Notícias
HISTÓRIA
Arquivo Nacional debate memória da escravatura e papel da pessoa negra no comando de instituições de pesquisas históricas
No Rio de Janeiro, convidados para o evento Conexão Afro-Atlânticas fizeram análises importantes sobre o papel do negro no comando de institutos históricos. (Crédito: Samuel Ferreira)
Nesta quinta-feira (23/5), o Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro, realizou o evento Conexões Afro-Atlânticas: História Pública e Memória da Escravidão, que busca debater a memória da escravatura no Brasil e em toda América. O evento contou com a participação da diretora-geral do Arquivo Nacional, Ana Flávia Magalhães Pinto; da embaixadora dos Estados Unidos no Brasil, Elizabeth Bagley; de Lonnie Bunch III, secretário do Instituto Smithsonian (complexo que reúne 21 museus e sete centros de pesquisa administrados pelo governo dos Estados Unidos); e de Keila Grinberg, historiadora do Projeto Passados Presentes e da Universidade de Pittsburgh.
“Ao falar sobre história pública e memória da escravidão, esse evento de hoje possui uma dimensão ainda mais importante do que aquilo que normalmente a gente alcança, quando fala em escravidão. A maioria das pessoas que estão presentes aqui se interessam pelo desejo de liberdade, os projetos de liberdade e os exercícios de liberdade”, disse a diretora-geral do Arquivo Nacional.
Um dos temas debatidos no Conexões Afro-Atlânticas foi a continuação das buscas por mais vestígios do navio “O Camargo”, embarcação escravista que trouxe 500 africanos ao Brasil e que foi afundado, pelo próprio capitão, próximo a Bracuí, na região de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro. Atualmente, as buscas pelo barco seguem sendo feita por mergulhadores. Caso a embarcação seja encontrada, os pesquisadores conseguirão aprofundar os estudos sobre sua história.
Para a coordenadora-geral de Articulação de Projetos e Internacionalização do Arquivo Nacional, Mônica Lima, o Arquivo Nacional tem uma história de divulgação científica e, há algum tempo, vem possibilitando que outras histórias sejam contadas. “A história pública é uma luta por direitos. Estamos vivendo um momento de compartilhar reflexões sobre história pública no processo de reconhecimento da luta pelo direito à fala, à escuta, à escrita, à memória e à história, sobretudo por parte de um público longamente invisibilizado. Ela é produzida não para o público, mas com o público e, mais recentemente, reconhecida pelo público. Essa é a chave que estamos virando nessa construção histórica”, afirmou.
Liderança negra
Além das discussões sobre a importância da memória da escravidão e da reparação histórica, o debate desta quinta-feira também contou com análises importantes sobre o papel do negro no comando de institutos históricos. Primeiro afro-americano e historiador a dirigir o Instituto Smithsonian, Lonnie Bunch III ressaltou suas perspectivas ao liderar e coordenar um dos mais renomados complexos de pesquisa histórica no mundo.
“Sou o primeiro negro a comandar o Smithsonian, que, por algum tempo, concordava com teorias racistas e não contava a história afro-americana. Quero mostrar que, atualmente, somos um lugar diferente. Também sou o primeiro historiador a comandar o instituto e isso traz uma nova visão para contextualizar que a história não é sobre o passado, mas sobre o presente e o futuro. O meu objetivo é fazer a instituição ajudar o país a confrontar seu passado e encarar essa questão daqui para frente”, explicou.
Assim como Lonnie, a diretora-geral do Arquivo Nacional, Ana Flávia Magalhães Pinto, também é a primeira mulher negra a comandar a instituição. Ela também falou das dificuldades dessa posição e dos trabalhos coletivos do Arquivo Nacional para abranger as populações minoritárias. “Precisamos fazer um processo de mudança. Eu estou em um país acostumado com o subdimensionamento e a subvalorização de populações negras, povos indígenas, mulheres e comunidade LGBT, e isso tem gerado resistência. Por isso, aposto na ação coletiva, já que ainda precisamos de muitas ações para superar o vício do racismo como patrimônio nacional”, disse.
Para Ana Flávia, essa patrimonialização não vai ser superada apenas com a institucionalização de políticas de estado ou de governo, mas com uma reorganização da sociedade em nível mais profundo, que demanda essa ancoragem. “Temos feito um trabalho coletivo que extrapola até mesmo as dimensões do Arquivo Nacional e do Ministério da Gestão e da Inovação (MGI), para que não demore mais 185 anos para que alguém com a minha trajetória possa seguir fazendo a transformação”, disse a diretora-geral do Arquivo Nacional.
Participações
O Conexões Afro-Atlânticas também contou com a participação de Martha Abreu, pesquisadora do Passados Presentes, da Universidade Federal Fluminense e da Universidade Estadual do Rio de Janeiro; de Marilda de Souza Francisco, líder do Quilombo Santa Rica do Bracuí; Paul Gardullo, diretor do Centro de Estudos sobre Escravidão do Smithsonian; Luís Felipe Freire Dantas Santos, pesquisador do AfrOrigens, e Aline Montenegro Magalhães, historiadora do Museu Paulista da Universidade de São Paulo.