Notícias
Transposição do São Francisco, artigo de Geraldo Antunes Cacique
Outubro/2003
A meta da transposição é atenuar o efeito da seca no Nordeste. Esse projeto, e os demais feitos até hoje para resolverem o problema, pecam porque eles dão atenção, especificamente, para a água e nenhum deles leva em consideração outro ponto tão importante quanto mesma, que é a sua distribuição.
Não fica bem para os técnicos mencionarem que a região de influência do projeto, que tem 6.800.000 habitantes, estará beneficiando pelo menos grande parte dessa população, levando a entender que a Transposição do Rio São Francisco vai ser a redenção daquela parte do Nordeste. Veja no artigo em anexo a história do Sr. Licínio, morador do município de Jati, residente a 5 km de onde passará o canal de transposição.
Só quem teve a oportunidade de ver sua fotografia estampada em primeira página do Jornal Estado de Minas de 28 de março de 2001, sentiu no semblante do seu Licínio a esperança de ter um dia, à sua porta, água do São Francisco para matar a sua sede, de sua família, dos seus animais e irrigar uns poucos pés de milho para produzir mingau e pamonha.
Dá pena ver seu Licínio, como tantos outros milhares de "Licínios" do Nordeste, residentes a mais de poucos cabos de enxada dos canais ou rios perenizados pelo projeto "Transposição do Rio São Francisco", serem enganados pelo governo, pois eles nunca terão a tão esperada água do São Francisco às suas portas.
Não vi, em parte do projeto que passou pelas minhas mãos, qualquer menção sobre a distribuição da água. Os técnicos não falam dessa distribuição nos projetos sobre a seca do Nordeste porque eles não sabem como fazê-la. É uma missão impossível, tanto física quanto financeiramente. Só a natureza é capaz dessa façanha, ao evaporar a água do mar, com os raios solares, purificando-a e transformando-a em vapor que, ao tomar a forma de nuvem, é levada pelos ventos e assim, distribuída em todas as regiões na forma de chuva.
Distribuir água nos centros urbanos é fácil. Faz-se a sua captação na fonte, levando-a até um depósito, geralmente em pontos elevados, para aproveitar a gravidade, a partir daí, as prefeituras, através de milhares de metros de tubulação sob as ruas, entrega a água na porta de cada um dos moradores, onde ela será medida através de hidrômetros, e cobrada posteriormente.
Os moradores bombeiam a água para as caixas d’água, no alto de suas residências, e a distribuem para todos os andares. Nessa fase são empregados milhares de bombas e metros de tubulação.
Já distribuir água numa região onde os moradores estão a quilômetros uns dos outros é impossível. Portanto, o projeto "A Transposição do Rio São Francisco" será um fracasso, um verdadeiro "elefante branco". Depois de implantado terá alto custo de manutenção e não terá atendido seu objetivo principal, que é minimizar a seca para os moradores assistidos pelo Projeto.
É possível abastecer com a água do Rio São Francisco a cidade de Fortaleza e outras cidades do Nordeste, é possível fazer um ou vários projetos de irrigação nessa região com a mesma água, gerando emprego para os nordestinos. Só não foi mencionado no projeto como a água do São Francisco chegará à porta dos milhares de "Licínios" nordestinos que são a maioria dos 6.800.000 habitantes da região, pessoas que sofrem nos períodos de seca e que realmente precisam dessa água, mas como seu Licínio, vivem hoje na esperança de ter o projeto "A Transposição do São Francisco" concretizado.
Acho que não é certo dar esperanças falsas para os "Licínios" do Nordeste e tampouco alardear aos brasileiros que o dinheiro dos impostos está sendo bem empregado no projeto da transposição para minimizar o sofrimento dos nordestinos com a seca.
Se a distribuição de água para uma região fosse possível, seria fácil acabar com a seca, por exemplo, das regiões de Juazeiro (BA) e Petrolina (PE), que estão próximas ao Rio São Francisco e que sofrem nos períodos de estiagem tanto quanto as outras do Nordeste que estão localizadas longe do leito do Rio. Somos todos brasileiros, portanto, vamos levar água primeiro para os que estão próximos do Velho Chico. Mas como fazer isto? Não tem como fazer! Portanto, o problema da seca não é só a água. É também a sua distribuição.
No vale do Jequitinhonha existem áreas tão pobres e secas como no Nordeste Brasileiro, onde o rio é perene e nunca secou, nem nos piores períodos de estiagem. Pouco resolve para os habitantes do Jequitinhonha que exista água em seu leito, pois eles não têm acesso a ela.
Suponhamos que Minas Gerais seja um país, não um estado. Os mineiros estariam sensibilizados com o sofrimento e a pobreza dos habitantes do seu "Nordeste": a Região do Jequitinhonha. Principalmente se o Rio Jequitinhonha não fosse perene. Certamente, os políticos desse pseudo país proporiam um projeto para transposição de 3% da água do São Francisco para perenizar o Rio Jequitinhonha a partir da cidade de Pirapora, que está localizada a menos de 500 Km do leito a ser perenizado. Seria um projeto polêmico pelo custo, mas defendido com unhas e dentes pelos políticos da região penalizada pela seca. Executado o projeto, o rio estaria perenizado e teria água correndo no seu leito durante o período da seca. Como esse projeto beneficiaria a região do Vale do Jequitinhonha? DE NENHUMA MANEIRA! Voltemos à realidade. O rio Jequitinhonha é perene, no entanto, os habitantes do Vale sofrem os castigos da seca independentemente da existência de água em seu leito.
Os projetos para produção de frutas, implantados no São Francisco em Petrolina e outras regiões como Pirapora, abastecem o Brasil de uvas (3 safras por ano), melões, bananas, mangas, etc. O que o Brasil precisa é de aumentar suas plantações irrigadas às margens do São Francisco, gerando o aumento da área anual de irrigação. Comparemos com o aumento anual de países como a China e a Índia.
É possível, hoje, tomarmos a saudável água de coco em qualquer cidade do Brasil. Cocos produzidos no Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte ou Bahia. Não seria lógico implantarmos um coqueiral no Sul ou no Centro Oeste do Brasil com a finalidade de criar empregos para os seus moradores.
Como demonstrado, o projeto de Transposição do São Francisco não atenderá ao seu objetivo principal, que é aliviar a seca para a maioria dos habitantes da região, mas ao menos atenderá outras metas propostas por ele:
- · Abastecer a cidade de Fortaleza, distante 2.000 Km do rio São Francisco, e outras cidades a 1.000 Km de distância aproximadamente. Isso não é lógico. Garanto que existem várias outras soluções de custos menores que poderiam atender o abastecimento dessas cidades.
- · Criar empregos para os nordestinos com execução de projetos de irrigação na região, com água do São Francisco. O lógico é executar esses mesmos projetos nos milhares de hectares existentes nas margens do São Francisco. Com o mesmo capital gasto para criar um emprego na irrigação na região do Nordeste, criar-se-ia muito mais empregos para brasileiros nas irrigações das margens do São Francisco.
Atualmente, estamos vivendo a globalização. Isso significa que o capital produtivo só deve ser investido na produção de bens em regiões que têm uma possibilidade maior de retorno.
Então, não podemos fazer nada para aliviar a seca do Nordeste?
Podemos sim. Mas usando os recurso hídricos já existentes no Nordeste. Os estados do Ceará, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte têm uma área de ± 350.000 Km2 e se deseja beneficiar 40% desta área, o que seria 350.000 x 0.4 = 140.000 Km2. No Nordeste chove pelo menos 500 mm por ano. Então o volume anual que cai nesta região será de no mínimo:
140.000 x 1.000 m x 1.000 m x 0,5 m = 7 x 1010 m3/ano.
A vazão do São Francisco é de 2.800 m3/s, o que dá um volume anual de: 2800 m3/s x 360 dias x 24 horas x 3600 s » 8,7 x 1010 m3.
Vemos que na área onde se propõe levar 3% do Rio São Francisco chove durante um ano 7 x 1010 m3 / 8,7 x 1010 m3 = 0,8 da vazão do rio São Francisco ou 80% de sua vazão anual, aproximadamente, 27 vezes a água que se pretende transportar pelo projeto "A Transposição do São Francisco".
A lógica indica que essa é a água a ser utilizada para aliviar a seca no Nordeste. A maior parte dessa água, ao cair com as chuvas, não penetra nos lençóis freáticos, provocando as enchentes nas épocas chuvosas.
Podemos represá-las durante esse período e usá-las nas épocas de estiagem. Não como se tem feito em grandes represas, porque aí estaríamos dando prioridade à água sem levar em consideração a sua distribuição.
"Barragens de Cabeceiras"
Então, como fazer isso? Através do Projeto "Barragens de Cabeceiras" do engenheiro Paulo Gontijo, já falecido. Arquivado no Cartório do 2º Ofício de Registros de Títulos e Documentos, em Brasília (DF), sob o número 00339995, em 29 de junho de 2000, o qual envio duas cópias.
Esse projeto é o resultado do trabalho do Engenheiro Paulo Gontijo executado em sua propriedade "Lago Azul", no município de Ipameri (GO), localizada às margens da BR-050, com acesso no Km 154.
Numa área de 26.500 ha foram construídas, aproximadamente, cem barragens de cabeceiras com o objetivo de aumentar a vazão dos riachos da propriedade nos períodos de seca.
São barragens de terras de baixo custo, por serem de cabeceiras e geralmente implantadas onde o volume de água corrente é pequeno, facilitando a execução das suas fundações, bastando, na maioria das vezes, uma limpeza do terreno. A compactação do maciço é feita com a passagem dos equipamentos que a executam.
As barragens do projeto do Engenheiro Paulo Gontijo possuem características especiais:
- · Possuem terraços de contenção para facilitar a penetração da água das chuvas nos lençóis freáticos.
- · E um verdadeiro "Ovo de Colombo". Uma tubulação por baixo da barragem, calculada de tal forma que a vazão da água durante o período de seca seja a do volume acumulado durante o período das chuvas.
O projeto do Eng. Paulo Gontijo consiste na construção de milhares de barragens semelhantes a essas nas regiões onde há a necessidade de aliviar o rigoroso período de seca.
Vantagens:
- · Ele prioriza a distribuição da água pelas barragens, o que nenhum projeto contra seca faz. Dessa maneira, tentar perenizar pequenos riachos, cujo somatório perenizaria grandes rios, sendo, em maior escala, a distribuição da água.
- · Não é necessário investir de uma só vez em grandes obras. Esse projeto pode e deve ser feito em etapas, escolhendo, primeiramente, os vales onde as barragens teriam o melhor retorno e aproveitando, também, para aperfeiçoar o sistema, aprendendo-se com as falhas e acertos das várias etapas.
- · Já existe um projeto piloto funcionando no município de Ipameri (GO), que serve como modelo para a execução de outros projetos, com uma área de 26.500 ha, ou seja, 265 Km2 onde foram construídas 100 barragens, dando uma média de 0,37 barragens/Km2. Se a área do Nordeste a ser beneficiada for de 140.000 Km2e construirmos nessa área 50.000 barragens, teremos uma média de 0,35 barragens/Km2. Esse número indica que teríamos uma reserva de água para todos os habitantes da região a uma distância nunca superior a 1 Km, inclusive para os seus animais.
Na luta contra a seca do Nordeste, além do projeto das "Barragens de Cabeceiras", poder-se-ia usar, o que também deverá ser um sucesso, o já falado programa de milhares de cisternas, projeto que também visa a distribuição da água, e estudar a possibilidade de aproveitar a água dos depósitos subterrâneos da região.
Geraldo Antunes Cacique é engenheiro