A importância de avaliar estatais como empresas
Quantas vezes você já leu análises sobre o desempenho de grandes companhias privadas a partir do déficit ou superávit que elas obtiveram em um ano? Nenhuma, provavelmente. O motivo é simples: essa medição, com lógica fiscal, serve para avaliar o desempenho de contas públicas, mas está longe de ser adequada para avaliar o desempenho de uma empresa pública ou privada.
No Brasil e no mundo, empresas são acompanhadas por suas demonstrações contábeis, como lucro ou prejuízo, disponibilidade de caixa, endividamento e investimentos, calculadas segundo regras consagradas. Nesses indicadores, as estatais estão indo muito bem.
Em 2023, as 44 estatais federais e suas subsidiárias, segundo demonstrações contábeis auditadas e agregadas em relatório pelo Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI), geraram lucro líquido de R$ 197,9 bilhões e recolheram R$ 49,4 bilhões em dividendos e Juros sobre o Capital Próprio (JCP) para o Tesouro Nacional, além de outros R$ 78,7 bilhões para acionistas privados. Já no primeiro ano do governo Lula, seus investimentos cresceram 29%. Em 2024, elas seguirão dando lucro e investindo.
As apurações dos resultados fiscais – como os indicadores de déficit ou superávit - têm origem na contabilidade pública. Eles servem para monitorar a capacidade de governos de executar políticas públicas e aferir receitas e para acompanhar o compromisso com metas fiscais.
As metodologias para apuração dos resultados fiscais, publicados pela Secretaria do Tesouro Nacional e pelo Banco Central, são sólidas e consistentes. Entretanto, o resultado fiscal, seja déficit ou superávit, contabiliza entradas e saídas em um ano calendário, sem avaliar mutações nos ativos – algo que ninguém deixaria de fazer ao analisar uma empresa privada. E, ao contrário do que ocorre na contabilidade empresarial, o valor do investimento não é diferido no tempo e computa-se integralmente como uma despesa do ano, mesmo quando pago com recursos em caixa obtidos em anos anteriores. Isolado, portanto, não se sabe se o déficit ocorre por dificuldades operacionais ou aumento do investimento.
O exemplo da Emgepron é ilustrativo. Em 2018 e 2019, a União aportou pouco mais de R$ 10 bilhões na empresa, registrados como superávit fiscal no orçamento das estatais no biênio. Recentemente, a empresa acelerou investimentos pagos com esse recurso. No cálculo fiscal, isso aparece como déficit. No balanço patrimonial, está registrado como aumento no capital e nos ativos. Na demonstração de resultados de 2023, ela apurou lucro líquido de R$ 614 milhões. E no ano, pagou R$ 163 milhões em dividendos para a União.
Em resumo, os atuais déficits fiscais das estatais federais representam, em grande parte, a volta do investimento. Eles não trazem risco às contas públicas, pois não precisam ser “cobertos” com recursos do Tesouro. São financiados com recursos que estão no caixa das estatais justamente para virar investimentos.
A estatística fiscal contabiliza os resultados das estatais não dependentes da União e seus resultados não afetam os compromissos do governo com o regime fiscal sustentável. Eventuais prejuízos operacionais, como pode ocorrer nos Correios, que opera em um setor em transformação no mundo e já adotou um plano para redução de despesas, também não são cobertos pelo Tesouro. Eles são contabilizados no orçamento das estatais e não no orçamento fiscal e da seguridade social, onde recaem as metas do arcabouço.
As estatais brasileiras, entre outras coisas, foram responsáveis pelo desenvolvimento tecnológico da extração de petróleo em águas profundas, pela configuração de uma matriz energética limpa e sustentável e pela digitalização de centenas de serviços públicos. A única justificativa para tamanho alarde em torno da sua saúde financeira não reside no seu impacto fiscal, mas nos interesses políticos a respeito do futuro de tais empresas.