O Momento Situacional do Concurso Público Nacional Unificado
Equipe SGP/MGI[1]
O Concurso Público Nacional Unificado, anunciado pelo Ministério da Gestão e Inovação de Serviços Públicos em 25 de agosto deste ano, integra o conjunto de medidas que vem sendo debatidas pelo governo federal como alternativas de reconstrução e transformação do Estado, em resposta à proposta de reforma administrativa (PEC 32/2020) que se encontra na Câmara dos Deputados.
A inovação trazida pelo Concurso Nacional serviu como instrumento de mobilização de diversos órgãos e atores governamentais e não-governamentais, em torno da discussão de propostas que o país precisa para deflagar um novo ciclo de desenvolvimento econômico e social. Em uma única medida, a proposta do Concurso Nacional joga luz sobre os princípios de eficiência, eficácia, efetividade, economicidade e equidade da ação pública.
É muito mais eficiente do que cada órgão federal realizar seu próprio certame; é mais eficaz, pois em um único evento garante-se o provimento de todas as vagas autorizadas; é mais efetivo, pois o certame permite que os interessados se candidatem para vários cargos em um mesmo bloco temático, ordenando suas preferências; é mais econômico para o governo federal como um todo, não só em termos de recursos financeiros, mas também humanos e logísticos; e, principalmente, é muito mais equitativo um certame capilarizado, que abre oportunidades de acesso a cargos públicos federais a diversos grupos populacionais das diversas regiões do país.
Assim, o Concurso Nacional escalou o tema, antes relegado às esferas meramente burocráticas ou aos nichos de fornecedores e candidatos interessados no assunto, a uma discussão mais ampla sobre recrutamento e seleção pública de servidores e o papel das carreiras na transformação do Estado para a entrega de mais e melhores políticas públicas à população e aos territórios. Com esse invólucro, o Concurso Nacional passou a integrar o centro da agenda sobre a transformação do Estado que queremos, tema estratégico para a conjuntura atual. Mesmo os órgãos da administração federal que não aderiram ao concurso unificado neste momento, foram provocados a refletir e tomar decisões sobre gestão de pessoas e o futuro das políticas públicas sob sua competência, com base em um enfoque mais estratégico sobre o assunto, não meramente protocolar e procedimental, como quase sempre foram tratados os concursos nos órgãos setoriais.
Afinal, concursos públicos no Brasil são a primeira e mais importante etapa de contratação de pessoas a partir das quais as ações de governo podem se realizar. Por isso, trata-se de um evento muito importante para o sucesso de qualquer projeto de Estado voltado ao desenvolvimento nacional. Assim, após sucessivas reuniões preparatórias e discussões com diversos órgãos e instâncias de governo, órgãos de controle e também setores e atores organizados do nicho dos concursos, além de especialistas, pesquisadores e professores, o processo de elaboração e implementação dessa importante inovação institucional do governo federal chega agora em uma nova fase.
Publicado em 29 de setembro de 2023, o Decreto nº 11.722/2023 institui formalmente o Concurso Público Nacional Unificado como programa de governo e modalidade de seleção para ingresso no serviço civil federal. Além disso, o mesmo Decreto apresenta a estrutura de governança e coordenação geral do certame e define as regras iniciais básicas a partir das quais todo o processo deverá se realizar. O Concurso Nacional consiste em um modelo de realização conjunta de provas para o provimento de cargos públicos efetivos no âmbito dos órgãos e das entidades da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional.
De acordo com o decreto, são seus objetivos principais: promover igualdade de oportunidades de acesso aos cargos públicos efetivos; padronizar procedimentos na aplicação das provas; aprimorar os métodos de seleção de servidores públicos, de modo a priorizar as qualificações necessárias para o desempenho das atividades inerentes ao setor público; e zelar pelo princípio da impessoalidade na seleção dos candidatos em todas as fases e etapas do certame.
O Concurso Nacional terá duas instâncias de governança: a Comissão de Governança e o Comitê Consultivo e Deliberativo. Caberá à primeira, estabelecer diretrizes e regras gerais para a realização do Concurso. A Comissão será composta por um representante de cada um dos seguintes órgãos e entidades: Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), que a coordenará; Advocacia-Geral da União (AGU); Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (SECOM); Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep); Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea); e Fundação Escola Nacional de Administração Pública (Enap).
Já o Comitê Consultivo e Deliberativo terá entre as suas competências: exercer a função de comissão organizadora do Concurso Público Nacional Unificado; e validar e aprovar os agrupamentos de cargos e os editais. O Comitê será composto por um representante de cada um dos órgãos e entidades que compõem a comissão de governança e as comissões dos órgãos e entidades aderentes ao Concurso Nacional.
Um dos pilares mais importantes desse modelo está sendo o diálogo entre diversos órgãos e instâncias da administração pública federal, para ajuste do desenho do novo modelo, definição do escopo de participantes e das regras do processo seletivo unificado, uma vez que a premissa foi a adesão voluntária dos órgãos com concursos autorizados e não a imposição desde cima.
As adesões dos órgãos interessados são formalizadas por meio de um Termo de Adesão assinado entre MGI e cada um dos órgãos aderentes, para os cargos com vagas ofertadas no certame. O detalhamento dos próximos passos relativos ao funcionamento das instâncias de governança do Concurso Nacional está explicitado na Portaria nº 6.017/2023 do MGI. Com esses instrumentos, o MGI dará prosseguimento ao processo de contratação da banca examinadora que cuidará de boa parte das questões pedagógicas e logísticas do certame.
Sendo assim, ao final dessa primeira fase do projeto, contabilizados os órgãos que manifestaram interesse em aderir ao Concurso Nacional, 22 órgãos e respectivos 80 cargos efetivos estão participando desse primeiro processo seletivo unificado, com 6.640 vagas ofertadas ao total, conforme tabela abaixo – dados ainda não definitivos, sujeitos a mudanças pontuais.
Órgãos e Carreiras aderentes ao CPNU |
Número de vagas autorizadas por órgão ou carreira |
Órgãos e Carreiras aderentes ao CPNU |
Número de vagas autorizadas por órgão ou carreira |
AGU |
400 |
MDIC |
110 |
ANEEL |
40 |
MEC |
70 |
ANS |
35 |
MGI |
1480 |
ANTAQ |
30 |
MinC |
50 |
FUNAI |
502 |
MS |
220 |
IBGE |
895 |
MJSP |
130 |
INCRA |
742 |
MPI |
30 |
INEP |
50 |
MPO |
60 |
INMET |
80 |
MTE |
900 |
MAPA |
440 |
PREVIC |
40 |
MCTI |
296 |
|
|
MDHC |
40 |
TOTAL |
6.640 |
Todas essas vagas serão disputadas a partir de um único dia de provas, realizado em aproximadamente 180 cidades de porte médio a grande, distribuídas proporcionalmente pelas cinco regiões do país. As vagas serão divididas em blocos temáticos ainda em construção, agrupadas de acordo com suas similitudes em torno seja de atribuições e outras características comuns dos respectivos cargos, seja em torno das grandes áreas programáticas de atuação governamental.
Desta maneira, as provas deverão acontecer em um único e mesmo dia e serão compostas por: i) provas objetivas de aplicação comum a todos os candidatos e candidatas; e ii) provas objetivas e dissertativas específicas por blocos temáticos.
As provas objetivas de aplicação geral deverão perpassar temas ligados à valorização do ethos público, da realidade brasileira e das relações entre Estado, políticas públicas e desenvolvimento nacional, além das disciplinas curriculares tradicionais em concursos públicos, que incluem, por exemplo, conhecimentos referentes às bases constitucionais do Estado, à estrutura e funcionamento da administração pública, bem como aos fundamentos do direito administrativo.[2]
Por sua vez, as provas específicas e dissertativas abordarão temas circunscritos aos blocos temáticos pré-estabelecidos, numa concepção em que se busque apreender dos candidatos e candidatas aptidões e competências de aprendizagem contínua no ambiente de trabalho ao longo do ciclo laboral no setor público. O objetivo é selecionar profissionais com capacidade de obter conhecimentos e desenvolver especializações diversas que se fizerem necessárias para o bom desempenho das inúmeras funções públicas com as quais se defrontarão ao longo dos seus percursos profissionais.
Oxalá possamos, com o sucesso do Concurso Público Nacional Unificado, estar plantando as bases para a transformação qualitativa dos processos institucionais envolvidos em todo o circuito de formulação, implementação, gestão, monitoramento, avaliação e controle das políticas públicas no país; não apenas inovando a forma de seleção e recrutamento de servidores públicos no Brasil. Esse é o grande objetivo do novo modelo.
Para tanto, aperfeiçoamentos ainda serão necessários e acontecerão na medida em que este se mostre crível e se consolide no país. Uma das possibilidades seria avançarmos para um modelo no qual provas desse tipo – sem vinculação prévia com órgãos ou carreiras – fossem periódicas, nacionais e unificadas, bastando às organizações com vagas autorizadas regularmente, a realização de fases subsequentes mais rápidas e específicas, nas quais aptidões, currículos e competências – vale dizer: conhecimentos, habilidades e atitudes – fossem considerados.
Dentre as competências transversais consideradas indispensáveis aos servidores e servidoras públicas do futuro,[3] destaquem-se, por exemplo, aquelas relacionadas: i) à resolução de situações com base em evidências, isto é: capacidade de desenvolver políticas, serviços e produtos de forma incremental e experimental, além de garantir decisões orientadas e apoiadas em dados e informações críveis; ii) foco nos resultados para a cidadania: capacidade de compreender e direcionar os serviços que realiza na condição de agente público para a solução das necessidades e ativação da cidadania; iii) mentalidade digital, vale dizer: capacidade de buscar e experimentar novas ideias e formas de trabalhar; iv) agir comunicativo, ou seja, a capacidade de estabelecer e manter interações em contextos de constante mudança, escutando, indagando e expressando ideias de forma efetiva e colaborativa; v) trabalho coletivo: estimular o apoio e o envolvimento das pessoas, de forma contínua e compartilhada; vi) valores éticos, tais como responsabilidade, integridade, retidão, transparência e equidade, visando à resolução colaborativa de problemas; e vii) visão sistêmica: capacidade de desafiar o status quo, alterar padrões e estabelecer parcerias incomuns, com vistas a impactar processos decisórios e a gestão cotidiana de programas e projetos no âmbito do setor público (Enap, 2020).
[1] Pela Secretaria de Gestão de Pessoas (SGP) do Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI), participaram da elaboração deste artigo: José Celso Cardoso Jr. (Secretário de Gestão de Pessoas), Maria Aparecida Chagas (Diretora de Provimento e Movimentação de Pessoal) e Lorena Ferreira (Chefe de Gabinete).
[2] A respeito, ver Enap (2023). Guia Referencial para Concursos Públicos: promoção do ethos público, realidade brasileira, inclusão, diversidade e direitos humanos (Disponível em: https://repositorio.enap.gov.br/bitstream/1/7735/1/Guia%20referencial%20para%20concusos%20p%c3%bablicos.pdf).
[3] Cf. Enap (2020), Competências Transversais de um Setor Público de Alto Desempenho (Disponível em: https://repositorio.enap.gov.br/bitstream/1/5663/4/1_Compete%cc%82ncias%20transversais%20de%20um%20setor%20pu%cc%81blico%20de%20alto%20desempenho_16.12.2021.pdf).