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Transposição: um grande equívoco, artigo de Manuel Bomfim Ribeiro
Março de 2005
Estamos na eminência de assistir o inicio das obras de transposição de águas do rio São Francisco para o Nordeste Setentrional. Esta mega obra deveria merecer maior reflexão dos poderes constituídos. Não podemos mais errar nesta região, já erramos demais. Basta. Por falta de uma liderança competente o Semiárido brasileiro vai ficando cada vez mais abandonado na sua imensa e desordenada grandeza . Não é por falta de alerta nem de informações técnicas. Este é mais um grande erro deliberado e consciente que só a história julgará.
Já em 1920, o engenheiro Souza Brandão, no seu livro "Um feixe de artigos", pág 111,dizia: "Transportar água do rio São Francisco para os vales dos rios Piranhas e Jaguaribe são idéias compatíveis com a técnica, porém imorais do ponto de vista econômico.
Existiam, até o ano passado, 23 obras de porte paralisadas , inconclusas e abandonadas no Semiárido nordestino.Este ano de 2005 mais 4 grandes obras foram paralisadas pelo Governo atual, nas ribeiras do São Francisco, equipamentos expostos ao tempo e á sanha de malfeitores. Seriam mais de 200.000 hectares irrigados produzindo alimentos e que iriam gerar mais de um milhão de empregos, parte das metas do Presidente Lula.. O ministro Ciro declarou textualmente que recusou oferta de financiamento do BID para a mega obra porque o Brasil está com superávit primário. Por que, então, paralisou as 4 obras de irrigação do São Francisco? Não entendemos. O ministro da Integração inicia, em maio próximo, a monumental transposição, obra já dividida em 14 lotes, ao custo de 300 milhões cada, e mais um conjunto de 9 super-bombas para galgar as águas às alturas manométricas de até 300 metros.. Atentem bem ! Esta obra vai começar com fogo total, grandes movimentações, muita alegria, mas só deverá ser paralisada, e abandonada no inicio de 2007, já no outro governo, após as eleições de 2006, cumprida sua missão de "indústria da seca", sem ter transportada uma só gota de água. Nesta época já somaremos 28 grandes obras abandonadas e inconclusas no sertão nordestino. Quem for vivo verá.
E assim o Nordeste vai bem, muito bem, se resvalando. Bem explorado , bem esquecido,bem abandonado e bem vilipendiado pelos nobres da República. A água, essencial `a vida de todos nós, só chegará integralmente ás comunidades nordestinas, quando o sistema de distribuição for espacial O projeto da transposição é linear, irá formar estirões fluviais, perenizando riachos intermitentes de uma pequenina faixa do Semiárido nordestino. 1000 km de extensão com 5 km de faixa desapropriada. 5.000 km2 representando ½% da superfície total do Polígono das Secas . Um riacho inexpressivo para tanto dinheiro gasto. Imaginem a linha de um novelo estendida no chão de uma quadra de basquete Não exercerá nenhum efeito sobre o todo. O DNOCS, rico de obras por todo o Nordeste e prenhe de experiências ao longo do século 20, perenizou 3.627 km de rios e riachos intermitentes, de leitos dessecados, superior ao comprimento do rio São Francisco, de sua nascente à foz (3.161 km) e não resolveu o problema hídrico do Nordeste.
O Sistema Espacial atenderá ao Nordeste Setentrional através de 3 sub-sistemas -adutoras, implúvios e poços tubulares. Adutoras- são as asas hídricas dos açudes, evitando a acumulação pontual da água. Elas fazem a água andar, viajar em todas as direções, por gravidade e por bombeamento, abastecendo as comunidades dentro do seu raio de ação. Uma pequena adutora, com vazão de 10 lts/s atende ,sobejamente, a 10.000 hab. E mais, a água aduzida elimina o quociente de evaporação e o açude se torna útil e dinâmico. Democratiza o açude porque no Nordeste, água ainda é poder. Os exemplos de adutoras, já, existentes no Nordeste, mormente no Rio G. do Norte, atestam esta realidade. Implúvios- O nome popular é cisterna, que capta a água da chuva através dos telheiros,no momento da precipitação. Publicamos um opúsculo sobre este tema em 1988. No Nordeste, chove, em média, 500 mm/ano, isto é, cai 500 litros de água em cada metro quadrado de chão. É muita água. Um casinha de 10,00 x 10,00 =100 m2 recebe, na sua cobertura, 50 m3 de água por ano, podendo gastar mais de 100 litros/dia o ano inteiro. A água é potável, pura e muito boa. A ASA e a CÁRITAS estão em ação para executar um milhão de cisternas, no Semiárido. São as cisternas de placas, grande solução, levando água ao vale e ao morro, a 6 milhões de pessoas, em parceria com cada família, a custos modestíssimos. Poços tubulares. O Escudo cristalino amortalha 70% da superfície do Semiárido brasileiro. Os lençóis subterrâneos são pequenos, água pouca, mas 88% dos poços abertos pelo DNOCS, no século 20, são positivos .Os outros 30% da superfície do Semiárido são solos sedimentares, água farta e pura, em abundância. Poços jorrantes (sem bombeamento), verdadeiros rios subterrâneos, como já citamos em carta aberta ao Sr. Presidente da República .O poço Violeta, no Piauí, com vazão de 950 m3 /hora é o maior da América do Sul. Está tamponado pela ANA Agencia Nacional de Águas, para não perder água, por absoluta falta de programas.. Só a água subterrânea contida na bacia do Gurgueia (58.000 km2), afluente do Parnaíba, é suficiente para abastecer o Nordeste inteiro.Mais ainda, esta bacia é dotada de grande artezianismo, a água jorra. Podemos extrair até 20 bilhões de m3/ano do sub-solo do Semiárido, sem queda de pressão hidrostática, no entanto só extraímos cerca de 600 milhões, 3% da potencialidade disponível. Os outros 97% permanecem adormecidos no ventre da terra.. Israel retira 1 bilhão de m3 do sub-solo do deserto de Neguev, numa área de 16.000 km2, menor que o estado de Sergipe. O Semi-árido tem 800.000 km2 de área, 50 vezes maior.
Dos poços abertos no Nordeste cerca de 40% não funcionam pelas causas mais diversas, menos por falta de água A moto-bomba quebra, falta diesel, obstruem com pedras, o prefeito perdeu na vila, logo este povo não merece água, etc. O Governo não tem sabido transferir a manutenção e conservação do poço para as comunidades. Não há modelo de gerenciamento. As comunidades, através de comitês, deveriam assumir total responsabilidade pela vida do poço. Assim procede o Ministério de Desenvolvimento Hidráulico do Quênia, com excelentes resultados. Não falamos em barragens submersas, pequenas obras que retêm o fluxo sub-fluvial dos riachos intermitentes. A UNESCO recomenda esta técnica simples nos diversos países de regiões áridas, inclusive no Brasil.
O DNOCS construiu diversas, Ceará, R.G. do Norte e Paraíba. Nosso Semiárido possui uma excelente rede filamentar de riachos, próprias para a construção dessa barragens simples mas que mitigam a sede.
Se a carência de recursos hídricos é a causa única de emigração, estas obras do sistema espacial evitarão, por certo, toda a transumância do homem para outras plagas Por estas razões técnicas e verdadeiras, temos afirmado e repetido, o Semiárido brasileiro. não precisa das águas do rio São Francisco, nem de rio nenhum. Os estudiosos do Nordeste sabem disto, mas existem os auxiliares do Governo que criam uma crosta de aulicismo em torno dos seus superiores, deixando de defender soluções para aplaudir posições. A TRANSPOSIÇÃO É UM GRANDE EQUÍVOCO.
Manoel Bonfim Ribeiro foi Diretor do DNOCS/ Diretor da CODEVASF / Consultor SRH/MMA.
E-mail: manoel.bomfim@terra.com.br
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