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TRANSFORMAÇÃO DO ESTADO
Gestão lança relatório sobre desigualdade, papel do Estado e situação democrática da América Latina e Caribe
Ministra da Gestão, Esther Dweck, e secretário de Transformação do Estado do MGI, Francisco Gaetani, participaram do lançamento do relatório "Estado, democracia e desigualdade: uma perspectiva latinoamericana”, durante o Congresso do CLAD. Foto: Adalberto Marques/MGI
Nesta quinta-feira (28/11), foi lançado o relatório “Estado, democracia e desigualdade: uma perspectiva latinoamericana”, durante a XXIX edição do Congresso Internacional do Centro Latino-Americano de Administração para o Desenvolvimento (CLAD). O documento foi desenvolvido pelo Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o CLAD.
A ministra da Gestão e da Inovação, Esther Dweck, defendeu a relevância do relatório diante do duplo desafio enfrentado pela América Latina e Caribe, que perpassa pela consolidação de uma prática democrática duradoura e pela redução das desigualdades. Para a ministra, esses dois desafios podem ser enfrentados por meio de uma reforma do Estado clara e fundamentalmente destinada a fortalecer a relação entre o Estado e os cidadãos, o que definiu como uma vocação claramente democrática.
“Esse relatório mostra que precisamos atuar de forma abrangente, buscando solucionar os vários problemas reais que assolam nossas populações, observando, inclusive, a cobertura e a qualidade dos serviços públicos, estando atentos ao surgimento de novas demandas sociais e identitárias. Precisamos olhar diretamente para as decepções que os cidadãos acumularam e trabalhar para atender suas necessidades”, defendeu Dweck.
O professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Leonardo Avritzer, coordenador da pesquisa e um dos palestrantes da mesa, explica que o ponto de partida do novo relatório é a constatação de que as democracias latino-americanas têm mantido sua estabilidade eleitoral desde os processos de democratização que começaram nos anos 1980. O professor ressalta que, desde a democratização da República Dominicana, em 1978, passando por Argentina, Brasil e Uruguai, no início dos anos 1980, houve poucas rupturas democráticas. No entanto, ele pondera que essa estabilidade coexiste com uma crescente insatisfação cidadã em relação à qualidade da democracia.
O cientista político disse, ainda, que o relatório mostrou que, em 2023, apenas quatro em cada dez latino-americanos estão satisfeitos com suas democracias; aproximadamente quatro em cada dez confiam no sistema de justiça ou no poder executivo de seus países, enquanto apenas três confiam nos partidos políticos. Ele explicou que a confiança dos cidadãos da região está a diminuir de forma rápida e isso revela um profundo descontentamento com aqueles que estão governando e representando em um determinado momento.
Essa insatisfação, segundo o professor, se reflete em fenômenos como a eleição de governantes com tendências autoritárias e ataques a instituições fundamentais, como as cortes supremas. “O descontentamento com a democracia tem levado a um padrão de votação de governantes que atacam as instituições democráticas”, afirmou. Para ele, isso não é exclusividade da América Latina, mas um reflexo de tendências globais que incluem polarização política e mudanças estruturais no mercado de trabalho.
Para a professora emérita da Universidade de Nova York, Sonia Ospina Bozzi, o principal desafio que as democracias da região enfrentam hoje é a perda de confiança dos cidadãos, que surgiu inicialmente como uma desconfiança em relação aos representantes políticos, mas se espalhou para o sistema como um todo. Assim, a confiança nos partidos e a identificação com um partido tenderam a diminuir nos últimos anos. O percentual de confiança no Executivo também caiu de 34,15% em 2008 para 26,54% em 2023.
Bozzi disse que é preocupante que a população indiferente à democracia está crescendo, com uma média de 54% dos latino-americanos afirmando atualmente que não se importam se um governo chega ao poder por meios não democráticos, desde que resolva seus problemas (estudo Corporación Latinobarómetro de 2023).
“É preciso trabalhar para resolver esse problema da tendência de muitos latino-americanos preferirem a democracia a outros sistemas de governo diminuir nos últimos 20 anos, mostrando uma queda mais acentuada desde 2021 em alguns países como Argentina, Uruguai e Equador”, pontuou Bozzi.
Já o professor do Departamento de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Peru, Juan Carlos Cortázar, citou que o relatório aponta que os índices de desigualdade começaram a desacelerar desde 2013, mas em muitos países os índices estagnaram em meados da segunda década do século. Ele explicou que embora alguns progressos tenham sido alcançados, a região latino-americana continua sendo uma das mais desiguais do mundo. O relatório explica os fatores socioeconômicos e políticos que desencadearam a queda do índice de GINI, indicador que mede a desigualdade na distribuição de renda de um grupo de pessoas.
“O relatório também registra os avanços ocorridos durante a primeira década do século, que nos permitem ver as oportunidades que existem para criar políticas anti-desigualdade e anti-pobreza, e oferece exemplos de programas e políticas sociais e fiscais bem sucedidos”, pontuou Cortázar.
Sobre o relatório
Em 2004, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) lançava um relatório emblemático sobre a democracia na América Latina: "A democracia na América Latina: rumo a uma democracia de cidadãs e cidadão". O documento trouxe importantes reflexões sobre os desafios estruturais enfrentados pela região e apontou caminhos para o fortalecimento das instituições democráticas. Vinte anos depois, no XXIX Congresso Internacional do CLAD apresenta esse novo estudo que atualiza essa análise e mira o futuro das democracias latino-americanas.
O Relatório de 2004 surgiu em um momento de otimismo democrático na América Latina. Naquele contexto, grande parte dos países da região havia consolidado regimes democráticos, o que, segundo o cientista social, criava condições favoráveis para um aprofundamento democrático capaz de gerar maior satisfação cidadã. No entanto, duas décadas depois, a realidade apresenta contrastes importantes.
“Como muitos estudos têm revelado, atualmente há algo em crise nos processos, mecanismos, expectativas e sentimentos que devem encorajar os cidadãos a acreditarem na necessidade, utilidade e altruísmo de quem decide sobre os assuntos públicos e na importância das instituições democráticas existentes que, embora imperfeitas, ainda são a opção mais razoável para garantir sociedades mais equitativas e melhores vidas para seus cidadãos”, explicou Avritzer.
Polarização, tecnologia e o futuro do Estado
Outro ponto destacado no novo relatório é o impacto da polarização política e das mudanças tecnológicas na democracia. Avritzer aponta que o aumento da polarização é um fenômeno global, muitas vezes impulsionado por redes sociais e pela disseminação de desinformação.
Além disso, a automação e as novas formas de trabalho têm gerado instabilidade econômica, ampliando o descontentamento social. Essa combinação de fatores cria um cenário desafiador para os governos, que precisam buscar formas de fortalecer o vínculo entre Estado e cidadãos em um ambiente de rápidas transformações.
Tanto o relatório de 2004 quanto o de 2024 destacam a importância das instituições internacionais para a consolidação democrática na América Latina. Instituições como a Organização dos Estados Americanos (OEA) e o próprio PNUD têm desempenhado papéis fundamentais ao estabelecer padrões democráticos e oferecer suporte técnico aos países da região.
Francisco Gaetani, secretário Extraordinário para a Transformação do Estado do MGI, afirmou que o lançamento do relatório representa um esforço em tempos e circunstâncias difíceis, mas capaz de dar uma mensagem importante a todos. Para ele, desde que o presidente Lula instituiu o MGI, ficou claro o reconhecimento de que o Estado e o governo devem funcionar de forma organizada e em tempo hábil, principalmente porque reconstruir a administração pública, que foi prejudicada, foi um grande desafio.
“Esse relatório nos faz conhecer a América Latina e entender a realidade do nosso país e dos nossos vizinhos. A sensibilidade desse relatório busca unir discussões. A entrega do Estado e o combate à desigualdade são desafios que temos enfrentado”, ressaltou Gaetani.
Elisa Calcaterra, vice-representante residente do PNUD, disse que o relatório aborda questões centrais para o desenvolvimento humano da região latino-americana, e que o esforço que vem sendo feito é para que se construa uma sociedade inclusiva, resiliente, com instituições fortes e capazes de atender as demandas da população de forma equitativa e eficaz.
“Parabenizo o governo brasileiro por ter uma visão de criar um ministério de gestão e inovação dos serviços públicos, pois garante um papel estratégico, trabalhando para o desenvolvimento da região. Ampliar a participação cidadã, principalmente para grupos historicamente excluídos, nos ajudará a combater a desigualdade abrangente em espaços políticos, sociais e de acesso a serviços essenciais. Esse relatório se soma a esse legado de mais de 20 anos do PNUD mostrando seu compromisso com a democracia e fortalecimento das instituições e da promoção de vida digna a todos”, destacou Calcaterra.
O relatório “Estado, democracia e desigualdade: uma perspectiva latinoamericana” foi publicado em espanhol e distribuído presencialmente no Congresso do CLAD, mas em breve será publicado em português e inglês, e estará disponível em ambiente virtual.