Notícias
HISTÓRIA
135 anos da Proclamação da República: Marco que transformou o Instituto Benjamin Constant
Edifício do Instituto Benjamin Constant (1902). Fotografia em preto e branco do prédio em construção do Instituto Benjamin Constant presente no livro “Les Aveugles au Brésil” de Brasil Silvado (1902, p. 8). Na fotografia, uma linha férrea na vertical sai da borda inferior da imagem em direção a um grande prédio de formato retangular com dois andares e pé direito alto. O edifício possui diversas janelas em ambos os andares, também retangulares e dispostas na horizontal. Em frente ao prédio e nos dois lados da linha férrea, está o mar. Ao fundo, algumas montanhas. (Fonte: SILVADO, Brasil. Les Aveugles au Brésil. Rio de Janeiro: Imprimerie Nationale, 1902. Página 8 – Planche n1)
A chegada da República marcou não somente o fim da monarquia e o início de um sistema presidencialista, mas também introduziu uma série de mudanças na política e sociedade brasileira, como a implementação do federalismo, o sufrágio universal masculino e o movimento de laicização do Estado. Esse foi um período que impulsionou as propostas de industrialização e urbanização, além de ter gerado significativas mudanças no campo educacional do país. Transformações que também afetaram a vida e o ensino das pessoas com deficiência visual que frequentavam o Instituto Benjamin Constant (IBC), chamado, até novembro de 1889, de Imperial Instituto dos Meninos Cegos.
Após a derrubada da monarquia, Benjamin Constant Botelho de Magalhães, professor e militar que foi diretor do Instituto por 20 anos, passou a compor a cúpula da administração pública, assumindo o cargo de Ministro da Guerra e, em abril de 1890, como Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Instrução Pública, Correios e Telégrafos. Ao longo de sua gestão enquanto diretor, Benjamin Constant tentou ampliar e aprimorar o Imperial Instituto dos Meninos Cegos. Chegou a elaborar um projeto para a reorganização do Instituto com propostas de melhorias que visavam, inclusive, a criação de filiais em cada uma das províncias do Império. O projeto, contudo, foi rejeitado e nunca saiu do papel. Quando Benjamin Constant assumiu a pasta da Instrução Pública, articulou-se para executar algumas de suas antigas propostas.
Primeiramente, houve a mudança do nome da instituição que, em 20 de novembro de 1889, perde o “Imperial” e passa a se chamar apenas Instituto dos Meninos Cegos. Em seguida, no dia 17 de maio de 1890, ganharia a denominação de Instituto Nacional dos Cegos e, em 24 de janeiro de 1891, finalmente Instituto Benjamin Constant, em homenagem ao seu terceiro diretor, falecido no mesmo mês. Uma importante transformação, também ocorrida em 1891, foi a vinda do Instituto para o edifício da Urca, na Praia da Saudade. Ocupando o espaço onde a instituição se localiza atualmente, o IBC funcionou com o prédio ainda inacabado, uma vez que estavam de pé apenas as dependências próximas ao que hoje é habitualmente chamado por seus estudantes e servidores de “corredor de madeira”.
O edifício na Urca, maior e mais estruturado, permitia a execução das propostas curriculares e administrativas que estavam em processo. No rol de reformas promovidas pelo Governo Republicano, em 17 de maio de 1890 foi instituído o novo regulamento para o Instituto Nacional dos Cegos, proposta em consonância com a reforma educacional do Distrito Federal, que ocorreria meses mais tarde e que tinha como princípios orientadores a liberdade e laicidade do ensino. Em suas reformas, Benjamin Constant se inspirava nas ideias positivistas e pretendia substituir as disciplinas literárias pelas científicas, rompendo com uma tradição de ensino humanista.
O novo regulamento do Instituto Nacional dos Cegos apresentava uma instituição com a finalidade de ministrar a educação física, moral e cívica, com o estabelecimento de dois cursos: um de instrução literária e um de instrução prático-profissional. O curso literário ofertava não apenas a instrução primária, como era feito antes, passando a também oferecer uma educação secundária completa. Reflexo do positivismo, as cadeiras de religião desaparecem e surgiram a “ginástica apropriada aos cegos de ambos os sexos” e as “lições de cousas” (área própria do ensino intuitivo, metodologia em voga na época) como disciplinas a serem estudadas. O ensino de música vocal e instrumental, tradicional nas propostas de educação para jovens cegos de todo o mundo, foi ampliado e tornou-se obrigatório para todos os alunos e alunas. Por fim, houve ainda a criação de uma classe de Aspirantes ao Magistério, que seria formada por estudantes que tivessem se distinguido ao longo dos cursos e se preparavam para a docência.
A fim de subsidiar a ampliação do ensino, uma Comissão Científica, encabeçada por dois professores cegos do Instituto, viajou para a Europa em agosto de 1890 para visitar os principais estabelecimentos de educação para cegos, estudar sua organização, métodos de ensino profissional, literário e científico, buscando referências e materiais para o Instituto brasileiro. Isso permitiu que o IBC investisse nas artes industrias e ofícios fabris que compunham seu curso prático-profissional. Utilizando os materiais importados e os conhecimentos adquiridos na viagem, até 1900 foram criadas as oficinas de fabrico de escovas, vassouras e espanadores; cartonagem; empalhação e fabrico de cadeiras; e de fabrico de colchões e almofadas. As atividades das oficinas tipográfica e de encadernação, que já estavam estabelecidas no Instituto, também foram aprimoradas com novos equipamentos, com destaque para a aquisição de uma prensa a vapor e do Stereotype-maker, inovação tecnológica criada nos Estados Unidos que agilizava o processo de impressão em braille por meio de composição elaborada e estereotipada sobre chapa de metal.
As oficinas passaram a produzir material, não só para o público interno da instituição, mas para fora, com finalidade comercial. Entre os benefícios trazidos por essa maior atividade técnica, estava a autossuficiência na elaboração de livros e materiais em braille, já que, até então, o Instituto dependia das importações de material em relevo vindo da Europa ou dos Estados Unidos. Um fator que ajudou no crescimento dessa produção foi o aumento do número de estudantes atendidos, oriundos de diferentes regiões do país, que viviam como internos na instituição e atuavam como aprendizes e operários das oficinas. Até 1862, o Instituto não tinha mais que 30 alunos matriculados, na década de 1880 o número se expande para 60 e a partir da década de 1890 ultrapassa a marca dos 100, uma vez que o novo regulamento não estabelecia número fixo de estudantes.
Outro destaque foi a introdução de algumas alunas nas atividades de tipografia e encadernação que, até então, só eram exercidas pelos meninos. O início da República e a virada para o século XX marcaram a ampliação do ensino profissional no Instituto Benjamin Constant, de forma a atingir a sociedade com os produtos elaborados por seus estudantes, experienciando mudanças, ainda que tímidas, em sua estrutura social interna. A presença de alunas em outras atividades profissionais, além dos trabalhos “próprios ao seu sexo”, como os de agulha, franja, crochê e missanga, representou uma conquista para o gênero feminino, que passa a receber uma formação adicional, ampliando as oportunidades de trabalho e as possibilidades de alcançar uma maior independência.
O fim da monarquia abriu caminho para que novos ares soprassem pelo IBC, espaço que vai deixando de ser uma instituição “vitrine”, marcada pelo atendimento à poucos estudantes e que trazia consigo a intenção de mostrar à população e às nações estrangeiras a conquista de valores de civilidade e modernidade, supostamente alcançados pelo Império. A existência de instituições de amparo e educação para as camadas marginalizadas da sociedade, como era o caso das pessoas com deficiência visual, era valorizada por uma elite política e intelectual que abraçava as práticas de caridade e os princípios da filantropia, o que justificava a existência de uma instituição que formava e preparava alguns poucos sujeitos cegos para a vida em sociedade durante a monarquia. Com a República, o IBC, seus funcionários, estudantes e toda a comunidade escolar iniciam uma caminhada na direção de se tornarem um centro de referência na área da deficiência visual, atingindo um público cada vez maior e ofertando experiências de ensino mais diversas e integradas à dinâmica da sociedade.
Texto de Gabriel Bertozzi de Oliveira e Sousa Leão, professor do Departamento de Educação do Instituto Benjamin Constant; historiador e doutor em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais