brasileira de Sinais (Libras) em campo visual reduzido: utiliza-se a
Libras reproduzida de forma menos ex-
pansiva. O sinalizante mantém os braços
o mais próximo possível do tronco e as mãos aproximadas do rosto para
que o surdocego com surdez profunda e baixa visão, alfabetizado em língua
de sinais, compreenda a informação passada;
j) Libras tátil: língua de sinais reproduzida nas mãos do surdocego. Nessa forma
de comunicação, o locutor tem suas mãos posicionadas embaixo da mão do
surdocego, que por meio da percepção tátil dos sinais recebe a informação.
Utilizada por surdocegos totais, alfabetizados em língua de sinais;
k) Sinais caseiros e gestos naturais: gestos utilizados em um ambiente familiar,
que não possuem uma gramática própria, usados somente entre família e
pessoas próximas que conhecem o código. Geralmente utilizados por surdocegos
congênitos;
l) Comunicação háptica: consiste em complementar uma mensagem de maneira
tátil em alguma parte do corpo da pessoa com surdocegueira. Tais sinais auxiliam
na descrição do ambiente e fornecem informações visuais não captadas.
Utilizada com surdocegos que têm perda visual total (CANUTO *et al*., 2019).
Tantas especificidades exigem, em muitas circunstâncias, a presença de
um guia-intérprete (GI). Como afirmam Canuto *et al*. (2019, p. 54), esse profissional
contribui para que os indivíduos surdocegos "alcancem plena participação,
igualdade, independência e autodeterminação em todas as áreas da sociedade".
Para tanto, desenvolvem três importantes funções: interpretar tanto a comunicação
expressiva quanto receptiva; descrever informações, como o ambiente e
as pessoas ao redor; e a orientação e deslocamento da pessoa com surdocegueira.
<145>
Esses conhecimentos diferem o guia-intérprete do tradutor e intérprete de Libras,
pois além da língua de sinais, o profissional deve dominar as demais formas
de comunicação usadas por esse público, saber as técnicas de audiodescrição
para fazê-la de forma eficiente e otimizar o tempo na comunicação e dominar as
técnicas de Orientação e Mobilidade (OM).
Sobre as técnicas de OM, Gense e Gense (2004) afirmam que as instruções
são semelhantes para pessoas com deficiência visual e surdocegas. As adaptações
ocorrem especificamente na comunicação. Inicialmente, deve-se garantir
que as aulas de OM sejam ministradas na primeira língua do aluno com
surdocegueira, a fim de garantir o conforto linguístico e a possibilidade de compreensão
do conteúdo. Para tanto, a presença de um guia-intérprete é fundamental
para que haja a acessibilidade comunicacional. Ademais, mesmo que, na
formação de GI, o profissional aprenda as técnicas de guia-vidente, é substancial
que o docente prepare o GI ensinando-lhe os conceitos e as técnicas de OM,
antecipando o conteúdo que será ministrado para o aluno.
Nos casos em que professor e aluno se comuniquem sem a necessidade de
mediação, como os discentes surdocegos que usam a fala ampliada, é importante
que o professor verifique constantemente se as informações estão sendo
depreendidas. Aulas em ambientes externos podem ser desafiadoras, uma vez
que a exposição ao barulho pode dificultar o entendimento daqueles que se comunicam
por meio de seu resíduo auditivo. Assim sendo, dar as instruções
iniciais em
um ambiente interno ou menos ruidoso podem ser maneiras de minimizar o problema.
Além disso, talvez seja preciso um número maior de aulas em relação a
estudantes com deficiência visual; uma vez que a comunicação com o aluno
surdocego pode demandar mais tempo durante o processo de ensino, é de suma
importância que esse tempo seja considerado no planejamento didático.
O trabalho em equipe também é uma boa estratégia para se obter melhores
resultados nas aulas de Orientação e Mobilidade. O trabalho conjunto entre o
professor de OM, professores das outras áreas, guia-intérprete e demais profissionais
que acompanham o estudante pode aumentar as chances de os objetivos
serem alcançados. Conhecimentos gerais sobre o aluno auxiliam na elaboração
das aulas de OM e o profissional dessa área pode fornecer à equipe atividades
que reforcem o uso das téc-
nicas durante todo o período em que o estudante
estiver no ambiente educacional.
<146>
Outro fator relevante é que as orientações precisam se adequar à forma
de comunicação da pessoa com surdocegueira. Em uma escada, por exemplo,
talvez seja necessária uma pausa antes da execução do movimento que, no caso
de um indivíduo cego, poderia ser antecipado apenas com uma indicação verbal.
Para um surdocego usuário de língua de sinais tátil, o mais recorrente é que se
faça uma parada e sinalize que irão percorrer uma escada. Também é possível
empregar a comunicação háptica nesse contexto: com uma das mãos, o guiaintérprete
pode descrever no braço da pessoa surdocega que estão próximos de
uma escada, o que otimizaria o tempo de comunicação, visto que não seria preciso
se posicionar à frente do surdocego e utilizar as duas mãos para sinalizar.
Com a comunicação háptica, poderia ser feita uma pausa mais curta em que o GI
descreveria os degraus no braço da pessoa com surdocegueira e em seguida
retornaria para a posição de guia-
-vidente. Durante o guiamento, o GI pode realizar
algumas sinalizações e descrições no braço, antebraço e mão do sujeito
surdocego para antecipar alguma informação do percurso. No exemplo, vê-se a
comunicação háptica geralmente usada para designar escada.
Figura 122. O uso da comunicação háptica
Descrição: Imagem da esquerda, corpo de perfil, mão de outra pessoa na lateral do braço direito do
corpo de perfil pouco abaixo do ombro com a palma da mão aberta virada para o chão. Imagem da
direita, corpo na mesma posição anterior, mão de outra pessoa no mesmo local com a palma para
baixo e os dedos semidobrados. Setas apontam movimento que descreveria uma escada.
Fonte: Acervo pessoal.
<147>
A comunicação háptica também é empregada na descrição de ambientes,
como, por exemplo, um professor de OM explicando como se orientar e explorar
com segurança uma sala de aula com portas, janelas e móveis no meio da sala.
Com um aluno cego, a sala poderia ser descrita verbalmente, já com o aluno com
surdocegueira, poderia ser desenhado em suas costas o formato da sala e os
elementos dispostos nela, o que, mais uma vez, levaria à otimização do tempo na
comunicação e à criação de uma imagem mental do ambiente. Para tanto, é
importante que antes de tocar nas costas do discente, o profissional converse
sobre o uso da comunicação háptica e informe o momento em que a utilizará. Na
foto, vê-se o exemplo.
Figura 123. Descrição de am-
biente na comunicação háptica
Descrição: Corpo de costas, as duas mãos de outra pessoa com os dedos indicadores unidos
pouco abaixo do ombro direito. Uma seta indica que um dos dedos desenhará um retângulo nas
costas até o meio e retornará para o ponto de partida.
Fonte: Acervo pessoal.
Para os surdocegos, a OM dará condições para que haja a compreensão
do ambiente por meio de visão e audição residual, quando houver, e de outras
informações sensoriais. Particularmente, para eles,
<148>
o movimento é uma oportunidade de reunir informações sensoriais,
de se comunicar e de fazer escolhas. A instrução de OM oferece
oportunidades e habilidades que podem ampliar a consciência do
aluno sobre o meio ambiente, resultando em maior movimento,
independência e segurança (GENSE; GENSE, 2004, p. 1, tradução
nossa).
Sendo assim, diferentemente de uma pessoa que tenha unicamente a
deficiência visual, a com surdocegueira poderá explorar o ambiente com o objetivo
de obter informações e comunicar-se por meio dele. Um indivíduo surdocego
que não tenha desenvolvido uma língua formal, ou que por alguma razão não
esteja sendo compreendido, pode, por exemplo, deslocar-se pelo ambiente e
mostrar algo que deseja como uma maneira de se comunicar. Nesse caso, as
técnicas de OM poderiam ser entendidas como um
componente de uma linguagem
expressiva.
Outro aspecto importante e distintivo na OM para pessoas com
surdocegueira é a cor da bengala -- vermelha e branca. Segundo Garcia (2016),
essa bengala começou a ser usada em vários países da Europa desde a conferência
sobre surdocegueira realizada na Bulgária em 2013. A bengala de cor diferente
possibilita que a pessoa com surdocegueira seja identificada como tal antes
mesmo de ser abordada. Infelizmente, no Brasil, por mais que alguns surdocegos
já façam uso do utensílio nessas cores, sem que a população conheça a informação,
não há muita eficácia em seu uso fora de am-
bientes específicos, como eventos
e encontros que abordem a temática da surdocegueira.
Considerações finais
As técnicas de OM para pessoas com deficiência visual e surdocegueira
são basicamente as mesmas, contudo algumas questões referentes à comunicação
recebem uma atenção especial quando se há perda de dois sentidos de distância
-- visão e audição. O trabalho do professor de OM articulado com os demais
profissionais que atendem o aluno, sobretudo o GI, pode favorecer o melhor
desempenho das aulas e do aluno. Além disso, é de suma importância que a
primeira língua do aluno seja respeitada e empregada nas aulas ministradas, em
conjunto com seus resíduos sensoriais para a comunicação, a fim de garantir a
<149>
compreensão do conteúdo pelo discente. Ainda sobre este aspecto, a comunicação
háptica vem sendo empregada como uma forma complementar que favorece
a descrição do ambiente e a criação do mapa mental pelo aluno. Por fim, foi constatado
que a OM também possibilita que a pessoa com surdocegueira reúna informações
sensoriais que auxiliarão em sua comunicação.
::::::::::::::::::::::::
Referências
-- C
CANUTO, Beatriz Santana *et al. Práticas de interpretação tátil e comunicação
háptica para pessoas com Surdocegueira*. Petrópolis: Arara Azul, 2019.
CADER-NASCIMENTO, Fatima Ali Abdalah Abdel; COSTA, Maria da Piedade Resende
da. *Descobrindo a surdocegueira*: educação e comunicação. São Carlos: EdUFScar,
2010.
CAMBRUZZI, Rita de Cassia Silveira; COSTA, Maria da Piedade Resende da.
*Surdocegueira*: níveis e formas de
comunicação. São Carlos: EdUFSCar, 2016.
-- G
GARCIA, Alex. A bengala vermelha-branca: direito ou privilégio? Revista
*Reação*, São Paulo, ano 19, n. 111, 2016.
GENSE, D. Jay; GENSE, Marilyn. The Importance of
Orientation and Mobility
Skills for Students Who Are Deaf-Blind. *In: National Center on Deaf-Blindness
website*. Nova Iorque, Estados Unidos da América: 2004.
-- L
LAGATI, Salvatore. Deaf-Blind or Deafblind? International Perspectives on
Terminology. *Journal of Visual Impairment & Blindness*, [s. l.], v. 89, n. 3, p.
306, maio/jun. 1995.
õoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõo
<150>
Um parceiro de quatro patas:
conhecendo um pouco sobre
cão-guia
Vanessa Rocha Zardini Nakajima
(1)
George Thomaz Harrison (2)
Introdução
A relação entre homens e animais não é de hoje, há milênios esse relacionamento
ocorre como auxílio na sobrevivência do ser humano e em questões emocionais.
::::::::::::::::::::::::::::::::::
(1) Especialista em Fisiologia do Exercício (Universidade Veiga de Almeida), graduada em licenciatura
em Educação Física (Universidade Federal do Espírito Santo). Professora do Ensino Básico,
Técnico e Tecnológico -- Área:
Orientação e Mobilidade.
(2) Psicólogo e instrutor de cão-guia para cegos. Fundador
A relação afetiva com um animal de estimação, seja ele cão, gato,
coelho, etc., é vista em estudos sobre a saúde emocional em terapias assistidas
por animais. Talvez esse seja um dos motivos de os cães-guia fazerem parte do
desejo de muitas pessoas com deficiência visual, mais que um cão, um parceiro
diário para sua jornada.
O direito de ir e vir com autonomia é fundamental para qualquer indivíduo;
a pessoa com deficiência visual (PCDV) precisa de algumas tecnologias
assistivas para executar essa função, seja com o uso da bengala longa ou na
::::::::::::::::::::::::::::::::::
do Instituto Cão-guia Brasil. Já atuou
como consultor da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO)
dando suporte para a SDH, no Instituto IRIS. Atualmente atua no Instituto Magnus. Carreira
internacional na Leader Dogs for The Blind.
companhia de um cão-guia. Nesse sentido, a Lei no 13.146, de 6 julho de 2015,
-- Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com
Deficiência) -- classifica legalmento o cão-guia é como uma "tecnologia assistiva"
para pessoas com deficiência visual.
A história dos cães-guias data dos primórdios da humanidade, contudo,
só ganhou de fato estudos e técnicas de treinamento após o término da Primeira
Guerra Mundial, visando auxiliar na reabilitação de soldados. De acordo com
<151>
Badalo (2014, p. 54), após milhares de soldados perderem a visão por gás venenoso,
o médico alemão, Dr. Gerhard Stalling, caminhava com um paciente e o
seu cão pelo jardim do hospital, o doutor precisou se ausentar por alguns instantes
e, ao retornar, percebeu que o cão havia conduzido o paciente com destreza.
Assim,
em 1916, Stalling, abriu a primeira escola de cães-guia.
No Brasil a Lei n.o 11.126, de 27 de junho de 2005, "Dispõe sobre o direito
do portador de deficiência visual de ingressar e permanecer em ambientes de
uso coletivo acompanhado de cão-guia". Ou seja, a PCDV tem o direito de permanecer
em locais públicos ou privados na companhia do seu cão-guia, sejam eles:
restaurantes, metrô, táxi, supermercado, museu, cinema, shopping...
Neste texto optamos por apresentar um breve histórico, as leis que versam
sobre o cão-guia, contar um pouco sobre o surgimento das escolas de treinamento,
as raças de cães, como ocorre o processo de treinamento e algumas
curiosidades. Nosso intuito é dar maior visibilidade e acesso a informações que
despertam o interesse tanto de futuros usuários/tutores, familiares e profissionais
da área de educação e afins.
2. As escolas de cães-guia no
Brasil
No ano de 2000, foi fundada a primeira escola para cães-guia no Brasil,
Escola de Cães Guias Helen Keller, inicialmente em Florianópolis-SC, e em 2008
transferida para Balneário Camboriú-SC.
Com o passar dos anos, outras instituições privadas e/ou sem fins lucrativos
começaram a treinar cães-guia como: Instituto IRIS (2002, São Paulo-SP), Instituto Magnus Cão-guia (2018, Pirapora-SP).
No âmbito do poder público, o Instituto Federal Catarinense, Campus
Camboriú (IFC-CAM), foi o pioneiro na criação de um Curso para Treinadores e
Instrutores de Cães-Guia da América Latina. De acordo com Souza (2019), no de
2011, o "Projeto Cães-Guia" tornou-se uma das 10 ações prioritárias do Plano
Nacional de Direito das Pessoas com Deficiência, denominado "Viver sem limites",
pelo Decreto 7.612/2011 (BRASIL, 2011).
Souza (2019) relata que houve interesse em desdobrar o "Projeto Cão-
Guia" pelas outras quatro regiões do País, e foi lançado o Edital de adesão aos
<152>
IFs de Manaus/Amazonas (IFAM), Limoeiro do Norte/Ceará (IFCE), Urutaí/Goiás
(IFGOIANO), Alegre/Espírito Santo (IFES), Muzambinho/Minas Gerais
(IFSULDEMINAS) e São Cristóvão/Sergipe (IFS), que seriam as próximas instituições
a ofertar o Curso para Treinadores e Instrutores de Cães-Guia.
Infelizmente, alguns institutos federais precisaram encerrar seus projetos,
atualmente (2022) apenas dois seguem em funcionamento: Instituto Federal
Catarinense, Campus Camboriú, e o Instituto Federal Goiano. No que diz
respeito às Organizações não governamentais (ONGs), as que estão realizando
esse trabalho são Instituto Magnus (SP), Instituto IRIS (SP) e Instituto Helen
Keller (SC), que atuam com algumas dificuldades, principalmente no que tangem
a patrocínio, profissionais com formação técnica especializada e até mesmo a
famílias socializadoras, mas em funcionamento e devidamente registradas. Aqui
estamos nos restringindo a citar os institutos e organizações que já entregaram
cães-guia a usuários/tutores.
3. As raças
Os cães têm grande vínculo afetivo com o ser humano, por isso a escolha
das raças para um cão se tornar guia é relacionada ao seu comportamento,
com preferência por cães considerados de temperamento dócil e de médio ou
grande porte. Por isso as raças mais utilizadas são: Retriever Labrador, Golden
Retriever, Flat-Coated Retriever e Pastor Alemão, este último mais comum nos
EUA e Europa.
4. O processo de treinamento
O período de treinamento de um cão-guia é de aproximadamente um ano e
meio a dois anos. Com aproximadamente dois meses de vida o cão é confiado a
uma família socializadora ou voluntária. A família socializadora é responsável pelas
primeiras experiências do cão com outras pessoas e ambientes diversos por um
período de um ano. O segundo ano é destinado ao treinamento específico por um
profissional formado, que irá passar as técnicas para executar a tarefa de guiar,
tais como o de atravessar a rua e desviar de obstáculos. Esse profissional deve ter
formação específica tanto em adestramento de cães-guia quanto ser instrutor de
<153>
orientação e mobilidade. É interessante informar, também, que nem todos os
cães poderão se tornar aptos a serem cães-guia.
Figura 124. Treinador passeia
com cão-guia.
Descrição: George caminha com um labrador amarelo, atravessando uma rua na faixa de pedestres,
segurando o equipamento com a mão esquerda.
Fonte: Instituto Magnus, 2016.
A última fase desse processo é a adaptação da pessoa com deficiência
visual e o cão-guia. A PCDV deve dominar as técnicas de orientação e mobilidade,
caminhar com habilidade utilizando a bengala. A escolha da parceria se dá
por compatibilidade de perfil. Por exemplo, cães agitados são indicados para
PCDVs com uma rotina intensa, com muitas atividades ao longo do dia, e cães
mais tranquilos são indicados para PCDVs com uma rotina mais leve, sem muitos
compromissos diários. Somado a isso, são traçados perfis de acordo com a idade
dos usuários, profissão, se moram em casa ou apartamento, entre outras características.
Estima-se que o cão-guia faça um excelente trabalho por volta de oito
anos, podendo ser um pouco de mais ou menos tempo. Após esse período,
recomenda-se a aposentadoria por fatores que interferem na qualidade de vida
do cão, desde questões de saúde e bem-estar até aspectos
comportamentais.
<154>
Assim esse cão-guia torna-se um pet (mascote da família) e a pessoa com
deficiência visual pode adquirir um novo parceiro para cão-guia caso deseje.
5. Orientações de como lidar com
um cão-guia
Podemos dizer que é quase um ato involuntário, para muitas pessoas,
acarinhar um cão dócil
quando passamos por ele, contudo, quando este é um
cão-guia precisamos ter muito cuidado com essa ação, afinal ele provavelmente
estará trabalhando.
Elencamos doze orientações básicas de como lidar com um cão-
-guia. São elas:
1. Não chame a atenção do cão-guia. É importante lembrar que ele está trabalhando
e não se encontra na posição de um bichinho de estimação naquele
momento;
2. Não o toque e nem o acaricie enquanto ele estiver usando o peitoral com alça
de trabalho. O animal pode se distrair e acabar causando algum acidente com
a pessoa com deficiência visual;
3. É preciso que os tutores de cães de estimação controlem seus animais, utilizem
coleiras e, de preferência, fiquem afastados dos cães-guias. Caso contrário,
ele poderá acabar perdendo o foco de sua atividade principal;
4. Nunca ofereça alimentos ao cão-guia. Ele tem horário certo para comer e
certamente estará bem alimentado pelo seu tutor;
5. Fale sempre com a pessoa com deficiência visual primeiro e nunca diretamente
com o cão-
-guia. Já que ele sabe que alguém poderá distraí-lo, e só permitirá
a intervenção caso o cão não esteja a trabalho;
6. Caso alguma pessoa com deficiência visual peça ajuda, o ideal é aproximar-se
pelo lado direito dela, de maneira que seu cão-guia fique à esquerda;
7. Se porventura a pessoa com deficiência visual aceitar ajuda, ela irá pedir para
que você ofereça seu cotovelo esquerdo. Neste caso, usará um comando para
indicar ao cão-guia que ele estará temporariamente fora de serviço;
8. Ao passar informações para a pessoa com deficiência visual, é preciso indicar
com clareza o sentido em que se deve dobrar ou seguir para chegar ao local,
assim ele poderá passar a rota ao cão;
<155>
9. Não pegue o braço de uma pessoa com deficiência visual que está acompanhado
de um cão-guia, sem antes conversar. Muito menos toque na guia do
animal, pois esta é só para uso do seu tutor;
10. O cão-guia foi treinado e está habituado a viajar dentro e fora do país, em
todos os meios de transporte, acomodado aos pés do seu tutor, sem atrapalhar
os passageiros;
11. Os cães-guia são capacitados para entrar e permanecer junto aos seus tutores
em todos os tipos de estabelecimentos -- como os de saúde e também
em lojas, restaurantes, supermercados, cafeterias, cinemas, teatros, centros
de estudo ou trabalho -- sem causar alterações no
funcionamento dos locais
e nem incomodar os funcionários ou o público;
12. Devido ao treinamento que recebem, os cães-guias estão capacitados para
exercer suas funções e nunca vagam pelos recintos. Eles têm o mesmo direito
de gozar de livre acesso a todos os locais públicos como seus tutores.
Essas orientações têm por objetivo esclarecer o papel que o cão-
-guia desempenha
e o de seu tutor, pois caso seja necessário a PCDV irá tomar uma atitude
que pode parecer rude, mas necessária para sua segurança e de seu parceiro.
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Referências
-- B
BADALO, Carla Alexandra de
Oliveira. *O papel do cão-guia como facilitador da
inclusão da pessoa cega na sociedade*:
mobilidade, segurança, interação
social e qualidade de vida, 2014. Dissertação (Mestrado em
Reabilitação, na especialidade de Deficiência Visual) -- Faculdade de
Motricidade Humana, Universidade de
Lisboa, Portugal, 2014.
Disponível em:
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Acesso em: 4 maio 2020.
BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. *Lei n.o 11.126, de 27 de junho de
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permanecer em ambientes de uso coletivo acompanhado de cão-guia. Brasília,
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<156>
BRASIL. Presidência da Repú-
blica. *Lei n.o 13.146, de 6 de julho de
2015(a)*. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da
Pessoa com Deficiência). Brasília, DF: Presidência da República, 2015.
Disponível em: ~,www.~
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-- S
SOUZA, Márcia Santos de *et al*. (org.). *Cães-guia no Brasil*: primeiros estudos.
Rio de Janeiro: Letra Capital, 2019.
õxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxo
Fim da Obra
Transcrição: Jorge Frazão
Coordenação de revisão: Geni
Pinto de Abreu
Revisão: Abel Ricardo
Produção: Instituto
Benjamin Constant
Ano: 2023
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Distribuição gratuita de acordo com a Lei n.o 9.610, de 19/02/1998, art. 46, inciso I, alínea *d*.