Atos Falhos & DesAcertos - por Henry Nasser
E agora José? A intervenção acabou, o povo sumiu, a chama apagou, o resultado não veio, e agora José?
Calma, nem sempre resultados nulos são maus resultados. E nem sempre resultados super positivos à primeira vista, o são. Tudo deve ser analisado com olhar crítico. Houve erro de planejamento? Foi um viés que não se replicou num determinado contexto? Se a intervenção não gerou o resultado esperado, onde está a raiz do problema? Mesmo com um resultado não esperado de acordo com a literatura científica, o que aprendemos com a metodologia?
Sempre brinco com meus alunos e alunas de pós-graduação que para além da aplicação de insights comportamentais no dia a dia das organizações (essa é a parte fácil do trabalho), o que fazemos na prática é transformar a mentalidade de tomadores de decisão para cada vez mais enriquecer as decisões baseadas em evidência. Estamos num caminho frutífero. A melhor maneira de fazer isso? Aplicando o pensamento científico nos negócios através de experimentação com grupos de intervenção e controle para mostrar o valor dos resultados alcançados e também das aprendizagens das equipes (sobre o que fazer, como fazer, o que não fazer etc). Mas o que isso implica?
Experimentar é preciso. Recentemente, trabalhando com uma instituição financeira da América Latina parceira da BeWay, vimos que um mesmo conceito (ex: saliência da informação sobre os benefícios de um produto e a redução da carga cognitiva do passo a passo para sua adoção) funciona para um produto de crédito e não para outro na mesma linha de negócio. Quando isso acontece, temos sessões de discussão reavaliando as hipóteses comportamentais que foram trabalhadas (talvez para um produto as pessoas já tinham a informação necessária, ou talvez as próprias características do produto não geravam interesse no público). Isso pode acontecer e justamente é o que promove a otimização da estratégia. O importante é trabalhar previamente com os stakeholders do projeto para estarem abertos a aprender constantemente e seguirem melhorando a experiência dos usuários.
Documentar sempre. Como questões comportamentais são fortemente dependentes do contexto, devemos fomentar a implementação de cada vez mais experimentos desenhados em nossas realidades (contexto socioeconômico, cultura etc). Nesse sentido, ganham relevância iniciativas que fomentem uma linguagem única para as ciências comportamentais com maior comparabilidade entre as diversas intervenções e maior difusão dos achados. Colaborando com Linnea Gandhi no The Choice Architecture Lab pude conhecer um pouco mais do projeto Cartografia dos Nudges, proposta bastante interessante que ataca esse desafio. No Brasil, trabalhei num projeto relacionado à COVID dentro do âmbito da Behavioral Change Initiative cuja visão é de apoiar e difundir o desenho de iniciativas comportamentais em solo nacional, no qual publicamos um estudo bastante interessante e desafiador no contexto pandêmico em colaboração com hospitais na cidade de Campinas. O estudo levou a resultados estatísticos nulos impactados pelo curto período de coleta de dados, porém todo o desenho pode vir a ajudar a mapear novas intervenções no futuro.
Agilidade para atender pedidos de última hora. É muito comum estar trabalhando num desafio comportamental e por alguma decisão estratégica há um pedido de “ajuste de caminho” sobre o objetivo sendo trabalhado. Isso pode criar barreiras para a coleta de dados ou para a devido replanejamento das propostas sendo trabalhadas até então. Nesses casos, é preciso ter canais de comunicação ágeis, a equipe preparada (sempre motivada) e os materiais utilizados para a caracterização de comportamentos, análise de fatores que o influenciam e o desenho experimental sempre à disposição caso haja que reformular as hipóteses comportamentais.
Enfim, dentro da mentalidade de experimentação constante devemos olhar cada ponto de contato com o usuário como uma oportunidade de aprender algo novo e poder documentar todo o processo, as decisões tomadas e as metodologias utilizadas. Nos últimos anos, trabalhando com projetos de mudança de comportamentos em distintos setores (financeiro, educação, saúde etc) e em distintos países na América Latina, pude ver que há muito ainda para se descobrir, testar e seguir construindo.
Para saber mais:
https://www.choicearchitecturelab.com/
https://css.seas.upenn.edu/research/nudge-cartography/
https://www.unicamp.br/unicamp/noticias/2021/12/01/projeto-visa-promover-habitos-e-escolhas-saudaveis
https://idonline.emnuvens.com.br/id/article/view/3751
https://www.linkedin.com/in/henrynasser/
https://www.beway.org/
https://www.mundocomportamental.org/
* Henry Nasser é Behavioral Leader na consultoria BeWay, professor de gestão de projetos em Economia Comportamental e idealizador do Hub de conhecimento mundocomportamental.org, que busca difundir e inspirar cada vez mais a aplicação de projetos das ciências comportamentais em solo brasileiro.