Atos Falhos & DesAcertos - por Vera Rita de Mello Ferreira
Case de insucesso
Por Vera Rita M. Ferreira[1]
Projetos que não trazem os resultados esperados podem ser úteis para nos preparar para novas experiências – ainda que deixem um sentimento de frustração no momento, é claro. É o caso que passo a relatar abaixo (preservando a identidade e detalhes devido a exigências de confidencialidade, mas mantendo o ‘espírito da coisa’).
1. Cliente – empresa de grande porte.
2. Queixa – questões referentes à vida financeira.
3. Público-alvo – extenso, em diferentes regiões, adultos, baixa renda.
4. Objetivo – reduzir os problemas referentes à queixa, por meio de intervenção comportamental.
5. Hipótese – pequenas alterações no contexto, fundamentadas em estudos das áreas de ciências comportamentais (psicologia econômica, economia comportamental, finanças comportamentais, neuroeconomia, com destaque para a abordagem de arquitetura de escolha) e criadas em sistema de crowdsourcing[2], poderiam trazer resultados com impacto em termos de escala e de manutenção de novos hábitos.
6. Método – o projeto foi estruturado sobre os seguintes pilares e recorrendo, sempre, ao instrumento do crowdsourcing:
a. Capacitação inicial da equipe interna em psicologia econômica e arquitetura de escolha (cerca de 25 pessoas);
b. Preparação conjunta (equipe interna, parceiros especialistas em aplicação de levantamentos em profundidade junto a público de baixa renda, consultora responsável) do instrumento de pesquisa que viria a ser utilizado para a coleta de dados com representantes das comunidades (crowdsourcing com público-alvo);
c. Apresentação e análise dos dados da pesquisa acima, em conjunto com alguns membros da equipe interna, especialistas parceiros e consultora responsável;
d. Início da construção das estratégias (consultora responsável), análise e discussão das propostas com a equipe interna, com acolhimento das restrições impostas pelas contingências da empresa, retrabalho sobre as estratégias;
e. Seleção das estratégias que dariam início à primeira fase da implementação (piloto), com detalhamento do formato (linguagem e apresentação em geral, periodicidade etc.), sempre com a colaboração da equipe interna;
f. Desenho da avaliação que seguiria ao piloto – apesar de prever comparação entre grupo controle e três grupos de intervenção com pequenas diferenças entre si (para testar diferentes variáveis), não seria um “RCT clássico” (randomized controlled trial, experimento envolvendo grupos controle e de intervenção com amostras randomizadas), uma vez que as amostras não seriam inteiramente aleatórias, mas obedeceriam a critérios de localização geográfica e, possivelmente, facilidade de acesso.
No entanto, após a formatação do esboço da nova arquitetura de escolha, buscando contornar e ajustar às condições da empresa, e sua apresentação à equipe interna, o projeto foi pausado e, algum tempo depois, suspenso, porque a empresa fora vendida. Infelizmente, a proposta não encontrou espaço naquele momento de transição e o trabalho foi interrompido.
Deve ser observado, contudo, que a equipe interna demonstrou grande interesse e engajamento com o projeto durante toda a sua duração (cerca de um ano). Nesse sentido, o ‘crowdsourcing interno’ foi muito bem-sucedido, com boa compreensão dos conceitos-chave de arquitetura de escolha e excelentes contribuições por parte da equipe.
Assim, não se tratou de um ‘fracasso de um projeto de arquitetura de escolha’, já que a interrupção aconteceu algumas etapas antes da sua implementação concreta. Foi pena não poder verificar se as propostas teriam algum sucesso, ‘testar a hipótese’, mas foi uma situação que pode ocorrer em qualquer projeto de mudança de comportamento coletivo que envolva múltiplos atores/stakeholders. Não há como controlar tantos fatores, sejam eles internos, externos, fortuitos, inesperados, parte de uma conjuntura maior ou pequenos detalhes.
O único a fazer é tentar aprender com a experiência, se preparar tanto quanto possível para próximas oportunidades – e compartilhar com a comunidade científica e os profissionais da área, para seguirmos avançando com a implementação de projetos alimentados pelas ciências comportamentais aplicadas.
[1] Presidente da IAREP-the International Association for Research in Economic Psychology e Vértice Psi – Instituto de Psicologia Econômica e Ciências Comportamentais; verarita@verticepsi.com.br https://cursosverticepsi.com.br.
[2] Crowdsourcing é o termo usado, aqui, para indicar a obtenção de dados que podem incluir informações, experiências, opiniões, insights, sugestões etc., a partir dos envolvidos no projeto; neste caso, houve crowdsourcing tanto interno, com a equipe que tinha expertise no tema e/ou estaria acompanhando diretamente a criação e implementação da intervenção, como externo, isto é, representantes do público-alvo, que receberia a intervenção, antes de seu desenho.