Notícias
Transposição e as águas do Nordeste, artigo de Manoel Bomfim Ribeiro
Brasília, 25/07/2005
“Engenharia é, as vezes, a arte de não construir”
Arthur Wellington
Antônio Conselheiro, o taumaturgo dos sertões nordestinos, que se notabilizou na região de Canudos, estado da Bahia, desenvolveu o seu messianismo profetizando acontecimentos para o povo paupérrimo do vale do Vaza Barris. No final do século XIX, em Outubro de 1897, a 4ª expedição do Exército Brasileiro dizimou o último reduto do fanático cearense numa luta sem precedentes, que custou a vida de 5.000 homens. Este messiânico profetizava, por onde passava, que “o sertão vai virar mar”.
O Projeto da Transposição de águas do São Francisco prioridade nº 1 do Governo Lula, traz a imagem de um banho de água no Nordeste Setentrional, mitigando a sede de 12.000.000 de nordestinos sequiosos. Pretende-se matar a sede de uma população, levando uma pouca d´água para o sertão que, de há muito, virou mar.
A maior baía do litoral brasileiro é a Bahia de Todos os Santos. A segunda maior é a Baía da Guanabara que é, por sua vez, a terceira maior do Mundo em volume de água. Esta Baía tem uma área de 413 km² e recebe a contribuição de 55 rios. O seu volume de água é de 2,4 bilhões de metros cúbicos. Comparemos, agora, com a fantástica rede de açudagem do Nordeste.
O Nordeste, mais precisamente o Semi-árido brasileiro, é a região mais açudada do Planeta. Mais que a Índia, mais que o Egito, mais que os EE.UU. Os nossos açudes são os melhores do Mundo, melhores projetos, melhores construções. Os engenheiros do DNOCS – Departamento Nacional de Obras Contra as Secas – foram e são os melhores barrageiros do globo, só comparados aos grandes hidrólogos do Egito. Açudes do DNOCS não se arromba. O século XX foi o século da açudagem no Semi-árido. Assim como tivemos a civilização do Ouro, do Algodão de que nos fala Câmara Cascudo e do Couro comentado e analisado por Capistrano de Abreu, tivemos a civilização do Açude, por todo um período de 100 anos. Quando da grande seca de 1877/80, o Nordeste não possuía açudes, nem poços tubulares, nem estradas, o veículo não existia, só o telégrafo em pouquíssimas comunidades. Os retirantes, famélicos, perambulavam pelos caminhos, sem destino, e foram ceifadas 500.000 vidas, o gado foi dizimado. Calamidade total. O Governo Imperial se comoveu e o Conde d´Eu criou uma comissão Científica para estudos topográficos, geológicos, hidrológicos, hidrogeológicos, meteorológicos, fitogeográficos e faunísticos dessa grande região semi-árida. Logo após, em 1886, o Governo autorizou o início do grande açude do Cedro, em Quixadá, Ceará, rio Sitia, afluente do Banabuiú, do Sistema Jaguaribe, que só foi concluído no ano de 1906, já no Governo Republicano. Cem anos de construído, este açude, armazenando 126.000.000 de m³, continua prestando os seus serviços a milhares de nordestinos.
Foi o passo inicial para o programa da grande rede de açudes espalhados pelo Semi-árido. Foi um trabalho hercúleo do Governo e da sociedade nordestina, chegando ao final do século com a construção de cerca de 70.000 açudes públicos, particulares e de cooperação, com mega, grandes, médios, pequenos e pequeninos pontos de reservação de água. Mais de 10% são açudes plurianuais, construídos para suportar as grandes travessias estivais, projetados, alguns com geração de energia hidrelétrica e muitos com projetos de irrigação. São açudes que não secam apesar da fortíssima e drástica evaporação processada pela radiação solar nesta região próxima ao equador. Perdem até 60% do seu volume, mas renovam nos anos seguintes. Assoreamento existe nos açudes diminuindo a capacidade volumétrica, como existe no talvegue do rio São Francisco e em todos os açudes e rios do Mundo. É questão de conservação e manutenção. O maior açude dos EE.UU, o Elephant Butte, capacidade de 3 bilhões de m³, está quase totalmente assoreado. O açude Vale do Inferno, na Espanha, está entulhado. O Gokak, em Bombaim, Índia, a mesma coisa.
As regiões áridas do mundo se caracterizam por sua baixa pluviosidade. No caso do Semi-árido esta pluviosidade é de 600 mm/ano. Quando as precipitações ocorrem abaixo desta média, instala-se uma seca. A cada século temos, em média, 1/3 de anos secos, 30 anos. Os açudes plurianuais foram construídos tendo em vista esta série histórica.
Hoje, existe um gigantesco cubo de água armazenado no Semi-árido, capaz de resistir as estiagens mais severas da região, desafiando as leis fatais da natureza. É a vitória do homem sobre o meio.
Dos grandes lagos construídos pelo homem, com a avançada engenharia hidráulica nacional, temos exemplos dignificantes. Na bacia do rio São Francisco, a barragem de Três Marias acumula um volume de 21 bilhões de m³, representando 8,7 vezes o volume da Baía da Guanabara. O Lago de Sobradinho, também no Vale, detém um volume de água de 35 bilhões, representando 14,6 vezes a Baía de Guanabara.
Agora vejamos o Semi-árido brasileiro, sem as águas do São Francisco: O açude ORÓS, no vale do Jaguaribe, Ceará, construído em 1960, reserva no seu bojo, 2,5 bilhões de m³ (2,5 km³) de água igual ao volume da Baía da Guanabara, aliás, um pouco maior. O açude ARMANDO RIBEIRO GONÇALVES, construído no Rio Grande do Norte, inaugurado pelo Presidente Figueiredo, em 1983, reserva na sua bacia hidráulica o volume de 2,4 bilhões de m³ (2,4 km³) de água, igual ao volume da Baía da Guanabara. O BANABUIÚ e o ARARAS juntos somam 2,7 bilhões (2,7 km³), volume superior à Guanabara. O CASTANHÃO, no vale do Jaguaribe, concluído no ano de 2003, é o maior açude do mundo construído pela mão do homem, orgulho da engenharia nacional. Reserva na sua concha hidráulica, 6,8 bilhões de m³ (6,8 km³), 2,8 vezes, quase 3 vezes, o volume da Baía da Guanabara. Os 8 grandes açudes dos 3 estados (CE, Rio G. do Norte e Paraíba), que irão receber 2,1 bilhões de m³ das águas aduzidas do rio São Francisco, já possuem um volume de 12,6 bilhões (12,6 km³), equivalente a 5,3 vezes o volume da Baía da Guanabara. O total da água acumulada nos 3 estados, representa 72% de todo o estoque do Nordeste, 26,7 bilhões (26,7 km³), equivalente a 11 vezes a Baía da Guanabara.
Totalizando: as águas de todo os açudes do Nordeste somam 37 bilhões de m³ (37 km³) superior a 15 vezes a Baía da Guanabara. O SERTÃO JÁ VIROU MAR.
A solução para o problema hídrico do Nordeste é somente distribuição e tão somente distribuição através de um robusto e potente sistema de adutoras. A infra estrutura hídrica já está pronta, temos uma AGUABRÁS.
Assistimos protestos, reivindicações e greves de movimentos organizados como o dos Sem Terra (MST), dos Sem Teto, dos Sem Salários, dos camponeses sem crédito para o amanho da terra, dos índios vindos dos confins do País, das Associações e Federações deste nosso Brasil, só não assistimos protestos dos Sem Água, logo a água que é vital na sua essencialidade. É curioso que o nordestino pobre e sequioso não grite por água.
Conclamamos os engenheiros do Brasil, arquitetos, agrônomos, meteorologistas, os demais profissionais das ciências exatas: conclamamos os clubes de engenharia; os Conselhos Regionais de engenharia (CREA), conclamamos o Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (CONFEA) órgão máximo da engenharia nacional, a exigir do Governo da República participação e acompanhamento nas análises técnicas e econômicas deste Projeto de Transposição.
O Nordeste não suporta mais projetos de resultados duvidosos, muito menos de um projeto, hidrologicamente, errado.
Manoel Bomfim Ribeiro, eng. civil
Ex-diretor regional do DNOCS, da CODEVASF e Consultor da SRH/MMA
E-mail: manoel.bomfim@terra.com.br
Fone: (61) 3322-4997