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Transposição: Para onde querem levar o rio, artigo de Mariza de Andrade
2006
Em 5.500 quilômetros do percurso feito para conhecer a área de influência direta da transposição, estivemos em todos os rios e açudes que poderão vir a receber as águas do Rio São Francisco. Começamos a jornada em Petrolândia, na margem pernambucana do São Francisco, onde está prevista a captação de água na Barragem de Itaparica, onde flagramos soldados do Exército, em campo, fazendo medições topográficas, em desobediência à Justiça, que determinou, até julgamento das ações contrárias ao projeto do governo, a paralisação de todos os atos atinentes à transposição.
Constatamos a existência de bilhões de metros cúbicos acumulados em 12 açudes visitados. Em torno desses locais, é visível o pouco investimento público para distribuição de água para irrigação. Agricultores vivendo à espera da chuva a poucos metros de grandes espelhos-d’água. Moradias miseráveis nas quais a água para beber chega em carro-pipa, quando não contam com cisternas ou se esgotam as soluções improvisadas de acumulação de água de chuva – que chega até a utilizar-se de fendas de rocha para juntar o precioso líquido.
E até o extremo no qual investimentos já feitos para canalização da água para irrigação foram abandonados, deixando pequenos agricultores indignados.
Vimos experiências exitosas de investimento público bem feito, como entre pequenos criadores de cabras e ovelhas na Paraíba, que, com incentivo, estão transformando a antiga prática em um negócio lucrativo e dignificante do povo do campo. Ouvimos depoimentos dramáticos de mães de família que não conseguem ter acesso à ajuda de programas como o Bolsa Família e nem têm explicação para o cancelamento da ajuda salvadora de apenas R$ 95 por mês para uma família de oito.
Vimos a pujança da engenharia nacional nas obras de represamento de água de chuva em grandes açudes e o atraso injustificável em investimentos no homem tanto para o acesso à água quanto para o melhor proveito deste recurso. Vimos histórias de desperdício de água dos açudes se repetirem a ponto de quase exaustão dos mananciais agravado pelos anos de escassez de chuvas.
Vimos a fé inabalável do sertanejo na vida, na chuva, na plantação e em promessas como a da transposição, que, para a maioria dos que estão no campo dos Estados receptores, soa como a redenção, o fim de todos os problemas. Há quem acredite que rios intermitentes com leitos largos e extensos de areia acumulada pelo assoreamento sejam perenizados pelo Rio São Francisco ou também quem julgue mais factível aplicar os R$ 4,5 bilhões na oferta de água para as terras irrigáveis em torno dos açudes. E há quem veja na proximidade do ano político a possibilidade de mais uma grande obra ser lançada.