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Transposição e o Balanço Hídrico, artigo de Manoel Bomfim Ribeiro
Artigo editado no jornal A Tarde, de Salvador, em 02/08/1996.
O assunto volta à baila neste ano neste ano de eleições como acontecera em 1994. A matéria já foi amplamente discutida nos meios técnicos, nas universidades e nos meios políticos, mostrando à sociedade nordestina sua inoportunidade e inadequação. A Carta aberta ao Sr. Presidente da República, assinada pelas associações de classe, assembléias legislativas e clubes de serviços de quatro estados, sob a liderança do Jornal A TARDE, datada de agosto de 1994, foi bastante esclarecedora.
Os argumentos políticos, entretanto, não se arrefeceram diante dos argumentos técnicos.
Hoje não mais falaremos sobre os prejuízos que a transposição causaria aos projetos de irrigação do Vale, à queda de energia do sistema da Chesf e outros malefícios. O que pretendemos, agora, é esclarecer, com dados comprobatórios, que o Nordeste não necessita das águas do São Francisco, nem do Tocantins nem de outras quaisquer bacias exportadoras para promover o seu desenvolvimento. Toda água necessária para o seu abastecimento humano e animal, para o seu parque industrial, para irrigação, piscicultura tropical e suas reservas ecológicas, enfim para o soerguimento da sua economia, toda esta água, repetimos, encontra-se dentro do próprio mosaico geográfico do Polígono das Secas. Israel nunca achou um rio para promover o seu desenvolvimento agrícola, teve que gerar água do seu próprio ventre. As potencialidades hídricas disponíveis no Nordeste são superiores às suas necessidades.
Vamos analisar especificamente o sistema hídrico dos três estados que mais gritam por água, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba, que ocupam uma área geográfica total de 257.000 km² - 26% do Polígono das Secas -, menor que os 330.000 km² do semiárido baiano. A capacidade de acumulação de água nos três estados, em 260 grandes açudes e centenas de outros menores é a seguinte: Ceará, 13 bilhões de metros cúbicos; Rio Grande do Norte, 4,5 bilhões; Paraíba, 2,5 bilhões, totalizando 20 bilhões (dados oficiais do Dnocs, indesmentíveis).
O Programa de Fortalecimento da Infraestrutura Hídrica do Nordeste, elaborado pela Sudene em 1994, prevê a construção de mais de 59 açudes nos três estados, sendo 50 no Ceará para acumular mais 9,2 bilhões, três no Rio Grande do Norte para acumular 2,3 bilhões e seis na Paraíba para acumular 640 milhões, totalizando 12 bilhões. Os três estados ficarão com capacidade de reservação de 32 bilhões de metros cúbicos, um terço das águas que o São Francisco despejará anualmente no Atlântico.
BILHÕES DE M³
Estado |
Atual |
Futuro |
Total |
CE |
13 |
9,2 |
22,2 |
RN |
4,5 |
2,3 |
6,8 |
PB |
2,5 |
0,6 |
3,1 |
Total |
20 |
12,1 |
32,1 |
O Plano Estadual de Recursos Hídricos do Rio Grande do Norte, concebido em 1992, é para acumular mais 5 bilhões, totalizando 9,5 com os 4,5 existentes, aumentando a capacidade total nos três estados para 34,8 bilhões de metros cúbicos.
São açudes de regularização plurianual, construídos para suportar secas consecutivas e excepcionais, com grandes volumes acumulados. São obras hidráulicas bem projetadas levando-se em conta o regime hidrológico complexo da região com seu clima megatérmico que provoca o drástico índice evaporimétrico. Os técnicos sabem estudar e prever todas as situações anômalas existentes.
Vamos analisar agora, no quadro abaixo, a demanda hídrica necessária para os três estados, segundo os estudos do Projeto Áridas da Secretaria de Planejamento da Presidência da República, fundamentados no Plirhine – Plano de Apoio aos Recursos Hídricos do Nordeste – elaborado pela Sudene, com projeção até o ano 2020.
PROJEÇÃO PARA 2020
Estado |
CE |
RN |
PB |
Total |
População |
9.000 |
3.500 |
4.500 |
17.000 |
Usos em milhões de m³
Abastecimento Pecuária Indústria Agroindústria Ecologia Irrigação |
940 110 220 113 499 3.360 |
350 34 81 56 242 840 |
350 190 88 65 46 480 |
1.640 334 389 234 787 4.680 |
Totais |
5.242 |
1.603 |
1.249 |
8.094 |
No horizonte de crescimento populacional para 17 milhões de almas e desenvolvimento até o ano 2020, os três estados nordestinos irão necessitar de 8 bilhões de metros cúbicos de água por ano para atender a todos os seus usos. Só para irrigação de 234.000 hectares (CE 168.000, RN 42.000, PB 24.000) serão destinados 58% do consumo, limite máximo de terras irrigáveis da região, com exceção da Chapada do Apodí, que possui vastos lençóis freáticos.
Ocorre que os três estados já têm capacidade de estocagem de 20 bilhões com projeção para 34 bilhões. Considerando-se o aproveitamento de 40% das águas estocadas, desprezando-se 60% destinados à evaporação, reserva técnica e volume morto (abaixo da galeria), a região já dispõe hoje dos 8 bilhões anuais que irá necessitar até o ano 2020. Com 40% dos 34 bilhões futuros, a região irá dispor de 13 bilhões, estoque bastante superior às suas necessidades em 2020. É muita água.
O grande problema é que os governantes não sabem monitorar o uso dos seus mananciais. Falta-lhes desenvolver o balanço dos seus recursos hídricos buscando o equilíbrio amplo entre a oferta e a demanda. Não aprenderam a usar a água disponível. A equação hídrica, como vimos, tem solução dentro do perímetro da própria região.
Operar racionalmente a sua distribuição através de uma potente rede de adutoras e subadutoras, acabando com os enormes vazios hidrogeográficos regionais, descentralizando os grandes espelhos evaporativos estagnados pontualmente. São grandes obras de engenharia hidráulica, um trabalho de porta a porta já realizado em outros países como a Índia e o Paquistão, nas suas províncias semidesérticas. Não se operando assim com rigoroso trabalho de balanceamento hídrico, estes três estados do Nordeste brasileiro vão continuar eternamente morrendo de sede com muita água nas goelas.
O Sr. Ministro do Meio Ambiente declarou recentemente que a transposição seria de apenas 50 m³/s. Esta captação totaliza o volume anual de 850 milhões de m³ que demandaria cinco anos consecutivos e ininterruptos só para encher o Castanhão, açude em construção no Ceará, que irá acumular 4,6 bilhões de m³. Uma boa invernada enche todos os açudes num só período chuvoso, como já acontecera inúmeras vezes. E os outros estados do Polígono? Vejamos:
Pernambuco é lindeiro do São Francisco em 425 km, pertence ao seu vale. Aqui o uso do rio não é transposição, é tomada d´água. Alagoas e Sergipe são também limítrofes do rio dispondo diretamente das suas águas.
O Piauí, com 83% das suas áreas em solo sedimentar, é uma grande esponja, riquíssima em água subterrânea, a maior reserva do Nordeste e uma das maiores do Brasil, com potencial disponível de 10 bilhões de metros cúbicos por ano. Só o Vale do Gurguéia pode irrigar 300.000 hectares. Ademais, o Piauí possui seis rios perenes desembocando todos no grande e belo Parnaíba.
Em futuro mais distante, quando a região atingir o seu desenvolvimento pleno e exaurir os seus próprios recursos hídricos, só então o governo deve pensar na importação de água, provavelmente da bacia amazônica.
Diante do exposto, só nos resta dizer que o mal crônico do Nordeste não está no seu clima, mas alojado no cérebro do próprio governo.
Manoel Bomfim Ribeiro
Ex-diretor regional do DNOCS, da CODEVASF e Consultor da SRH/MMA
E-mail: manoel.bomfim@terra.com.br
Fone: (61) 3322-4997