Estimulação Precoce na Temática da Deficiência Visual Coleção Caminhos e Saberes Maria Rita Campello Rodrigues Gabrielle de Oliveira Camacho Luciana Teixeira Bernardo Márcia de Lourdes Carvalho de Oliveira Patricia Soares de Pinho Gonçalves Impressão braille em volume único, na diagramação de 28 linhas por 34 caracteres. Volume Único Ministério da Educação Instituto Benjamin Constant Av. Pasteur, 350/368 - Urca CEP: 22290-250 - Rio de Janeiro - RJ - Brasil Tel.: 55 21 3478-4458 E-mail: ~,dpp@ibc.gov.br~,

Governo Federal Presidência da República Jair Messias Bolsonaro Ministério da Educação Victor Godoy Veiga Instituto Benjamin Constant João Ricardo Melo Figueiredo Departamento de Pós-graduação, Pesquisa e Extensão Elise de Melo Borba Ferreira Divisão de Pós-graduação e Pesquisa Luiz Paulo da Silva Braga

Copyright êCã Instituto Benjamin Constant, 2022 Todos os direitos reservados. É permitida a reprodução parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte e que não seja para venda ou qualquer fim comercial. A responsabilidade pelo conteúdo e pelos direitos autorais de textos e imagens desta obra é dos autores. Capa e diagramação Wanderlei Pinto da Motta Copidesque e revisão geral Laize Santos de Oliveira Marcela da Silva Abrantes 1) Sistema Braille: simbologia básica aplicada à Língua Portuguesa 2) Técnicas de Cálculo e Didática do Soroban – metodologia: menor valor relativo

3) Manual de Adaptação de Textos Para o Sistema Braille 4) Técnicas de Cálculo e Didática do Soroban – metodologia: maior valor relativo 5) Transcrição e Impressão Braille no Programa Braille Fácil 6) Manual de Produção do Livro Falado 7) Rompendo barreiras: guia prático de Orientação e Mobilidade do IBC 8) Estimulação precoce na temática da deficiência visual Organização da coleção: Até o n.o 5: Jeane Gameiro Miragaya A partir do n.o 6: Gabrielle de Oliveira Camacho R696e RODRIGUES, Maria Rita Campello Estimulação precoce na temática da deficiência visual [recurso eletrônico] / Maria Rita C. Rodrigues... [et al]. – Rio de Janeiro : Instituto Benjamin Constant, 2022. Arquivo digital; PDF; 678 kb (Série: Caminhos e Saberes) ISBN: 978-65-00-60907-3 1. Inclusão. 2. Orientação e mobilidade. 3. Deficiente visual. I. Título. II. CAMACHO, Gabrielle de O. III. BERNARDO, Luciana T. IV. OLIVEIRA, Márcia de L. C. de. V. GONÇALVES, Patrícia S. de P. CDD–362`.41

Ficha Elaborada por Edilmar Alcantara dos S. Junior. CRB/7: 6872

Sumário Apresentação da Coleção :::: 1 1 -- Introdução :::::::::::: 5 2 -- Deficiência Visual (DV) ::::::::::::::::::: 9 3 -- Estimulação Precoce ::::::::::::::::::: 17 3.1 -- A importância da visão no desenvolvimento neuropsicomotor :::::::::::: 19 3.2 -- O desenvolvimento neuropsicomotor da criança :::::::::::::::::::: 27 3.3 -- Fatores que interferem no desenvolvimento da criança :::::::::::::::::::: 31 3.4 -- Deficiência visual e sua interferência no desenvolvimento da motricidade :::::::::::::::: 37 3.4.1 -- Falta de motivação para a mobilidade (passividade) :::::::::::: 37

3.4.2 -- Restrição à orientação e domínio do espaço e às noções espaçotemporais :::::::::::: 47 3.5 -- Relação entre a deficiência visual e a linguagem :::::::::::::::::: 53 3.6 -- A parceria da família :::::::::::::::::::: 55 Considerações finais :::::::: 57 Referências ::::::::::::::::: 61 Notas de Rodapé :::::::::::: 69 <5> Apresentação da Coleção O Instituto Benjamin Constant (IBC), desde 1947, promove cursos de Formação Continuada na área da deficiência visual e, desta forma, capacita profissionais para atuarem com esse público. Durante esse período, ampliamos a nossa atuação e hoje oferecemos oficinas e cursos de curta duração e de aperfeiçoamento em diversas temáticas da deficiência visual, sempre com o objetivo de disseminar conhecimento, com vistas a contribuir no processo de inclusão educacional e/ou social da pessoa cega, com baixa visão ou surdocega. Nesses eventos são utilizados diferentes recursos pedagógicos – entre eles apostilas, artigos e

textos acadêmicos –, desenvolvidos pelos profissionais que atuam ou já atuaram no IBC. A fim de possibilitar o amplo acesso a esse conhecimento para professores, pesquisadores, estudantes e diversos profissionais da sociedade civil – uma vez tendo sistematizado métodos, técnicas e materiais de ensino utilizados nos eventos de formação –, o IBC passa a publicar os seus materiais a partir de 2019. É importante lembrar que as publicações são materiais utilizados por nossos professores nos cursos e oficinas realizados pelo IBC, sendo instrumentos de apoio em sala de aula. Convidamos todos a conhecer a programação de cursos de Formação Continuada disponível no site da instituição. Esperamos que a presente publicação contribua para a prática dos

profissionais que atuam na área da deficiência visual. Elise de Melo Borba Ferreira Jeane Gameiro Miragaya Valéria Rocha Conde Aljan õoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõo <6>

1 -- Introdução A gestação, de modo geral, confere grande expectativa nos planos do casal, seja de forma planejada ou não. Os anseios do filho ideal, dito pelo senso comum como “normal ou perfeito”, com as características físicas, cor dos olhos, tipo de cabelo, formato do rosto, do nariz e as semelhanças genéticas, passam pelo imaginário dos pais desde quando aguardam a chegada do bebê. Tal idealização dos pais sobre os filhos perpassa não só todas as possíveis combinações de códigos da árvore genealógica de seus ancestrais, mas também por expectativas de sucesso e muitos medos até chegar o momento tão esperado: o nascimento. Porém, quando algo diferente do desejado nos surpreende, o que será que acontece? Será que esses pais se prepararam para receber o bebê com características que diferem dos anseios e expectativas do período gestacional? E agora? Nesse sentido, a presente obra referente ao Curso de Capacitação em Educação Precoce na temática da Deficiência Visual do Instituto Benjamin Constant tem o propósito de apresentar alguns apontamentos, sob um viés pedagógico, acerca das especificidades do diagnóstico da cegueira e da baixa visão em crianças, entre o nascimento e os 4 anos de idade, além de suscitar aos leitores reflexões e, sobretudo, oportunizar a multiplicação de saberes da referida temática para que mais crianças com deficiência visual possam ser assistidas. O contexto desse material é fruto de experiências de professores especializados, cursos ministrados e bibliografia na temática da Deficiência Visual. Tais referências nos estimularam a estudar, pesquisar e acreditar mais em todas as possibilidades que o desenvolvimento infantil possui, inclusive os aspectos inesperados que possam nos surpreender. Para tanto, iniciaremos conversando um pouco sobre a deficiência visual, depois passaremos à conceituação da Estimulação Precoce sob o viés pedagógico e sua importância para o desenvolvimento da criança com deficiência visual. Em seguida, abordaremos alguns aspectos do desenvolvimento infantil; e, por fim, destacaremos a importância da participação da família no processo de desenvolvimento da criança na primeira infância. Boa leitura! õoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõo <7>

2 -- Deficiência Visual (DV) Segundo dados da OMS (2021), no mundo, existem pelo menos 2,2 milhões de pessoas com alguma deficiência visual, e boa parte dessas pessoas não realiza os tratamentos que poderiam evitar a deficiência. Nesse contexto, Avila, Alves e Nishi (2015) definem a deficiência visual como uma perda total ou significativa da visão em ambos os olhos, depois de terminadas todas as possibilidades de correção. Em consonância com esses autores, Soares descreve que: Atualmente, a Organização Mundial de Saúde utiliza duas classificações de referência para descrição dos estados de saúde: a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (referência atual -- CID 10) que fornece códigos relativos à classificação de doenças e problemas relacionados à saúde; e a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), que classifica a funcionalidade e a incapacidade associadas aos estados de saúde. O CID-10 e o CIF são complementares e em conjunto conseguem fornecer uma visão mais ampla e mais significativa da saúde das pessoas (SOARES, 2019, p. 3). Para definirmos o que é Deficiência Visual levaremos em consideração dois parâmetros de avaliação: a acuidade visual (1) e o campo visual (2). Assim, para fins legais, no Brasil, § 1º Considera-se pessoa com deficiência visual aquela que apresenta baixa visão ou ce- gueira. § 2º Considera-se baixa visão ou visão subnormal, quando o valor da acuidade visual corrigida no melhor olho é menor do que 0,3 e maior ou igual a 0,05 ou seu campo visual é menor do que 20° no melhor olho com a melhor correção óptica (categorias 1 e 2 de graus de comprometimento visual do CID 10) e considera-se cegueira quando esses valores encontram-se abaixo de 0,05 ou o campo visual menor do que 10° (categorias 3, 4 e 5 do CID 10) (BRASIL, 2008, p. 129). <8> Para o Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), de acordo com o conceito legal de cegueira, as pessoas cegas não são só aquelas que são incapazes de ver, mas também aquelas que possuem um prejuízo na visão “em níveis incapacitantes para o exercício de tarefas rotineiras, apesar de possuírem certos graus de visão residual” (OTTAIANO *et al*., 2019, p. 10). Logo, pessoas com “cegueira legal” podem perceber vultos, luzes, cores e precisam estar muito próximas para distinguir objetos. A cegueira total ou amaurose é a perda total da visão em que não há nem percepção luminosa. A pessoa com baixa visão pode apresentar graus de visão residual que compreendem um espectro de possibilidades e maneiras de enxergar entre a cegueira e a visão normal. Certo é que a baixa visão consiste em perda severa da visão que não pode ser corrigida por tratamento clínico ou cirúrgico, nem mesmo com óculos convencionais. Nesse caso, existe uma importante redução da capacidade visual que causa um déficit funcional e redução do desempenho para determinadas atividades (RODRIGUES, 2008). De acordo com a etiologia da deficiência visual, sua origem pode ser: infecciosa (toxoplasmose, rubéola e citomegalovirose, dentre outras); genética (glaucoma, albinismo, retinose pigmentar, algumas síndromes, entre outras); além de origens diversas, como a malformação congênita ocular, atrofia óptica, retinopatia da prematuridade, coloboma, dentre outras. Temos percebido em nossas experiências que os casos de retinopatia da prematuridade (graus IV e V) têm sido muito frequentes nos serviços de Estimulação Precoce, pois com o avanço da medicina muitos progressos têm se obtido pela manutenção da vida de crianças prematuras, muitas vezes deixando, entretanto, sequelas visuais irreversíveis. Outro aspecto fundamental consiste na época da vida em que a deficiência visual se instala, podendo ser congênita (quando a criança nasce com ela ou se manifesta logo nos primeiros dias de vida) ou adquirida (após os primeiros meses de vida). O fato de se ter enxergado, a memória do que foi visto e as estruturas cerebrais formadas e estabelecidas após a experiência da visão podem influenciar sobremaneira o desenvolvimento da criança com deficiência visual. <9> Precisamos ressaltar que tanto a cegueira quanto a baixa visão devem ser diagnosticadas por especialistas em doenças oculares — os oftalmologistas. Além da avaliação clínica, realizada pelo médico, é indicada a avaliação funcional da visão, que pode ser realizada por outros profissionais, como professores e terapeutas também especializados na temática da deficiência visual. A avaliação funcional busca perceber como a criança utiliza funcionalmente o seu resíduo visual em atividades de vida diária. Alguns sinais de alarme podem chamar a atenção do professor, como o desvio ocular, a não fixação dos olhos (nistagmo), a aproximação exagerada dos objetos aos olhos, esbarrar e/ou cair com frequência. Quando isso ocorre, é necessário que o profissional comunique à família para que se proceda o encaminhamento da criança a uma avaliação oftalmológica, pois esses são sinais que podem revelar uma alteração no sentido da visão. õoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõo

3 -- Estimulação Precoce A Estimulação Precoce, segundo o documento *Diretrizes Educacionais sobre Estimulação Precoce*, é definida como: Conjunto dinâmico de atividades e de recursos humanos e ambientais incentivadores que são destinados a proporcionar à criança, nos seus primeiros anos de vida, experiências significativas para alcançar pleno desenvolvimento no seu processo evolutivo (BRASIL, 1995, p. 11). O enfoque pedagógico do serviço de Estimulação Precoce é centrado na potencialidade da criança, no atendimento às necessidades específicas desse indivíduo e na relação com as famílias (BRASIL, 2001). Rodrigues (2008) comenta que, sob o aspecto educativo, é de fundamental importância a detecção precoce da deficiência visual com atenção especial ao desenvolvimento global da criança. Assim, faz- -se necessária a realização de uma avaliação funcional, a fim de se detectar a fase do desenvolvimento global em que a criança se encontra. No caso de ter baixa visão, é importante observar como ela utiliza seu resíduo visual em suas atividades cotidianas. A partir dessa avaliação, são estabelecidas as condutas de estimulação para que essa criança seja atendida em suas especificidades. õoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõo <10>

3.1 -- A importância da visão no desenvolvimento neuropsicomotor A capacidade de ver não é inata, mas se desenvolve com o uso ao longo dos primeiros anos de vida. A visão é uma função aprendida, depende da integridade do sistema visual, da luz e dos estímulos visuais do ambiente a que a criança fica exposta. O desenvolvimento visual ocorre de forma bastante rápida e significativa durante o primeiro ano de vida, permitindo que ao final deste tempo a criança inicie a marcha independente com relativa segurança. Ele se completa por volta dos 6 ou 7 anos de idade por meio dos ajustes mais finos e sutis de nitidez e discriminação. O sentido visual estimula a criança à ação motora, — a agir, através da experimentação, na busca de satisfazer seus instintos, necessidades e desejos. Quando ocorre uma lesão ou impedimento desta função sensorial, o mundo da criança fica restrito, diminuindo suas possibilidades de trocas com o meio, causando, com freqüência, transtornos em seu desenvolvimento (RODRIGUES, 2008, p. 204). Sendo assim, muitas vezes, é necessária uma intervenção para auxiliar a criança a desenvolver a integração dos sentidos (3) remanescentes (4), a fim de que possa desenvolver ao máximo suas potencialidades. Segundo Pérez-Ramos e Pérez-Ramos (1992), grande parte das crianças com Deficiência Visual poderiam ter atrasos minimizados ou até mesmo impedidos nas etapas de desenvolvimento se tivessem sido adotadas condutas esclarecedoras e preventivas para possíveis desordens.

O olhar atento dos familiares e dos profissionais que a acompanham, especialmente nos primeiros anos de vida, é fundamental para que todas as etapas do desenvolvimento ocorram dentro de um padrão de faixa etária, sem destoar tanto com as etapas de desenvolvimento das crianças videntes. <11> A visão é fundamental na localização, compreensão e domínio do espaço; na mobilidade independente; na comunicação não verbal que se estabelece desde os primeiros dias de vida do bebê, entre ele e sua mãe; na relação consigo, com os outros e com o mundo de forma geral. Portanto, o bebê cego precisa de auxílio constante e pistas sensoriais do ambiente para que possa se familiarizar e compreender o que se passa em seu entorno e, assim, desenvolver-se satisfatoriamente (BRUNO, 1993).

Os sentidos exercem papel fundamental nas relações que a criança mantém com o mundo, principalmente no início do seu desenvolvimento, pois, sem dúvida, é aí que se forma o alicerce para todas as aquisições futuras. O uso e a integração dos sentidos recolhem as informações necessárias à aprendizagem e ao planejamento e controle dos movimentos e do comportamento. (RODRIGUES, 2008, p. 204) Serrano (2016) esclarece que a criança desde o seu período uterino já responde às sensações, citando a pressão exercida pelo ventre e a resistência que ele oferece para o seu deslocamento. Ao nascer, o bebê é sobrecarregado por novas experiências, tais como: a gravidade, os diversos sons, as luzes, o toque, os cheiros, entre outros. Essas sensações novas chegam ao cérebro do recém-nascido e o seu primeiro aprendizado é ter de se acostumar e ordená-las de forma que façam sentido. Desse modo, o bebê, nos seus primeiros meses de vida, terá que aprender a regular o seu comportamento a essas sensações. A maior parte das informações recebidas do mundo, chega a partir do sentido da visão e, segundo Serrano (2016), é por esse sentido que a criança reforça os aprendizados oriundos dos demais sentidos. A criança deficiente visual, com pequeno ou nenhum resíduo de visão, receberá menos informações do mundo se comparada à criança vidente (5). Suas experiências tendem a ser menos ricas e diversificadas, podendo apresentar desvios e/ou atrasos em seu desenvolvimento global. Segundo Rodrigues (2002, p. 22), a cegueira afeta, sobremaneira, o desenvolvimento social. Sem a possibilidade de imitação dos modelos calcados nos padrões visuais, torna-se difícil a aquisição e percepção das ex- pressões fisionômicas, gestos e comportamentos tão comuns entre os videntes. <12> A deficiência visual congênita pode interferir na construção da relação mãe-bebê, no desenvolvimento da percepção espaço-temporal, na identificação dos objetos (forma, tamanho, posição e textura), na aquisição das habilidades motoras com tendência a movimentos estereotipados e na percepção das informações a respeito do mundo. Nesse sentido, a criança com deficiência visual severa, de um modo geral, tem o seu desenvolvimento com base em modelos próprios e cria referenciais que não são visuais. Ela percebe e compreende o mundo a partir da estimulação e da integração sensorial (tátil, cinestésica, vestibular, proprioceptiva e auditiva).

O olfato e o paladar se encontram bastante desenvolvidos ao final da terceira semana de vida, tanto na criança cega quanto na vidente, porém, prestam informações limitadas no que se refere às possibilidades motoras e às adaptativas neste período (RODRIGUES, 2008, p. 205). Para Bruno (1993), todas as formas de representação necessitam ser oportunizadas para a criança com deficiência visual. Para isso, tais ações deverão ser motivadoras e estimuladoras a fim de que as crianças realizem movimentos corporais de forma comunicativa. Se a criança apresenta algum resíduo visual, por menor que seja, ele também deve ser estimulado ao máximo. Assim, o cérebro pode receber informações visuais e processá-las, contribuindo para o amadurecimento do sistema visual,

assim como integrá-las aos demais tipos de informações, advindas de outros canais sensoriais. õoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõo <13>

3.2 -- O desenvolvimento neuropsicomotor da criança O desenvolvimento humano se dá a partir do potencial hereditário que a criança traz com ela, dos fatores ambientais, sociais e afetivo-emocionais. O sistema nervoso não está totalmente amadurecido desde o nascimento. Nessa época ele é imaturo e essencialmente plástico, sujeito a modificações. Então, os estímulos ambientais, sociais e afetivos são fundamentais para o desenvolvimento máximo do potencial do sistema nervoso da criança. Desde o nascimento, o bebê se desenvolve concomitantemente em vários aspectos, mas um dos que mais se evidencia é o da motricidade, tanto que, ao final do primeiro ano de vida, a criança geralmente fica em pé e inicia a marcha bípede, típica do ser humano. Pronta para explorar o mundo, ela amplia seus conhecimentos, se relaciona e se adapta gradativamente a ele. O desenvolvimento da motricidade segue uma hierarquia de aquisições e habilidades. Dos reflexos inatos, próprios do recém-nascido, chega aos movimentos voluntários e intencionais dos primeiros anos de vida. Os estímulos são captados pelos sentidos de modo geral: visão, audição, tato, entre outros. Na ausência do sentido visual, as informações do mundo ficam muito restritas, interferindo significativamente no desenvolvimento infantil, sendo necessário um trabalho de apoio à criança e a sua família. Dessa maneira, “o desenvolvimento da motricidade ampla ocorre obedecendo a determinadas etapas numa sequência hierárquica de aquisições que seguem um sentido céfalo-caudal” (RODRIGUES, 2008, p. 216): • Sustentar a cabeça (mais perceptível quando deitada de barriga para baixo) para posteriormente iniciar o movimento de rolar; • Rolar (inicialmente de supino para prono); • Manter-se sentada com apoio, quando assim colocada; • Sentar-se (passar de deitada para sentada com independência); • Arrastar-se; • Ficar em quatro apoios, quando assim colocada; • Realizar o movimento de balanceio, movendo-se para frente e para trás repetidas vezes, em quatro apoios; • Manter-se de pé com apoio em móvel baixo, quando assim colocada; • “Engatinhar”; • Pôr-se de pé com auxílio dos braços (apoio) - levantar-se; • Realizar a marcha lateral com apoio; • Ficar de pé momentaneamente sem apoio;

• Alcançar a marcha para frente (inicialmente com a base alargada), independente, própria do ser humano. õoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõo <14>

3.3 -- Fatores que interferem no desenvolvimento da criança: A criança vidente sente-se atraída pelo brinquedo e este aguça a sua curiosidade. Ela quer tocá-lo, explorá-lo e esforça-se para alcançá-lo com as mãos e/ou com movimentos do corpo todo. Rodrigues (2008) sublinha que a criança com grave deficiência visual não encontra a *motivação* necessária à promoção do seu deslocamento no espaço, mantendo, com frequência, uma atitude passiva diante das situações. Como não pode ver o objeto, não vai buscá-lo, tende a ficar imóvel diante dele, sem percebê-lo. Ela depende de que os objetos lhe cheguem às mãos. Dessa forma, a iniciativa para o movimento voluntário e intencional fica bastante prejudicada, podendo atrasar todo o desenvolvimento da criança. Sendo assim, torna-se fundamental o estímulo por parte de quem cuida dela. Quanto mais experiências e estímulos, menor impacto a deficiência visual terá na vida da criança. A *imitação* é um outro fator considerado relevante no processo de desenvolvimento e aprendizagem da criança. No início do desenvolvimento, a aprendizagem é essencialmente imitativa. A visão fornece os meios necessários à imitação dos movimentos corporais e, também, o modelo que serve de referência para as mais variadas atitudes. Assim como ocorrem perdas no processo motivacional da criança com deficiência visual, a imitação também fica prejudicada. Dessa forma, como ela não consegue imitar visualmente, pode tender a uma atitude passiva diante das situações. Para a criança compreender o movimento, é necessário que ele seja realizado junto com ela, “corporalmente” e com explicações, pois os fatos mais simples e cotidianos não podem ser percebidos naturalmente, como acontece com a criança que vê. A criança deficiente visual frequentemente cria movimentos próprios, que acabam por se transformar em *estereotipias*. Tais movimentos, como não são socialmente conhecidos e aceitos, podem estigmatizar o deficiente, reforçando preconceitos. Os comportamentos autoestimulatórios ou estereotipados, de balanceio da cabeça e do corpo, sacudimento das mãos, o pressionar ou esfregar dos olhos e movimentos pendulares do corpo em bloco são alguns exemplos de intercorrências provenientes da deficiência visual (SILBERMAN; BRUCE; NELSON, 2004). <15> Portanto, oportunizar estímulos à criança com deficiência visual, pode impedir que ela se isole e volte-se para si, tornando-se introspectiva e apresentando um comportamento muitas vezes associado com os das crianças com características do espectro autista.

Fonseca (1998) destaca que o desenvolvimento de estruturas motoras precede a maturidade das estruturas mentais. Assim, a motricidade é percebida como a mola propulsora para o amadurecimento cognitivo do bebê. A aquisição de conceitos das crianças com privação visual (parcial ou total) requer a utilização dos sentidos remanescentes para a compreensão do seu entorno (objetos, situações, entre outros). De modo geral, a aquisição de conceitos pelas pessoas com deficiência visual é conquistada inicialmente pelo sentido tátil e pela apropriação do concreto. Para essa aquisição acontecer, é necessário um amadurecimento das estruturas motoras que geram os alicerces para essas aprendizagens. Assim, a aquisição dos conceitos como discriminação, classificação, forma, tamanho, comprimento e largura estão intimamente dependentes do amadurecimento motor e,

progressivamente, do cognitivo da criança. Desordens motoras e cognitivas podem comprometer as crianças com deficiência visual na primeira infância – quando é construída a base da assimilação dos conceitos –, podendo afetar, assim, o seu desenvolvimento global e a sua interação com o meio. õoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõo <15>

3.4 -- Deficiência visual e sua interferência no desenvolvimento da motricidade 3.4.1 -- Falta de motivação para a mobilidade (passividade): O movimento é a base para a organização física, psíquica, mental e social do homem (FONSECA, 1998). O movimento pressupõe um objetivo, algo a ser alcançado. A impossibilidade de ver o que se passa à sua volta e a consequente falta de motivação para tomar iniciativa de alcançar objetos, que não podem ser vistos, com frequência podem tornar a criança com deficiência visual passiva e dependente. Quando um objeto cai de suas mãos, não busca recuperá-lo, pois não sabe da existência dessa possibilidade. Só adquire mais tardiamente essa <16> noção, conceituada por Piaget de “noção da

permanência dos objetos” (RODRIGUES, 2008). <16> O desenvolvimento motor em si não é mais lento nas crianças com deficiência visual. A motivação para o deslocamento é que se desenvolve num ritmo diferente, em função da carência da entrada de informações visuais, e acaba por tornar a aquisição dessa habilidade mais demorada. Se a criança tiver baixa visão, podem-se utilizar estímulos visuais, desde que compatíveis com sua capacidade visual. Se for cega, é importante que haja estímulos sonoros como brinquedos com sons interessantes e que tenham significado para ela, a voz dos responsáveis acompanhada da sua presença, por exemplo, é um excelente estímulo. Como a orientação pelo som só ocorre mais tarde, pois leva mais tempo para compreender o seu significado, a criança com deficiência visual pode ter um atraso no seu desenvolvimento motor inicial (sustentação da cabeça, extensão do tronco, rolar, sentar, entre outros). É importante que essa criança, bem pequena ou que ainda não adquiriu a postura sentada, não fique apenas em uma mesma posição (no colo do adulto ou deitada no berço, por exemplo). É necessário que ela experimente, vivencie outras possibilidades de posicionamento de seu corpo. Para isso, a calça sensorial (6) é bastante indicada, pois pode-se colocar a criança em várias posições. O item acomoda bem a criança, criando um espaço protegido e seguro. A postura sentada é uma conquista da criança a partir do momento em que ela ganha a possibilidade de experimentá-la. O mundo visto dessa forma ganha nova dimensão e a criança que vê sente-se estimulada a ficar cada vez mais tempo sentada. A criança com deficiência visual, não tendo acesso a essa nova dimensão, necessita, na maioria das vezes, de atenção especial. Ela precisa ser colocada nessa postura para que aos poucos ganhe equilíbrio e possa mantê-la cada vez mais (RODRIGUES, 2008). <17> A marcha é sem dúvida uma das mais importantes aquisições motoras. Ela permite ao sujeito ampliar seus conhecimentos e conquistar seu espaço. A marcha independente permite à criança explorar o mundo, aumentar significativamente suas experiências e seu aprendizado, e tomar novos rumos. Telford e Sawrey (1977) afirmam ser a marcha independente uma das aquisições mais difíceis para a criança cega. Nesse processo, a marcha lateral é imediatamente anterior à marcha frontal. Logo, pode-se estimular a criança com deficiência visual a rodear móveis baixos ou a realizar a marcha lateral com apoio em uma barra comprida de suporte presa à parede.

Confirmando essa perspectiva, Rodrigues (2005) aponta que Fraiberg, em sua pesquisa com crianças americanas cegas congênitas, concluiu que a maior dificuldade encontrada pela criança cega ou com baixa visão acentuada quanto à mobilidade está no movimento que requer mudanças de postura (deitada para sentada; sentada para a de quatro apoios; de quatro apoios para a de pé e desta para a marcha) e naqueles iniciados por autodeterminação. Então, podemos dizer que as principais razões para a baixa atividade motora da criança com deficiência visual nos primeiros meses de vida são: a impossibilidade de usar a visão como fonte de estímulo para o movimento; a escassez de oportunidade para experimentar os movimentos do corpo no espaço; o excesso de cuidados por parte da família limitando suas experiências; o medo do desconhecido; a falta de confiança em si mesma e a impossibilidade de imitar o movimento das pessoas a sua volta. Rodrigues destaca que as habilidades motoras finas, principalmente as referentes ao uso das mãos e aos dedos, ficam seriamente prejudicadas na criança DV. A visão é antecipatória. Ela antecipa a ação, orientando e direcionando o comportamento das mãos quando um objeto é apresentado para ser tocado. A visão guia a apreensão e aumenta a atividade das mãos. A criança cega não pode antecipar a conduta das mãos e juntá-las na linha média ou mediana do corpo (7): é preciso ser alertada auditivamente e pelo toque que o objeto se encontra em seu campo tátil de ação, podendo coordenar o esquema audição-preensão (RODRIGUES, 2008, p. 224). <18> A autora ressalta ainda que é a partir da linha média que se dá a organização dos movimentos corporais e a coordenação do uso das mãos para realizar atividades como manusear objetos, comer, escovar dentes, ler, escrever, entre outras. Algumas crianças cegas congênitas, por não serem estimuladas, podem não atingir o uso coordenado das mãos, necessitando de auxílio para o desenvolvimento dessa habilidade, principalmente no que diz respeito à coordenação motora fina (ex.: movimento de pinça). Como a visão é fundamental para o desenvolvimento da coordenação e uso das mãos, deve ser estimulada o quanto antes na criança com baixa visão. Já no caso da criança cega, nos primeiros anos de vida, o interesse em manusear e explorar objetos e brinquedos com as mãos fica muito reduzido pela ausência da visão. Nessas crianças, mesmo quando bem estimuladas, a coordenação ouvido-mão geralmente não se estabelece antes do primeiro ano de vida. Só a partir dessa aquisição, a criança é capaz de realizar o movimento de alcance das mãos dirigido a um som específico, de seu interesse, sendo necessário que a criança inicialmente dê significado ao som, associando-o ao objeto tocado por ela. Rodrigues (2008, p. 226-227) afirma também que: as mãos são preciosas ferramentas para o aprendizado da criança DV. Elas devem ser estimuladas desde cedo. As habilidades táteis manuais dependem dos contatos, manuseios e exploração de uma vasta gama de materiais de tex- turas, temperaturas e consistências diversificadas. Algumas experiências são agradáveis e interessantes, outras nem tanto, mas, diferentes e contrastantes. Inicialmente, o tamanho dos objetos e brinquedos oferecidos à criança deve ser adequado às possibilidades de manuseio e exploração com as duas mãos juntas. Objetos muito grandes dificultam a apreensão do “todo”. O sentido tátil-cinestésico predomina quando o objeto se encontra em suas mãos. Com relação à coordenação motora, a criança com deficiência visual com baixo ou nenhum resíduo de visão normalmente possui um déficit em relação à criança sem deficiência. Isso ocorre pela falta de retroalimentação visual, pois, sem ver o resultado de seus movimentos, ela acaba por se desestimular, mantendo-se em uma postura passiva. É muito importante a mediação do adulto, possibilitando, dessa forma, a execução adequada das ações. õoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõo <19>

3.4.2 -- Restrição à orientação e domínio do espaço e às noções espaço-temporais Rodrigues (2008) aponta que a orientação espacial é uma das principais dificuldades encontradas pela criança com deficiência visual no início do seu desenvolvimento psicomotor. A mobilidade tem relação direta com a orientação espacial, que é motivada por uma intenção, um objetivo a ser atingido. Associada a isso, de forma diferenciada da visão central, a visão periférica permite a compreensão e o domínio do espaço. Portanto, a criança com importante alteração de campo visual ou cega precisa estabelecer pontos de referência para que a orientação espacial e a mobilidade alcancem o êxito desejado. Ela constrói um mapa mental do espaço a partir das experiências táteis cinestésicas, das pistas sensoriais e dos pontos de referência do ambiente eleitos por ela. Isso permite que ela se localize, se sinta segura. Merleau-Ponty (*apud* MASINI, 1994, p. 85) destaca: “o espaço é originariamente corporal e só tem sentido derivado da experiência”. Sendo assim, ”a criança que não sabe usar o corpo e não domina seus movimentos terá um mundo restrito e dificuldade em se sentir segura no ambiente” (RODRIGUES, 2008, p. 228-229). O espaço não é naturalmente evidente para a criança com deficiência visual. Bueno (2003) ressaltou que ela precisa de experiências corporais, com auxílio de mediação, para adquirir as noções espaciais. Nessa perspectiva, vale frisar que um dos primeiros espaços conquistados pela criança é aquele formado pelo alcance de suas mãos, especialmente para a criança cega. Com a aquisição da marcha independente, o espaço da criança se amplia consideravelmente: ela capta distâncias, direções e estabelece pontos de referência, inicialmente em relação ao seu próprio corpo. A criança DV só conseguirá ter as primeiras noções de espaço quando seu desenvolvimento motor permitir que ela o transponha. O inconsistente interesse pelo mundo e as noções de distância percorridas se iniciam a partir das possibilidades de deslocamento, como o rolar, o arrastar, o engatinhar e o andar (RODRIGUES, 2008, p. 230). <20> Não se pode deixar de admitir que uma boa orientação espacial está intimamente relacionada ao uso adequado da audição, do tato e, mais tarde, da memória cinestésica (do movimento) registrada pelo cérebro a partir das experiências anteriores, assim como ao planejamento das ações. Além disso, no entanto, para uma boa orientação espacial se faz necessária uma adequada organização corporal, sendo esta fundamental para a criança com deficiência visual. Um desenvolvimento global estruturado contempla as organizações: • motora (corporal), que tem como referência a linha média do corpo; • espacial; • temporal e mental (planejamento e memória). A organização espacial está intimamente relacionada à organização temporal (organização espaço-temporal) que é promovida basicamente pelo movimento. Como “nos primeiros anos de vida, todas as crianças, de modo geral, têm restrita noção de tempo” (RODRIGUES, 2008, p. 232), a percepção temporal se estrutura a partir das vivências e rotinas diárias das crianças; as noções de presente, passado e futuro só se evidenciam mais tarde. Quando a criança com deficiência visual não possui essa vivência do corpo no espaço, tende a ficar mais passiva e insegura. Muitas crianças cegas têm dificuldade de adquirir hábitos de sono e vigília coerentes com o dia e a noite. A incapacidade visual, não lhes permite estabelecer a distinção entre claro e escuro, necessitando, portanto, de rotinas mais rigorosas para que adquiram este importante hábito (RODRIGUES, 2008, p. 234). Portanto, a organização motora, espacial e temporal com base nas rotinas e experiências vividas pelo corpo no espaço são os aspectos primordiais para o desenvolvimento global da criança com deficiência visual. õoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõo <21>

3.5 -- Relação entre a deficiência visual e a linguagem Sob a perspectiva sociocultural, Vygotsky (1989) ressalta que o sistema de inter-relação estruturado em redes de significados que se articulam na interação com o outro proporciona a construção coletiva da linguagem, formação de conceitos e melhor compreensão do mundo. A linguagem, especificamente, se constitui pela motricidade, pela ação e aos poucos vai se construindo a partir dos balbucios, do gestual, das primeiras sílabas, palavras e frases. É interessante considerar que geralmente o núcleo familiar é o primeiro a compreender tais manifestações e intenções do bebê e assim as traduzem aos demais. Segundo Bello e Machado (2015), para a construção da linguagem torna-se necessário o envolvimento equilibrado dos seguintes fatores correlacionados: aspectos psíquicos (estímulos afetivos e interação socioafetiva), aspectos biológicos (maturação neurológica, características individuais, atenção e discriminação auditiva/visual), aspectos socioculturais (estímulo ambiental, interação e influências sociais). Rodrigues descreve que “a deficiência não impõe obstáculo para o desenvolvimento da linguagem, mas também não o favorece” (RODRIGUES, 2008, p. 244). No caso da criança com deficiência visual, a redução do acesso às experiências pode acarretar alterações na linguagem como: ecolalia (8), verbalismo (9) e o uso da 3ª pessoa do singular quando estão se referindo a si próprias. õoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõo

3.6 -- A parceria da família Nos programas de Estimulação Precoce, a participação das famílias deve ser valorizada e incentivada, uma vez que são a ponte direta entre os profissionais e a criança. Podemos considerá-las como parceira dos profissionais e, assim, estabelecer com elas uma relação de franqueza e confiança para que as ações resultem em máximo benefício para a criança. O papel da família é fundamental na continuidade e reforço do trabalho realizado, inserindo na rotina doméstica os conceitos desenvolvidos no serviço. <22> Geralmente, os familiares chegam para o atendimento com dúvidas, muitas vezes com uma sensação de “luto” e insegurança. A troca de informações e orientações durante as atividades ajuda as famílias a se sentirem mais confiantes e a perceber todo potencial da criança. Portanto, além dos aspectos biológicos e maturacionais, é de suma importância o vínculo afetivo-emocional estabelecido com o núcleo familiar, de forma a gerar os subsídios necessários para a organização mental e psicossocial da criança. õoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõo

Considerações finais Amiralian (2002) comenta que a aceitação da deficiência visual significa a aceitação da pessoa como ela é, sem o desejo de transformá-la ou até mesmo, de modificá-la para que ela seja aquilo que nós consideramos ser o melhor (BRUNO, 2006, p. 12). O presente trabalho pretendeu informar sobre a importância da estimulação precoce para a criança com deficiência visual, contribuindo com informações referentes ao processo de desenvolvimento da criança cega ou com baixa visão na primeira infância, e os possíveis impactos que a deficiência pode gerar em sua vida. Uma criança que enxerga precisa de estímulos para que seu desenvolvimento ocorra de forma satisfatória, mas o mundo que a cerca se encarrega por fazê-lo, seja pelos cuidados/afeto que recebe da família, seja pelo ambiente colorido e atraente a que, em geral, tem acesso. Sendo assim, não há necessidade de uma atenção especial nesse sentido. A deficiência visual, primariamente, não causa atrasos nem desvios no desenvolvimento da criança, mas, secundariamente, pode acarretá-los. No caso da criança cega ou com baixa visão severa, o fato da impossibilidade ou limitação em imitar visualmente pode atrasar significativamente seu desenvolvimento, sendo necessário que um mediador mostre a ela constantemente o que e como se faz. Muitas vezes, também podem ocorrer desvios em seu desenvolvimento que se verificam nas estereotipias e comportamentos de isolamento. Além disso, a falta de motivação em aprender o que não pode ser visto ou adequadamente visto, pode levar esta criança a se manter passiva e entediada diante das

situações, sem se empenhar em novas atividades e aprendizagens. <23> A família tem papel fundamental como parceira dos profissionais que atuam na estimulação precoce, para que as ações propostas nos atendimentos continuem no âmbito doméstico e social que a criança frequenta. A verdadeira estimulação visual precoce acontece com conhecimento, ação e o mais cedo possível. Diante do que foi exposto, fica clara a necessidade de um trabalho específico direcionado à estimulação das crianças com deficiência visual e de uma orientação e suporte às suas famílias o mais precocemente possível, o que deve ser realizado por uma equipe de profissionais qualificados, de modo a promover um desenvolvimento satisfatório. A Educação na primeira infância é um eterno aprendizado de práticas lúdicas que se consolidam a partir de uma observação cuidadosa e afetuosa de cada criança. Ainda o Brincar é sabiamente estudado com o embasamento teórico, mas a criatividade do professor faz a diferença no planejamento e no desenvolvimento global de todo aluno, e em especial da nossa criança com deficiência visual. Por fim, convidamos os leitores a fazerem os cursos do Instituto Benjamin Constant e terem acesso ao universo das práticas e saberes da criança com deficiência visual. õoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõo

Referências -- A AVILA, Marcos; ALVES, Milton Ruiz; NISHI, Mauro. *As condições de saúde ocular no Brasil – 2015*. São Paulo: Conselho Brasileiro de Oftalmologia, 2015. Disponível em: ~,https:ÿÿwww.nescon.medicina.~ ufmg.brÿbibliotecaÿimagemÿ~ Condicoes{-saude{-ocular{-~ IVtexto14.edicao2015.pdf~, Acesso em: 16 out. 2022. -- B BELLO, Suzelei Faria; MACHADO, Andréa Carla. *Investigação Precoce e o Desenvolvimento da Linguagem em Crianças Pequenas*: Manual e Protocolo. 1. ed. Ribeirão Preto, SP: Book Toy, 2015.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. *Diretrizes educacionais sobre estimulação precoce*: o portador de necessidades educativas especiais. Brasília: MEC: SEESP, 1995. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. *Programa de Capacitação de Recursos Humanos do Ensino Fundamental*: deficiência visual. v. 1. Brasília: MEC: SEESP, 2001. (Série Atualidades Pedagógicas). BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n.o 3.128, de 24 de dezembro de 2008. Define que as Redes Estaduais de Atenção à Pessoa com Deficiência Visual sejam compostas por ações na atenção básica e Serviços de Reabilitação Visual, *Diário Oficial da União*, seção 1, Brasília, ano 145, n. 251, p. 129-133, 26 dez. 2008.

BRUNO, Marilda Moraes Garcia. *Educação infantil*: saberes e práticas da inclusão: dificuldades de comunicação sinalização: deficiência visual. 4. ed. Brasília: MEC: SEESP, 2006. 81p. BRUNO, Marilda Moraes Garcia. *O desenvolvimento integral do portador de deficiência visual*: da intervenção precoce à integração escolar. Apoio: Laramara - Associação Brasileira de Assistência ao Deficiente. São Paulo: Newswork, 1993. BUENO, Salvador Toro. Motricidade e deficiência visual. Capítulo IX. *In*: MARTIN, Manuel Bueno; BUENO, Salvador Toro (coord.). *Deficiência visual*: aspectos psicoevolutivos e educativos. Tradução: Magali Lourdes Pedro. São Paulo: Santos Livraria Editora, 2003.

-- D DIB, Mônica Camasmie. A procura de uma intenção comunicativa na ecolalia: estudo de um caso. *Jornal de Psicanálise*. São Paulo, v. 51, n. 94, p. 213-222, jan.-jun. 2018. -- F FONSECA, Vitor da. *Psicomotricidade*: filogênese, ontogênese e retrogênese. 2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. -- O OTTAIANO, José Augusto Alves *et al*. *As Condições de Saúde Ocular no Brasil – 2019*. São Paulo: Conselho Brasileiro de Oftalmologia, 2019.

-- M MASINI, Elcie F. Salzano. *O perceber e o relacionar-se do deficiente visual*: orientando professores especializados. Brasília: CORDE, 1994. -- P PÉREZ-RAMOS, Aidyl M. Queiroz.; PÉREZ-RAMOS, Juan. Estimulação Precoce: serviços, programas e currículos. Brasília: Ministério da Ação Social: CORDE, 1992. -- R RODRIGUES, Maria Rita Campello. *Estimulação precoce*: a contribuição da psicomotricidade na intervenção fisioterápica como prevenção de

atrasos motores na criança cega congênita nos dois primeiros anos de vida. *Revista Benjamin Constant*, Rio de Janeiro, n. 21, p. 6-22, abr. 2002. RODRIGUES, Maria Rita Campello. *Estimulação precoce*: sua contribuição no desenvolvimento motor e cognitivo da criança cega congênita nos dois primeiros anos de vida. 2005. Dissertação (Mestrado em Ciência da Motricidade Humana) – Universidade Castelo Branco, Rio de Janeiro, 2005. RODRIGUES, Maria Rita Campello. *Psicologia e desenvolvimento da linguagem do deficiente visual*: especialização em educação especial. Rio de Janeiro: MEC: Universidade Aberta do Brasil: Unirio, 2008.

-- S SERRANO, Paula. *A integração Sensorial* – No desenvolvimento e aprendizagem da criança. Lisboa: Papa-Letras, 2016. SILBERMAN, Rosanne; BRUCE, Susan M.; NELSON, Catherine. Children with Sensory Impairments. *In*: ORELOVE, Fred P.; SOBSEY, Dick; SILBERMAN, Rosanne (ed.). *Educating children with multiple disabilities*: a collaborative approach. 4th. ed. Baltimore, MD, United States of America: Paul H. Brookes Publishing Company, 2004. p. 425-475. SOARES, Gabrielle de Oliveira Camacho. *Orientações pedagógicas para o atendimento educacional especializado de crianças com deficiência visual de 0 a 3 anos*: um guia para professores. 2019, 87 f. Dissertação (Mestrado Profissional em Diversidade e Inclusão) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2019. -- T TELFORD, Charles W.; SAWREY, James M. *O indivíduo excepcional*. Tradução: Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: *Livros Técnicos e Científicos*, 1977. -- V VYGOTSKY, Lev. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1989. õoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõoõo

Notas de Rodapé (1) Capacidade de reconhecer determinado objeto a determinada distância (OTTAIANO *et al*., 2019, p. 10). (2) Campo visual é a amplitude da área alcançada pela visão (OTTAIANO *et al*., 2019, p. 10). (3) Integração Sensorial: "processo cerebral que leva à organização e a interpretação da informação que recebemos dos sentidos (equilíbrio, gravidade, posição do corpo, movimento, toque, cheiro, paladar, visão e audição) para que o mundo nos faça sentido e possamos agir sobre ele" (SERRANO, 2016 p. 5). (4) No caso das pessoas com Deficiência Visual, os sentidos remanescentes envolvem as percepções não visuais, como a audição, o tato, a cinestesia, o

olfato, o sentido vestibular e o resíduo visual, quando presente. (5) Termo comumente usado por profissionais que atuam com pessoas com deficiência visual ao se referirem àquelas que não apresentam patologias visuais. (6) A calça sensorial é confeccionada com uma calça comprida grande, com retalhos de lycra, malha, tecido ou flocos de espuma, assemelhando-se a um grande colo. (7) A linha mediana do corpo consiste numa linha imaginária que divide verticalmente o corpo em duas metades simétricas (direita e esquerda) (Rodrigues, 2008, p. 224). (8) "A ecolalia é definida como a repetição de sons, palavras ou frases" (DIB, 2018, p. 213).

(9) "Mera aprendizagem de conceitos verbais carentes de conteúdo experiencial" (BUENO, 2003, p. 93). õxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxo

Transcrição: Diogo Silva Müller Dunley 1ª Revisão: João Eterno