Notícias
XXIX CONGRESSO DO CLAD
Equidade no acesso a serviços públicos foi tema de debate no último dia do XXIX Congresso do CLAD
Mesa redonda no XXIX CLAD debate transversalidade, interseccionalidade e intersetorialidade como caminhos para a equidade nas políticas públicas. Foto: Diogo Zacarias
A construção de políticas públicas mais equitativas exige compreender como desigualdades interseccionais atravessam gênero, raça e classe. Esse foi o tema central da mesa redonda realizada no último dia do 29º Congresso Internacional do Centro Latino-Americano de Administração para o Desenvolvimento (CLAD), na sexta-feira (29/11), em Brasília (DF). Especialistas de diferentes áreas discutiram os impactos dessas desigualdades em campos como a administração pública, o acesso digital e a economia, apontando caminhos para tornar o Estado mais inclusivo e eficiente.
Daniela Gorayeb, chefe de Assessoria de Participação Social e Diversidade do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) foi a mediadora do debate. Na abertura, ela abordou as barreiras enfrentadas por mulheres e pessoas negras em posições de liderança na administração pública federal. Seu panorama revelou como desigualdades estruturais limitam o avanço de minorias em espaços de poder e destacou a necessidade de políticas que combinem inclusão e reconhecimento das diferenças.
Para políticas públicas eficazes a formulação precisa contemplar as perspectivas de transversalidade, interseccionalidade e intersetorialidade. Como mediadora do debate, Daniela destacou que essas três abordagens são indispensáveis para enfrentar desigualdades estruturais no Brasil. "Esses conceitos são chamados para que políticas públicas contemplem as complexidades das desigualdades. Não podemos tratar essas questões como se fossem compartimentadas ou exclusivas de um setor", afirmou.
Segundo Daniela, as raízes dessas desigualdades estão na base do sistema econômico que explora trabalho de forma desigual, dependendo de gênero e raça. "Não se trata de somar ou hierarquizar desigualdades, mas de compreender as especificidades de cada grupo e como essas interseções criam desafios próprios que precisam de respostas concretas", explicou.
Desigualdades na burocracia brasileira
Para professora adjunta na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e pesquisadora da Sociedade em Economia da Família do Gênero (Gefam) e Centro de Estudos de Desigualdade e Desenvolvimento (CEDE), Luana Passos de Souza, é importante que as políticas públicas sejam efetivamente aderentes à realidade da população. “Só teremos políticas públicas aderentes à realidade da população se elas conseguirem ser transversais e olharem os marcadores sociais de gênero, de raça e de classe. Pois olhar o gênero sem observar o cruzamento de gênero com raça e com classe não é possível compreender a profundidade da desigualdade”, disse.
De acordo com Luana, a burocracia brasileira reflete desigualdades históricas que permeiam a sociedade e, em muitos aspectos, está distante de representar a diversidade da população. Nos cargos de alta liderança, por exemplo, essa disparidade é ainda mais evidente. "A burocracia brasileira não é representativa da realidade. Especialmente nos cargos de alta liderança, há uma baixa representatividade de mulheres e pessoas negras, o que faz com que a administração pública não reflita a diversidade da população", afirmou a professora da UFBA.
A pesquisadora entende que os concursos públicos precisam refletir melhor as realidades de gênero, classe e raça para que políticas públicas sejam melhor formuladas. Ela destaca o projeto de lei das cotas no serviço público que atualmente está em discussão no Senado como uma forma de ampliar o acesso e reduzir as desigualdades existentes. Em discussão no Senado Federal, o projeto de lei reserva 30% das vagas em concursos públicos federais às pessoas pretas e pardas, aos indígenas e aos quilombolas.
“As desigualdades são muito marcantes ainda por gênero por raça na administração pública federal e há uma leve tendência de redução dessas desigualdades. Mas elas continuam muito acentuadas, sobretudo para as mulheres negras, que é o grupo que se encontra mais excluído do processo de tomada de decisão”, explicou.
Inclusão digital
Luciana Portilho, do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), também participou da mesa redonda. Ela trouxe à tona as desigualdades digitais de gênero, expondo como o acesso limitado de mulheres às tecnologias impacta a utilização de serviços públicos online. A pesquisadora ressaltou que ampliar a inclusão digital é mais do que democratizar o acesso à internet — é um passo essencial para garantir cidadania plena no ambiente digital.
Segundo estudo apresentado por ela, no Brasil, 86% da população possui acesso à internet, mas a verdadeira inclusão digital ainda é um desafio. Apenas 22% dos brasileiros desfrutam de conectividade significativa, conceito que vai além de estar conectado e avalia a qualidade do acesso, a habilidade de uso e os benefícios gerados na vida dos usuários. Para milhões de brasileiros, a conexão é limitada por dispositivos ultrapassados, planos de dados insuficientes e falta de infraestrutura adequada. A pesquisa mostra que apenas 16% das mulheres têm conectividade significativa, em contraste com 28% dos homens. Entre as mulheres negras, o índice é ainda menor, chegando a 12%, o que destaca a interseção entre desigualdade de gênero e raça.
Essas barreiras vão além da falta de conexão. Muitas pessoas não possuem o letramento digital necessário para navegar no ambiente online com segurança e eficiência. Saber usar ferramentas digitais é tão importante quanto ter acesso a elas. Sem esse conhecimento, o uso da internet se limita a tarefas simples, enquanto oportunidades educacionais, econômicas e sociais são deixadas de lado.
De acordo com Luciana, apontam para a urgência de políticas públicas que abordem a inclusão digital de maneira ampla. "Ao elaborar políticas de inclusão, é essencial considerar as múltiplas dimensões da exclusão, para garantir um acesso significativo à internet e a dispositivos adequados. Além de oferecer conexão, é fundamental promover políticas de letramento digital, que ensinam como utilizar as tecnologias, porque usá-las e quais benefícios podem ser extraídos delas. Isso inclui desenvolver competências e habilidades que permitam a apropriação plena dessas ferramentas e o aproveitamento das oportunidades que elas proporcionam", explicou.
Acesso a fotos: https://www.flickr.com/photos/gestaogovbr/albums/72177720322243672/