Gestão de Pessoas e Vocação: pertencimento, reconhecimento e valorização da função pública
No momento em que comemoramos mais um dia do servidor/servidora público, precisamos retomar e reforçar alguns valores fundamentais dessa atividade profissional. A atuação no setor público deve, idealmente, estar motivada por atributos pessoais ligados à vocação à esfera pública e desejo de prestar serviços à população como forma de viabilizar ou aperfeiçoar o atendimento estatal/público à coletividade. Além disso, trabalhar para o Estado – mas sempre a serviço da sociedade – implica em entender que este é o principal ente criado historicamente pela humanidade a pautar a sua atuação a partir de uma visão de longo prazo para o desenvolvimento nacional, tendo as perspectivas macroeconômica e macrossocial e territorial como guias, bem como a produção de valor social de sentido não monetário como paradigma.
Por estas e outras razões, a gestão de pessoas no serviço público é um processo complexo e dinâmico, afinal, servidores e servidoras que nele ingressam por meio de concursos têm, em tese, um horizonte laboral de mais de 30 anos pela frente.
Por isso, é fundamental desenvolver uma visão sistêmica sobre a gestão de pessoas e as relações de trabalho a partir da ideia de ciclo laboral. Essa ideia, sintetizada na figura abaixo, oferece uma visão panorâmica e articulada entre fases e dimensões desse ciclo, desde o ingresso até a aposentadoria.
A imagem acima nos diz que a gestão de pessoas no serviço público, da perspectiva do ciclo laboral, permite interconectar e interpretar todas as fases e dimensões da vida profissional dos servidores e servidoras ao longo do tempo, visando a solucionar problemas existentes em cada uma delas. Além disso, permite identificar os diversos tipos de regramentos (decretos, projetos de lei, portarias e instruções normativas) pertinentes a cada fase, bem como suas formas de implementação, e por meio disso, avaliar sua eficácia e efetividade do ponto de vista do funcionamento da máquina pública.
O concurso é a primeira etapa do ciclo laboral no serviço público. Trata-se de um momento extremamente importante para o sucesso de qualquer projeto de desenvolvimento com inclusão social, promoção da diversidade e redução das desigualdades. Por essa razão, e considerando que os ingressantes no Regime Jurídico Único (RJU) passarão muitos anos na administração pública federal, é crucial avaliar o atual formato legal dos concursos e indicar possíveis aperfeiçoamentos, visando a valorização dos servidores e servidoras, a profissionalização contínua da função pública e uma maior aderência entre os perfis sociais, demográficos e territoriais da população àqueles dos futuros servidores e servidoras.
Entre a primeira e a segunda fases do ciclo laboral é importante desenvolver uma cultura e métodos mais eficientes de planejamento e dimensionamento da força de trabalho. É preciso transitar da atual passividade e reatividade diante das demandas dos diversos órgãos do Estado, para um formato mais racional, harmônico e tempestivo de identificação das reais necessidades de preenchimento de vagas, visando ao bom funcionamento dos órgãos e ao atendimento das prioridades das políticas públicas e da população.
A alocação inicial, a ambientação nos locais de trabalho e o acompanhamento adequado do estágio probatório obrigatório são etapas interligadas que raramente se conectam ou são consideradas importantes pela maioria dos órgãos públicos federais. Entender e mudar essa realidade exige identificar e avaliar as respectivas legislações que tratam desses temas, bem como situá-las em seus respectivos contextos institucionais e culturais mais amplos, visando a promoção de mudanças mais efetivas.
A terceira fase é a mais longa e complexa do ciclo laboral. Ao ingressar em cargos ou carreiras, servidores e servidoras percorrem uma extensa trajetória até a aposentadoria. Por isso, os maiores desafios estão relacionados a essa fase, na medida em que o cerne de uma reforma administrativa infraconstitucional e incremental consiste em identificar e enfrentar uma multiplicidade de temas e problemas, que tendem a ser tantos e tão intrincados quanto o número de cargos e carreiras existentes.
Simultaneamente, é preciso relacionar esses aspectos às estratégias de capacitação dos servidores e servidoras ao longo de suas trajetórias profissionais, bem como às possíveis correlações entre isso e a gestão de desempenho praticada no setor público federal, inclusive no que se refere às suas lideranças. Apesar da capacitação, do desenvolvimento profissional e do desempenho organizacional estarem fortemente correlacionados entre si, existe, infelizmente, uma ênfase sobre o desempenho individual dos servidores e servidoras. Mas esse tema deveria ser tratado de forma desvinculada de iniciativas que pretendem criar incentivos pecuniários para estimular o desempenho dos servidores e servidoras ou estabelecer punições para aqueles e aquelas que não alcançam determinados parâmetros de comportamento.
Em síntese, dada a amplitude e a complexidade dos temas presentes nessa fase do ciclo laboral, é necessário pensar em ao menos três grandes dimensões, diretamente correlacionadas aos objetivos do pertencimento e do reconhecimento dos servidores e servidoras, a saber: i) o desenvolvimento profissional e a progressão na carreira; ii) a formação, qualificação e a gestão do desempenho de pessoas e organizações; iii) políticas de remuneração adequadas, previsíveis e isonômicas entre funções com atributos, competências e complexidades similares.
A fase que encerra o ciclo laboral é regulamentada por uma vasta legislação que dispõe sobre as regras e condições de acesso às aposentadorias e pensões no âmbito do RPPS, e que precisam de aperfeiçoamentos constantes ao longo do tempo, em linha com a garantia de direitos e a valorização dos servidores e servidoras públicas.
Tudo somado, para levar a cabo mudanças que de fato impactem positivamente o desempenho individual e institucional do Estado no Brasil, é preciso que as mudanças propostas estejam alinhadas a pelo menos sete princípios organizativos, que também são objetivos fundamentais da República para o setor público brasileiro. São eles:
i) a democracia enquanto valor político e forma de governo mais adequada à obtenção de consensos duradouros e mais aderentes à realidade socioeconômica do país;
ii) a promoção da diversidade social como fator de convergência entre o perfil da população brasileira e o da força de trabalho no setor público;
iii) a estabilidade na ocupação, idealmente conquistada por critérios meritocráticos num ambiente de maior homogeneidade econômica, republicanismo e democracia social, visando a proteção contra assédios e arbitrariedades – inclusive político-partidárias – cometidas pelo Estado-empregador;
iv) a remuneração adequada, isonômica e previsível ao longo do ciclo laboral;
v) o incentivo permanente à escolarização, à qualificação e à capacitação de alto nível desde o ingresso dos servidores e servidoras nos respectivos cargos e órgãos;
vi) a cooperação interpessoal no interior dos órgãos e entre eles – em vez de competição – como critério de atuação e método primordial de trabalho no setor público;
vii) a liberdade de organização, representação e a autonomia sindical.
Esses princípios se relacionam a uma ou mais fases e dimensões do ciclo laboral, sendo condição primordial para a construção e aplicação de uma visão sistêmica e articulada da gestão de pessoas e das relações de trabalho no serviço público federal brasileiro.
Que as comemorações desse dia 28 de outubro permitam, portanto, reflexões mais positivas e promissoras acerca dos papéis institucionais que o Estado brasileiro precisa desempenhar no país, tendo como centro de ativação a presença e atuação dos servidores e servidoras no cenário nacional.
Equipe SGP/MGI