Cobertura Territorial e Populacional do Concurso Público Nacional Unificado: um caminho para promover a igualdade de oportunidades
Equipes INCT/IPEA[1] e SGP/MGI[2]
A realização de concursos públicos é um elemento fundamental para a seleção de servidores públicos federais no Brasil. Para que o processo de seleção seja democrático e possibilite o acesso das pessoas aos locais de realização do concurso, em condições mais equitativas no território brasileiro, faz-se necessário descentralizar o local de realização das provas, em contraste com a marcada centralização que se observa nos concursos realizados desde a CF-1988.
Este artigo apresenta proposta de descentralização territorial do Concurso Público Nacional Unificado, parte de um novo modelo de seleção de servidores públicos federais desenvolvido pelo Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI). A descentralização é fundamental para promover maior igualdade de oportunidades, permitindo que pessoas de diferentes origens sociais e regionais tenham acesso mais equitativo às carreiras públicas federais.
Descentralização e Igualdade de Oportunidades
A concentração de concursos em poucas cidades do Brasil tem sido uma característica marcante do processo seletivo para cargos públicos federais. Uma análise dos dados relativos aos concursos anteriores revela que menos de 1% dos municípios brasileiros foram escolhidos como sede de concursos públicos federais nos últimos 15 anos. Essa concentração cria barreiras significativas para candidatos que residem em áreas distantes dos centros urbanos, tradicionalmente escolhidos para a realização das provas.
Considerando todos os municípios que sediaram concursos públicos federais ao longo desse período, o índice médio de cobertura demográfica do concurso, considerando uma área coberta por um raio de 100 km das cidades-sede, é de apenas 33,7%. O índice médio é obtido pela média aritmética simples do índice de cobertura populacional e do índice de cobertura territorial, também obtidos da mesma forma: uma razão entre a população ou a área territorial coberta pela abrangência da sede, obtida por um raio de 100 km a partir do centro da cidade-sede sobre a população e o território brasileiros. No cenário atual, o índice de cobertura populacional é de 55,5% e o de cobertura territorial é de 11,6%.
Desta maneira, a desigualdade de acesso aos concursos públicos federais é evidente quando se observam os dados. Candidatos que vivem em áreas remotas enfrentam dificuldades em participar dos concursos devido a questões como distância, transporte e despesas associadas. Isso limita a diversidade geográfica e social no quadro de servidores públicos federais e cria um ambiente de desigualdade de oportunidades.
As Propostas de Descentralização
Tendo como premissa o desafio de buscar democratizar o acesso das pessoas aos concursos públicos federais, foram desenvolvidas três propostas alternativas de descentralização dos locais de realização das provas, gerando listas de cidades-sede. Cada proposta incorpora critérios demográficos e regionais progressivamente aplicados para ampliar a cobertura territorial e populacional.
Uma primeira proposta combina aspectos demográficos e a posição das cidades no estudo Regiões de Influência de Cidades (REGIC), atualizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em 2018. Nesta proposta, foram selecionadas as cidades com mais de 100 mil habitantes nas regiões Sudeste, Nordeste, Sul e Centro-Oeste, e mais de 75 mil habitantes na região Norte. Além do corte populacional, exceto na região Norte, as demais cidades deveriam ser, ao menos, capitais regionais na REGIC. Na construção da proposta, foi considerado o conceito de cidade adotado pelo IBGE na REGIC, de modo que apenas um município de um arranjo populacional foi incorporado à lista de cidades selecionadas.
A aplicação desses critérios resultou em 129 cidades selecionadas, representando um aumento significativo na cobertura territorial e populacional em comparação com os concursos anteriores. Nessa proposta, o índice médio chegou a 55,8%, com uma cobertura populacional de 83,3% e uma cobertura territorial de 28,3%.
Ainda que esta primeira proposta represente um avanço, a análise crítica dos resultados mostrou que permanecem sobreposições e vazios de território, o que estimulou estudos adicionais a partir de critérios complementares, resultando em duas propostas adicionais.
Na segunda proposta, incorporamos trabalhos do IBGE associados à Divisão Regional do Brasil. Buscou-se verificar como as 129 cidades selecionadas se refletiam nas 133 regiões intermediárias do país. Pode-se observar que 61 cidades compartilhavam das mesmas regiões intermediárias, denotando uma possível sobreposição de áreas de abrangência dos locais do concurso, enquanto em 41 regiões intermediárias não havia cidades selecionadas, apontando para a existência de áreas não iluminadas pelas cidades selecionadas.
A partir desta observação e da análise das áreas de abrangência, foram excluídas 27 cidades da lista da Proposta I e incluídas outras 44 cidades. Foram também incluídas três cidades brasileiras que não estavam nesta seleção, mas que haviam sido sedes de seleções anteriores, o que atende às necessidades específicas de órgãos que aderiram ao Concurso Público Nacional Unificado. A segunda proposta, portanto, traz uma lista de 149 cidades.
Nesta Proposta II, o índice médio de cobertura chegou a 64,4%, com uma cobertura populacional de 89,6% e uma cobertura territorial de 39,2%. Ou seja, após as operações de exclusão e inclusão de cidades, gerando um saldo líquido de 20 cidades a mais em relação à seleção inicial, teve-se uma melhora de 15% no índice médio.
Indo além, a terceira proposta foi feita a partir de uma análise detalhada da Proposta II, buscando reduzir as redundâncias e ampliar a cobertura territorial e populacional. Foram sendo verificados, para cada caso, se a cidade selecionada estava gerando áreas de sobreposição dos raios de abrangência, sugerindo sua exclusão da lista, ou ainda a eventual substituição de uma cidade por outra próxima, mas que melhoraria o índice médio de cobertura. Ademais, buscou-se ainda ampliar a seleção em porções do território onde ainda não havia áreas iluminadas.
A análise gerou uma terceira proposta, com a seleção de 165 cidades (menos de 3% do universo de municípios do país). Essa proposta tem o índice médio próximo de 70%, com uma cobertura populacional de 92,7% e uma cobertura territorial que se aproximou da metade do território brasileiro (45,9%).
Por fim, apesar da Proposta III já representar resultados robustos do ponto de vista da representação geográfica regional das cidades pelo país, bem como da cobertura populacional potencial alcançada, julgou-se ainda possível a produção de uma quarta e última proposta, que agrega mais quinze cidades em locais estratégicos do país, totalizando 180 cidades no total. Esta última proposta representa, então, a melhor combinação possível entre a cobertura territorial e a cobertura populacional para a organização logística do Concurso Público Nacional Unificado no Brasil em 2024.
Impactos e Benefícios da Descentralização
As propostas de descentralização apresentadas neste artigo têm o potencial de impactar positivamente a igualdade de oportunidades no acesso aos cargos públicos federais. Ao ampliar o número de cidades-sede dos concursos, a cobertura territorial e populacional melhora substancialmente. Isso significa que candidatos de regiões anteriormente excluídas terão uma chance mais justa de participar dos concursos, eliminando algumas das barreiras geográficas e financeiras que existiam anteriormente.
Além disso, a diversidade geográfica e regional no quadro de servidores públicos federais pode se tornar mais representativa da diversidade do Brasil como um todo. A descentralização não apenas reduz as desigualdades no acesso aos cargos públicos, mas também contribui para uma administração pública federal mais inclusiva e sensível às necessidades de diferentes regiões do país.
Tudo somado, a descentralização do Concurso Público Nacional Unificado é uma proposta importante que visa promover a igualdade de oportunidades no acesso aos cargos públicos federais. As três propostas apresentadas representam um avanço significativo na ampliação da cobertura territorial e populacional das sedes dos concursos.
Embora seja impossível alcançar uma cobertura completa em um país de dimensões continentais como o Brasil, o esforço de descentralização melhora substancialmente as condições de acesso e abre portas para candidatos que anteriormente enfrentavam desafios significativos para participar dos concursos públicos federais.
Portanto, a implementação dessa proposta certamente representará um avanço nas oportunidades de acesso aos cargos públicos federais, contribuindo para o cumprimento de um dos objetivos buscados pelo MGI em sua reformulação do modelo de seleção dos servidores públicos do governo federal: promover maior igualdade de oportunidades. A descentralização territorial é um passo crucial nesse sentido e deve ser considerada seriamente para garantir um serviço público federal mais inclusivo, representativo e – no futuro – mais responsivo às necessidades da população brasileira.
[1] Pelo INCT em Políticas Públicas e Desenvolvimento Territorial e Ipea, participaram da elaboração deste artigo: Marco Aurélio Costa, Armando Palermo Funari, Laura Cristina Melo Teixeira e Tamara Talita Rodrigues Dias.
[2] Pela Secretaria de Gestão de Pessoas (SGP) do Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI), participaram da elaboração deste artigo: José Celso Cardoso Jr. (Secretário de Gestão de Pessoas) e Maria Aparecida Chagas (Diretora de Provimento e Movimentação de Pessoal).