Atos Falhos & DesAcertos - por Flora Pfeifer
Trabalhava no laboratório de inovação da Prefeitura de São Paulo, e era a primeira vez que estávamos experimentando com insights comportamentais. O projeto, o carro-chefe da área: aumentar o pagamento de impostos em atraso inserindo os famosos nudges nas cartas ao contribuinte, em parceria com a Secretaria da Fazenda. Era nossa primeira experiência com tal tipo de projeto, o que envolveu muito aprendizado “no processo”, quebrando a cabeça conforme surgiam os desafios em cada uma das etapas do que tínhamos lido sobre o processo de design comportamental. E assim fomos, ao longo de meses: definimos o nosso desafio comportamental (fazer com que os devedores de IPTU paguem antes do vencimento da cobrança CADIN), identificamos possíveis barreiras (esquecimento? Sludges no processo? Falta de senso de urgência? Não entendimento das consequências?), elaboramos nossas variações de solução (norma social, escolha deliberada, ameaça, explicativa, senso de urgência) e desenvolvemos um engenhoso sistema de aleatorização para permitir nosso experimento sem quebrar o sigilo fiscal e sem prejudicar o processo de remessas junto às organizações parceiras. Ufa! Tinha dado certo! Agora era “só” analisar os resultados.
Pois foi aí que fomos pegos de surpresa. A visão geral de comparar os resultados dos grupos foi pactuada, mas sem entrarmos em detalhes sobre o que implica a análise estatística de tais resultados (que não é apenas comparar colunas da tabela do excel), mas que nenhum lado sabia muito ao certo como fazer. Embora finalizado, descobrimos que não teríamos acesso aos dados, protegidos pela lei do sigilo fiscal, e que do outro lado não tinha os profissionais qualificados para tocarem a análise - e o projeto aos poucos caía naquele “limbo” de não ter muita vontade de fazer acontecer pelo nosso ponto de contato. Teria o esforço sido em vão, prejudicando a conclusão do projeto - que não é só ter um resultado positivo, mas de fato ter essa comunicação escalada e alterada para todo o município?
A princípio pareceu um beco sem saída, consequência de marinheiros de primeira viagem. Mas fomos buscar soluções para este problema, dando a resposta da forma mais mastigada possível. Propusemos para nossos parceiros uma sala de sigilo com nossa expert em análises, com apenas alguns dados iniciais. Com isso, essa projeção, calculamos primeiros resultados e impacto potencial e pensamos muito na melhor forma de comunicar os resultados - a narrativa da apresentação, quem deveria estar na reunião, qual a mensagem que queríamos passar e o resultado em termos do que interessa para a Fazenda - dinheiro! E não é que deu certo? Conseguimos acesso ao resto dos dados seguindo o mesmo modus operandi e a melhor versão da carta foi implementada - tanto que, dois anos depois, recebi ela na minha casa! Devo ter sido a única pessoa que ficou feliz em receber uma carta de cobrança… rs
Leia mais sobre o caso aqui, aqui e aqui.
* Flora Pfeifer é economista pela Universidade de São Paulo e Mestre em Administração Pública e Governo pela Fundação Getúlio Vargas. Desde a graduação, trilhou o caminho da economia comportamental e das ciências comportamentais. Liderou iniciativa pioneira de aplicação dos insights comportamentais em políticas públicas na Prefeitura de São Paulo e atuou na equipe de Mente, Comportamento e Desenvolvimento do Banco Mundial (eMBeD). Hoje, é Head de Ciências Comportamentais na Liti Saúde, uma health tech que atua na perda de peso e mudança do estilo de vida.