Trilhas do Conhecimento - Trilha Introdutória
O que são as Ciências Comportamentais?
Ciência Comportamental é um campo de estudo interdisciplinar que se desenvolveu a partir dos anos 1970 e que busca entender os comportamentos das pessoas. O objetivo é entender os mecanismos subjacentes às ações e interações dos seres vivos, seja a respeito de seus processos mentais e comportamentos (psicologia), das estruturas sociais e relações humanas (sociologia), das culturas humanas e evolução (antropologia) ou mesmo dos aspectos biológicos do comportamento (neurociência).
Entre os principais temas que essa ciência aborda, a tomada de decisão recebe especial atenção. Este é um ponto de convergência com a economia comportamental que trata das decisões econômicas e questiona o modelo do agente racional a partir de evidências empíricas, advindas sobretudo da psicologia e da economia.
As Ciências Comportamentais defendem que os agentes têm racionalidade e capacidade de processamento limitada, e, por isso, trabalha com heurísticas (“atalhos mentais”) para lidar com o grande número de decisões que são tomadas diariamente. É um mecanismo útil, mas que, com frequência, prega peças, fazendo com que erros previsíveis e sistemáticos sejam cometidos, conhecidos como vieses.
De forma simples, as heurísticas e os viéses estão ligados ao processamento rápido e intuitivo - Sistema 1- das informações. Porém, quando processamos informações complexas e analíticas, acionamos um sistema mais lento - Sistema 2- sendo através desse pensamento lento, que conseguimos compensar, em certa medida, os viéses.
O estudo interdisciplinar do comportamento abriu espaços para diferentes aplicações práticas. Entre elas, por possuírem enorme impacto no bem-estar social, destacamos as aplicações nas políticas públicas. Dentre as estratégias comportamentais aplicadas às políticas públicas, uma das mais utilizadas é conhecida como nudges - “empurrõezinhos” que utilizam as tendências humanas identificadas pelas ciências econômicas para guiar as pessoas a agirem em seu benefício.
Válido ressaltar que o campo das Ciências Comportamentais é vasto e tem crescido muito nas mesas de discussão da mais alta governança global, apresentando uma forma inovadora de enxergar e propor soluções para os principais desafios públicos.
Para saber mais:
- Guia de Economia Comportamental e Experimental. Disponível em: https://www.economiacomportamental.org/guia/
- The Behavioral Economics Guide. BE Hub. Disponível em: https://www.behavioraleconomics.com
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Conceitos
A revolução cognitiva, a partir dos anos 1950, marcou uma mudança significativa na psicologia e nas ciências cognitivas, afastando-se das abordagens estritamente behavioristas que dominaram o início do século XX. Em vez de focar apenas em comportamentos observáveis e respostas condicionadas, a revolução cognitiva trouxe de volta o estudo da mente humana, reintroduzindo conceitos de memória, atenção, percepção e tomada de decisão.
Nesse contexto, a economia comportamental surgiu como um campo interdisciplinar que desafia os pressupostos tradicionais da economia, que presume que os agentes econômicos são racionais e maximizadores. Seu desenvolvimento começou a ganhar destaque nos anos 1970 e 1980, com os trabalhos pioneiros de psicólogos como Daniel Kahneman e Amos Tversky.
Desde então, a economia comportamental evoluiu para integrar métodos empíricos e teorias da psicologia cognitiva, neurociência e outras disciplinas comportamentais. Essa abordagem tem sido aplicada em uma variedade de contextos, desde políticas públicas e finanças comportamentais até marketing e design de produtos. A economia comportamental continua a influenciar profundamente como entendemos e modelamos o comportamento humano na economia, expandindo nosso conhecimento sobre como as decisões são realmente tomadas.
Hoje, as ciências comportamentais são marcadas por uma abordagem pluralista e multidisciplinar para explorar de forma abrangente os complexos processos mentais e comportamentais que moldam nossa experiência humana.
Para saber mais:
- Mullainathan, S.; Thaler. R. Behavioral Economics. Working paper NBER 7948, 2000. Disponível em: https://www.nber.org/system/files/working_papers/w7948/w7948.pdf e também em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=245828
🗒️Resumo
Na teoria de heurísticas e vieses de Kahneman e Tversky, heurísticas são processos mentais simplificados que permitem às pessoas tomar decisões rápidas e eficientes sem precisar processar todas as informações disponíveis. Esses atalhos cognitivos são especialmente úteis em situações em que o tempo é limitado ou as informações são complexas demais para uma análise detalhada. No entanto, o uso das heurísticas pode resultar em vieses cognitivos, ou seja, padrões sistemáticos de erro que podem distorcer o julgamento racional.
Para saber mais:
- Baddeley, Michelle. Behavioural Economics: A Very Short Introduction. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=5faZG83V0OY
Nas ciências comportamentais, decisões humanas são os processos pelos quais os indivíduos escolhem entre diferentes cursos de ação, baseados em uma combinação de fatores racionais, emocionais, sociais e contextuais. Esses processos envolvem a percepção, cognição, emoção e influências sociais que guiam a tomada de decisões. As ciências comportamentais investigam como as pessoas avaliam opções, fazem julgamentos e escolhem comportamentos, muitas vezes utilizando experimentos e observações empíricas para entender os padrões de decisão. As decisões humanas nas ciências comportamentais são analisadas considerando o impacto das interações sociais e culturais. Fatores como normas sociais, pressão de grupo, identidade cultural e comunicação interpessoal desempenham papéis significativos na maneira como as pessoas tomam decisões. Por exemplo, decisões de consumo, saúde e comportamento pro-social são fortemente moldadas pelas dinâmicas sociais e pelos contextos nos quais os indivíduos estão inseridos. Ao entender esses fatores, as ciências comportamentais buscam não apenas explicar o comportamento humano, mas também desenvolver intervenções e políticas que possam promover escolhas mais benéficas e informadas para os indivíduos e a sociedade.
Para saber mais:
- Fox , Justin. From “Economic Man” to Behavioral Economics - A short history of modern decision making. Harvard Business Review. Disponível em: https://hbr.org/2015/05/from-economic-man-to-behavioral-economics
Os vieses cognitivos são padrões sistemáticos de desvio da racionalidade ou da lógica esperada nas decisões humanas e podem ocorrer devido ao uso de heurísticas. Por exemplo, a heurística da disponibilidade pode levar as pessoas a superestimar a probabilidade de eventos com base na facilidade com que conseguem lembrar de exemplos relevantes, o que pode ocorrer quando tais eventos são frequentemente reportados pela mídia. Outro exemplo é o viés do presente ou efeito miopia: a tendência de dar mais peso a informações recentes ao tomar decisões. Compreender esses vieses ajuda a explicar uma série de fenômenos comportamentais observados em psicologia e economia comportamental, destacando a interação complexa entre processos mentais rápidos e o pensamento mais lento e deliberado.
O "Sistema 1" é um componente essencial da teoria dos processos cognitivos desenvolvida por Kahneman, caracterizando um modo de pensamento rápido, automático e intuitivo. Este sistema é responsável por decisões instantâneas, reações emocionais imediatas e operações mentais que ocorrem sem esforço consciente. Embora seja eficiente para situações cotidianas que exigem respostas rápidas, o Sistema 1 também pode levar a erros sistemáticos, ou seja, vieses cognitivos.
Em contraste, o "Sistema 2" é descrito como um modo de pensamento mais lento, deliberado e consciente, exigindo esforço mental significativo. Ele é ativado em situações que demandam raciocínio complexo, tomada de decisões cuidadosa e avaliação crítica. Kahneman enfatiza que entender a interação entre esses sistemas é crucial para compreender como fazemos escolhas, identificando quando confiamos demais em respostas automáticas do Sistema 1 e quando a aplicação do Sistema 2 poderia resultar em decisões mais ponderadas e precisas.
Para saber mais:
- Guia de Economia Comportamental e Experimental - p. 31-33. Disponível em: https://www.economiacomportamental.org/guia/.
- Baddeley, Michelle. Behavioural Economics: A Very Short Introduction. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=5faZG83V0OY
De acordo com as ciências comportamentais, o bem-estar social refere-se ao estado de saúde, felicidade e prosperidade de uma sociedade, considerando não apenas os aspectos econômicos, mas também os fatores psicológicos, emocionais e sociais que influenciam a qualidade de vida das pessoas. As ciências comportamentais investigam como diferentes elementos, como saúde mental, relacionamentos interpessoais, segurança, e satisfação com a vida, contribuem para o bem-estar geral dos indivíduos. A abordagem holística das ciências comportamentais reconhece que o bem-estar social é multidimensional e depende de uma complexa interação entre as condições materiais e o ambiente psicossocial.
Além disso, as ciências comportamentais enfatizam a importância das políticas públicas e das intervenções sociais na promoção do bem-estar social. Estudos mostram que fatores como a igualdade social, acesso a serviços de saúde e educação, e um ambiente social solidário são cruciais para melhorar o bem-estar. As ciências comportamentais fornecem insights sobre como políticas e programas podem ser desenhados para aumentar o bem-estar, utilizando estratégias como nudging para incentivar comportamentos positivos e prevenir problemas sociais. Assim, o bem-estar social é visto como um objetivo coletivo, alcançado através da compreensão e intervenção nos fatores comportamentais que afetam a vida das pessoas.
Para saber mais:
- Samson, Alan. An Introduction to Behavioral Economics. Disponível em: https://www.behavioraleconomics.com/resources/introduction-behavioral-economics/
Estratégias comportamentais aplicadas às políticas públicas
As ciências comportamentais oferecem uma perspectiva para melhorar as políticas públicas ao fornecerem insights sobre como as pessoas tomam decisões e respondem a incentivos. Ao contrário dos modelos tradicionais que pressupõem racionalidade perfeita, as ciências comportamentais reconhecem que nossas escolhas são frequentemente influenciadas por fatores emocionais, sociais e cognitivos. Isso permite que formuladores de políticas ajustem intervenções para melhor se alinharem com o comportamento humano real, aumentando a probabilidade de adesão e sucesso.
Por exemplo, técnicas como a economia comportamental e a psicologia aplicada permitem que políticas sejam desenhadas de forma a considerar vieses cognitivos e contextos específicos. Isso pode incluir desde a simplificação de formulários e processos burocráticos até o uso de nudges para incentivar comportamentos desejados, como adesão a programas sociais, adoção de práticas ambientalmente sustentáveis ou participação em programas de saúde preventiva. Ao integrar as ciências comportamentais, as políticas públicas se tornam mais adaptadas à realidade comportamental dos cidadãos, potencializando seus efeitos positivos e melhorando o bem-estar geral da sociedade.
Para saber mais:
- Behavioural Science: Understanding the human. Warwick Business School. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=G6m7X6wope4
- Introduction to Behavioural Science. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=QM4yFBTxuhw.
Os "nudges" são intervenções projetadas para influenciar sutilmente as decisões das pessoas, sem proibições ou alterações significativas nos incentivos econômicos. Essas intervenções são baseadas na ideia de que as pessoas muitas vezes tomam decisões automáticas e impulsivas, que podem não ser sempre ótimas para elas mesmas a longo prazo. Os nudges são projetados para ajudar as pessoas a fazer escolhas melhores, alinhando suas decisões com seus interesses a longo prazo, sem remover a liberdade de escolha.
Um exemplo clássico de nudge é a organização de opções de escolha de maneira que a opção mais saudável ou benéfica seja mais visível ou mais fácil de escolher, incentivando assim comportamentos mais saudáveis. Outro exemplo é o uso de lembretes ou prompts que aumentam a probabilidade de ação, como lembretes automáticos para pagamento de contas. Os nudges são um meio eficaz de aplicar os insights da psicologia comportamental à política pública e ao design de sistemas, ajudando as pessoas a tomar decisões mais informadas e benéficas para si mesmas.
Para saber mais:
- Witynski , Max Behavioral Economics, explained. UChicago News. Disponível em: https://news.uchicago.edu/explainer/what-is-behavioral-economics
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Resumo
"Behavioral Economics", de Sendhil Mullainathan e Richard Thaler, explora a interseção entre a psicologia e a economia, examinando como o comportamento humano afeta as decisões econômicas e os resultados do mercado. O artigo começa sustentando a relevância dos fatores comportamentais na economia, argumentando que, apesar das forças do mercado, do aprendizado e da evolução, as limitações humanas e os desvios do comportamento racional continuam significativos.
Os autores apresentam três conceitos-chave que diferenciam a economia comportamental da economia tradicional: racionalidade limitada, força de vontade limitada e interesse próprio limitado. A racionalidade limitada trata das habilidades cognitivas limitadas dos indivíduos, que restringem suas capacidades de resolução de problemas. A força de vontade limitada refere-se à tendência das pessoas de fazer escolhas que não se alinham com seus interesses de longo prazo devido à falta de autocontrole. O interesse próprio limitado destaca o fato de que as pessoas geralmente agem de forma altruísta, sacrificando seus próprios benefícios para ajudar os outros.
Mullainathan e Thaler aplicam esses conceitos a finanças e poupança. Eles argumentam que, mesmo nos mercados financeiros, em que as oportunidades de arbitragem deveriam, teoricamente, eliminar as anomalias, elas persistem devido aos limites da arbitragem. Os fatores comportamentais também são cruciais para entender o comportamento da poupança, já que poupar para a aposentadoria envolve cálculos complexos e exige muita força de vontade.
O artigo conclui que a economia comportamental fornece percepções valiosas sobre o comportamento econômico ao incorporar princípios psicológicos, oferecendo, assim, uma compreensão mais abrangente de como os indivíduos e os mercados operam.
Para obter informações mais detalhadas, consulte o texto completo disponível Mullainathan, S.; Thaler. R. Behavioral Economics. Working paper NBER 7948, 2000. Disponível em:https://www.nber.org/system/files/working_papers/w7948/w7948.pdf