CINCO MINUTOS DE METODOLOGIA
O que é um problema comportamental?
Maurício Sarmet e Fabio Iglesias
(com a colaboração de Helena Azambuja e Lívia Machado)
No primeiro CINFORME nós tratamos do experimento em ciências comportamentais, um tipo de intervenção que é visto como ideal para resolver problemas sociais, em especial quando tem baixo custo e um alto potencial de promover mudanças.
Vamos voltar uma casa e recapitular:
Vimos o que é (e como se pode garantir):
- o controle das variáveis envolvidas;
- como se define a participação das pessoas nas condições experimentais;
- os diferentes tipos de delineamento (intra e inter-sujeito) de um experimento;
- os tipos de ambiente (campo e laboratório);
- o experimento controlado randomizado (RCT, em inglês), padrão-ouro na área;
- outras considerações fundamentais para quem precisa focar nesse tipo de intervenção.
Uma das primeiras tarefas de quem trabalha com ciências comportamentais aplicadas a políticas públicas, no entanto, é justamente definir um problema comportamental, mesmo sem a pretensão de realizar um experimento. Apesar de parecer óbvia ou simples, é uma etapa estratégica e que exige muito trabalho. É em torno do problema que são mapeados os fatores individuais, sociais e culturais e para o qual são testadas as soluções apropriadas. Ou seja, é uma etapa essencial que pode influenciar o sucesso e o fracasso de qualquer ação.
Quando falamos em políticas públicas, é comum surgirem questões associadas ao desempenho, como o alcance das metas estabelecidas para ela. Por exemplo:
- a cobertura vacinal abaixo dos percentuais esperados;
- o número de estudantes que concluem o Ensino Médio abaixo da média;
- o aumento do endividamento dos consumidores.
São objetivos institucionais ousados e problemas complexos, se pensados como uma coisa só. Eles são multicausais. Por isso, é essencial “quebrar” os problemas em camadas. Para o uso das ciências comportamentais como ferramenta, falamos em encontrar a camada dos comportamentos que podem estar afetando o desempenho da política. Trata-se, então, de analisar como as pessoas envolvidas naquele contexto pensam, agem e sentem. Mais ainda, identificar quais barreiras estão enfrentando frente às intervenções que foram planejadas para o alcance da meta institucional.
Nota-se que muitos problemas são classificados errônea (ou intencionalmente) como estruturais, portanto, quando endereçados por mais ações estruturais continuam gerando frustração para a Administração Pública. Uma das razões é que, muitas vezes, as estratégias falham por motivos de natureza comportamental, que não serão solucionados necessariamente ao disponibilizar mais serviços, mais espaços ou mais atendimentos, não importa quantos recursos sejam investidos. A definição de um problema comportamental inclui o mapeamento dos diversos atores envolvidos, incluindo quem formula, implementa, avalia, executa, apoia, negligencia, financia, participa, consome, entre outros.
Voltando ao exemplo, a baixa cobertura vacinal pode estar sim associada em boa parte a questões estruturais, como distribuição, eficácia e falta de recursos, entre outros. Porém, aí entra a definição de “problema comportamental”, que nesse caso pode envolver:
- As pessoas estão conseguindo ir ao posto de saúde?
- Qual o perfil de quem mais se vacina e de quem menos se vacina?
- Quem na família toma as decisões e providências para a vacinação?
- Os horários de atendimento estão adequados?
- Há informação suficiente sobre a importância da vacinação?
- Quais táticas de persuasão do público estão sendo usadas?
- Existe algum medo oculto para que não se vacinem?
- Como a política foi desenhada? Quais os objetivos que foram propostos?
- Podem outras políticas estar competindo com a vacinação?
- Existe resistência interna de pessoas na própria Administração Pública para alcançar o objetivo?
A análise do comportamento para a definição do problema nessa camada pode ser feita com base em perguntas aos envolvidos, para que relatem como interagem no contexto da política. Mas, como revelado em muitos estudos em psicologia social, perguntas em entrevistas e surveys podem gerar respostas imprecisas. As pessoas frequentemente respondem o que é mais aceito socialmente (desejabilidade social), o que seria a resposta ideal, a parte que melhor se lembram ou que está mais disponível na memória (viés da disponibilidade). Dessa forma, é fundamental a observação em campo de como as pessoas se comportam na realidade, para obter evidências confiáveis.
Definir um problema como comportamental significa analisá-lo com base nas evidências que ciências como a psicologia e a economia comportamental reuniram sobre como as pessoas agem, tanto de forma consciente quanto não-consciente. O popular termo "insight comportamental" sugere essa compreensão profunda e perspicaz sobre padrões, motivações e tendências que influenciam o comportamento humano em determinadas situações. Com base nessa compreensão é que se consegue propor soluções comportamentais, como alternativas às soluções que tradicionalmente focam nos elementos estruturais, financeiros ou legais dos problemas sociais. Algumas perguntas que podem nortear a coleta de insights para definição do problema:
- Quem está envolvido? Nem sempre o problema comportamental é do usuário final.
- Qual o contexto social, histórico, cultural, individual e coletivo? As pessoas não se comportam num vácuo.
- Quais são as camadas do problema? Um mesmo problema de política pode ter mais de um problema comportamental.
- Quais as barreiras comportamentais encontradas? Por vezes são reais, por vezes apenas crenças equivocadas.
- Como selecionar o comportamento com maior chance de impacto? Nem sempre o que parece maior ou popular será promissor.
- Como coletar evidências para informar a tomada de decisão? Esse processo só terá êxito se adotar diferentes estratégias (p.ex., abordagem multi-métodos).
Como se não bastasse qualquer política pública envolver problemas, ainda é um problema definir o problema comportamental de cada meta… É mesmo desafiador, mas vale investir energia nessa etapa, que tem se mostrado um diferencial nas iniciativas de muitos países. Insights comportamentais só funcionarão se as intervenções estiverem alinhadas aos usuários, baseadas em evidências e com rigoroso controle metodológico, resultando em menos desperdício e muito maior chance de efetividade!