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ESTHER DWECK
Governo quer a “transformação do Estado numa direção democrática”, afirma Esther Dweck
Foto: Adalberto Marques/MGI
Uma das frentes do governo Lula para promover bem-estar social e combater as desigualdades é a melhoria dos serviços públicos, meta que está estreitamente relacionada às tecnologias digitais. “Nossa missão é fomentar a transformação e inovação do Estado numa direção republicana e democrática”, afirma a ministra da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), Esther Dweck, em entrevista para revista da Dataprev. Para isso, a Dataprev é considerada parceira estratégica e um “trunfo essencial”.
Qual o principal objetivo do MGI?
A criação de um Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) faz parte do projeto do presidente Lula de aumentar as capacidades do Estado e ampliar a entrega de políticas e serviços à população. Nossa missão é fomentar a transformação e inovação do Estado numa direção republicana e democrática, com mais participação social, planejamento e eficiência.
Precisamos superar os obstáculos ao desenvolvimento do país inovando na gestão dos ativos do governo, dos processos, das pessoas, do patrimônio público e das empresas estatais. O Brasil é um dos países mais desiguais do planeta, em termos de renda. Ademais, o racismo e o sexismo atravessam as relações sociais, delineando uma marcante assimetria de gênero, raça e suas interseccionalidades. Temos, assim, o enorme desafio de enfrentar essas desigualdades estruturais da sociedade brasileira, por meio da transformação do Estado.
O MGI é o aliado de todos os outros ministérios na execução das políticas públicas para melhorar a vida das pessoas e impulsionar o desenvolvimento sustentável e soberano, com ampla participação da sociedade e pleno exercício da cidadania. Traz no nome a centralidade da inovação, sinalizando a intenção de avançar nas tecnologias, no conhecimento e nos talentos, para atualizar a administração pública e entregar a todas as pessoas um acesso equânime, seguro e fácil aos serviços.
A inovação passa pela transversalidade, intersetorialidade e interseccionalidade no ciclo da política pública. Temos atuado para identificar as diferenças e propor canais e formas de serviços públicos digitais e presenciais que atendam às populações em sua diversidade, considerando contexto urbano, rural, dos povos indígenas, dos quilombolas, dos negros, das mulheres, da população LGBTQIA+ e de outros grupos sociais. Isso envolve evoluir continuamente a relação entre a União, estados e municípios, governo e a sociedade civil, aperfeiçoando os serviços, para que sejam cada vez mais acessíveis. Ferramentas de inovação — ciências comportamentais, linguagem simples, redesenho de processos, metodologias baseadas em design, ciência de dados, entre outras — podem ajudar nessas finalidades.
Pelo aspecto da tecnologia, o MGI é responsável pela coordenação da política de governo digital, pela digitalização e melhoria da qualidade dos serviços. Estamos em um momento crítico na jornada de transformação digital do setor público, e precisamos estar dispostos a inovar e a aprender. Estamos ampliando as parcerias nos três níveis de governo e com o ecossistema de inovação do país, que inclui empresas, academia e movimentos sociais.
Avaliamos as tecnologias emergentes e quais soluções podemos aplicar a problemas reais. A inteligência artificial, e em particular a IA generativa, é um exemplo dessas tecnologias que estão redefinindo o serviço público. O edital “Soluções de Inteligência Artificial para o Poder Público”, uma parceria Finep/MCTI e Enap/MGI, selecionou oito startups para desenvolver aplicações em IA para a saúde e agricultura, em um investimento de R$ 23 milhões. A segunda fase do edital vai escolher soluções para mais 23 desafios, utilizando a plataforma “Desafios.gov.br”, gerenciada pela Enap.
A IA pode ser uma força motriz para a transformação digital, mas precisamos ter a preocupação com a regulação do seu uso para garantir segurança e privacidade. Também é importante avaliar seu impacto na força de trabalho do serviço público e planejar uma transição que não deixe ninguém para trás, com letramento digital para todos os segmentos da população.
Qual o balanço da agenda internacional recente do MGI, grande parte dedicada a temas da transformação digital?
Muito positivo. O Brasil é protagonista na agenda do governo digital e diversos países estão interessados em conhecer nosso trabalho, ou como estruturamos, por exemplo, uma plataforma única como o Gov.br, que atende a mais de 153 milhões de brasileiros, com quase 5 mil serviços digitais. Na ONU, mostramos a importância das infraestruturas públicas digitais e usamos o exemplo da base de dados do CadÚnico, consolidada a partir da experiência de 40 anos nos sistemas da Previdência e que foi determinante para que o Brasil tivesse um dos maiores programas de transferência de renda do mundo, o Bolsa Família. Sem essa infraestrutura, não teríamos repassado benefícios de forma emergencial para mais de 68 milhões de brasileiros durante a pandemia da Covid-19.
Ficou claro que podemos colaborar muito na discussão das oportunidades da economia digital. Temos a chance de alavancar essa pauta nos próximos anos, considerando os grandes eventos internacionais que se aproximam, com a liderança brasileira no G20, em 2024, a realização da COP-30 no Brasil, em 2025.
Estamos vivendo a quarta Revolução Industrial. Os países líderes em tecnologia, beneficiários da concentração econômica, estão acelerando os avanços tecnológicos altamente dependentes do conhecimento e da inovação, e alcançando um novo e superior padrão técnico-produtivo. Esse movimento tende a aprofundar as disparidades, dificultando o desenvolvimento equitativo e inclusivo nos países menos desenvolvidos, inclusive no Brasil. Temos que promover a transferência de tecnologia e investir em educação e inovação para buscar uma participação soberana e igualitária na economia global, diminuindo os riscos da exclusão digital. As estatais entram nessa equação como um importante fomentador de desenvolvimento econômico, social e sustentável.
A Dataprev, por exemplo, passou por uma transformação relevante focada no atendimento aos usuários do INSS e dos beneficiários do Bolsa Família, funções que uma empresa privada não teria como desempenhar. Na crise da Covid-19, o Brasil só conseguiu pagar rapidamente o Auxílio Emergencial, porque ainda havia um instrumento associado ao próprio Bolsa Família. Mas não pôde dar uma resposta rápida à necessidade de equipamentos de proteção e respiradores, porque a capacidade industrial para produzi-los havia sido desmontada. É importante termos empresas públicas fortes.
Qual o papel das empresas públicas de TI?
As empresas públicas de tecnologia da informação são guardiãs dos dados das cidadãs e dos cidadãos custodiados pelo Estado brasileiro e apoiam a execução de políticas públicas. A Dataprev foi incluída na estrutura do MGI justamente porque o governo entende que a empresa tem atuação estratégica para automação de processos e transformação digital dos serviços públicos. É um trunfo essencial para cumprirmos nossa missão institucional e nosso compromisso com o projeto do presidente Lula e com o país.
Um exemplo importante dessa parceria é o projeto de escalar o Sistema Eletrônico de Informações (SEI) para o modelo ‘Software como Serviço’ (veja a pág. 23 da revista). Desenvolvido pelo TRF4 e com suporte do MGI, o SEI é hoje uma solução de processo eletrônico madura utilizada por mais de 140 órgãos da Administração Pública. A Dataprev pode atender, com garantias de privacidade, segurança e qualidade, a demanda de hospedagem e suporte do SEI no Executivo Federal e facilitar a transformação digital com adoção do processo eletrônico nos estados, municípios e empresas públicas.
Nós temos a preocupação de garantir sustentação de ambientes seguros de alta performance que atendam às necessidades das pessoas da forma mais adequada e célere, respondendo à demanda crescente por ferramentas digitais. Nessa perspectiva, o governo está buscando potencializar o uso sinérgico de empresas públicas de TI para melhorar a governança, sustentabilidade, privacidade e segurança nos dados e sistemas críticos da Administração Pública.
Estamos construindo uma Infraestrutura Nacional de Dados (IND), que representa um conjunto de normas, políticas, arquiteturas, padrões, ferramentas tecnológicas, ativos de informação e talentos humanos, visando ao uso inteligente dos dados governamentais.
Nossa preocupação é ter garantias de privacidade e segurança para os ambientes de sustentação de bases de dados e serviços críticos.
Muito importante também é avançar na maturidade das nossas políticas de contratações de TI, para dar mais segurança aos órgãos e empresas. A recém-lançada portaria de contratação de serviços em nuvem é um exemplo nessa direção, assim como as Políticas de Governança e de Interoperabilidade de Dados e o Modelo de Maturidade de Dados, que estão sendo elaboradas pela Secretaria de Governo Digital do MGI.
Qual o significado da Estratégia Nacional de Governo Digital?
A construção da Estratégia Nacional de Governo Digital (ENGD) está atendendo a duas prioridades do presidente Lula. Por um lado, levar mais serviços de melhor qualidade para a população; por outro, ampliar a participação e a colaboração federativa aproximando o governo federal, dos estados e municípios na implementação de políticas públicas.
A ENGD está sendo construída de forma colaborativa com estados, municípios e sociedade para deixar o Estado mais ágil, transparente e responsivo. Seu objetivo é pactuar grandes linhas estratégicas que permitam que sociedade, setor privado, e setor público, nos variados poderes e esferas, caminhem juntos e com uma direção comum. Após a conclusão da Estratégia Nacional, cada ente federativo terá que fazer a própria estratégia. Queremos caminhar no sentido da integração dos serviços públicos digitais das três esferas da federação.
Especificamente sobre os dados das pessoas com o governo, queremos promover cada vez mais o cruzamento seguro entre os diversos órgãos federais. O ideal é que cada pessoa forneça uma única vez seus dados para qualquer instância de governo. Um exemplo deste tipo de iniciativa é o Conecta Gov.br, que facilita a vida da população, simplifica o serviço público, reduz fraudes e traz segurança e economia para todo o processo. Até o momento, já são 20 APIs disponibilizadas na plataforma, como o CPF, CNPJ, Certidão Negativa de Débitos e CEP. Ao todo, já são 1.666 integrações, sendo 950 serviços integrados, e mais de 680 milhões de transações realizadas nesta plataforma.
Um outro exemplo de como o Estado poderá ser ainda mais proativo está na nova Carteira de Identidade Nacional (CIN). Este documento possibilita que diferentes áreas possam atuar de forma integrada para atender às necessidades da população. Isto vai facilitar o acesso aos serviços e regularizar os cadastros administrativos. No futuro, a administração pública será proativa, pois uma das vantagens do uso da carteira é a possibilidade de conectar todo o ciclo de vida das pessoas, acabando com a fragmentação de sistemas e documentos de identificação.
O que seria uma visão futura ideal de Estado e de Brasil?
O Estado do futuro é um Estado que atenda às pessoas. Um Estado que consiga ser reconhecido por cidadãs e cidadãos como um local de prover, melhorar e facilitar a sua vida, reduzir as desigualdades e prestar serviços de qualidade. Queremos que as pessoas possam ter certeza de que vão ter a saúde bem atendida, a educação dos seus filhos bem-feita, que vão ter acesso à segurança e a uma série de coisas que o Estado é capaz de prover — e que devem ser providas, na nossa visão, pelo Estado.
Nosso projeto é que o Brasil se torne mais desenvolvido, inclusivo e democrático. Um país justo e solidário, que respeita direitos e promove oportunidades para todas as pessoas. Um país soberano, que controla seus recursos naturais e sua política externa contribuindo para a construção de um mundo mais desenvolvido, mais justo e ambientalmente sustentável. Um país que investe na infraestrutura e tecnologia, preparado para contribuir com a transição energética global e para ser competitivo na economia global mantendo o compromisso com a sustentabilidade ambiental. Nosso horizonte é ter um país com menores níveis de pobreza e desigualdade, sem fome, com soberania e segurança alimentar, com educação e saúde públicas de qualidade, igualdade de gênero e raça, com respeito aos povos originários e à população LGBTQIA+ e demais grupos vulneráveis. Nosso mote é um país que cuida, valoriza seu povo e respeita a sua diversidade social.