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Transposição do rio São Francisco, artigo de Aron Jordão de Oliveira
Folha de Pernambuco
27/07/2007
Canal da Transposição - Imagem do Google
Cabrobó, Belém, Santa Maria e Orocó em PE, sem a ajuda do governo federal, somente com a utilização das rudimentares rodas d´água e posteriormente motobombas, há sessenta anos tornou-se um dos maiores centros de produção de cebola do país. E assim o Vale do São Francisco despontou para a sua verdadeira vocação de grande produtor de alimentos
Décadas depois, o governo federal fez modestos investimentos nas margens do rio, que aliada a forte presença da iniciativa privada tornaram o Vale do São Francisco um dos maiores celeiros de produção de frutas do país, com apreciável volume sendo exportado, gerando valiosas divisas para a nação.
O governo federal, há mais de oitenta anos, desde a presidência de Epitácio Pessoa fez grandes investimentos no Semi-árido com um retorno satisfatório no que se refere ao combate à seca. Mas, é preciso acrescentar que os grandes açudes construídos não deram um retorno correspondente ao grande volume dos gastos efetuados. O governo quer efetuar um fabuloso investimento “4,5 bilhões” na transposição do rio São Francisco, para acrescentar muito pouco ao que já existe no Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba.
Os adeptos da transposição do rio partem de muitas premissas falsas como:
1 - Dizem que a transposição irá beneficiar doze milhões de pessoas com irrigação e abastecimento d´água. No eixo leste, excluindo a adutora do agreste em PE, que originalmente não estava prevista, considerando apenas Monteiro, Sumé, São José do Cordeiro, São João do Cariri e Campina Grande na Paraíba, acredito que tem no máximo um milhão de habitantes e destes ainda precisam ser subtraídos os habitantes da zona rural com sítios distantes e também habitantes de cidades já devidamente abastecidas. Campina Grande que reivindica água para complementar seu abastecimento, já tem na barragem de Boqueirão 411 milhões de metros cúbicos, suficientes para seu suprimento nos anos normais. Como há secas, é natural que exista uma preocupação das autoridades, que deve ser considerada. No eixo Oeste, excluindo Fortaleza, Iguatú, Assú e outras cidades já fartamente abastecidas com relativa segurança, afirmo que não existe um milhão de habitantes aptos a receber esse benefício.
2 – Afirmam os defensores da obra que seriam utilizados apenas 1% das águas do rio que correm para o mar. Como? Para que essa afirmativa seja verdadeira, teríamos que subtrair o volume d´água consumido pelas usinas hidrelétricas instaladas ao longo do rio. Assim, deveriam ser consideradas apenas as águas disponíveis.
Uma premissa verdadeira é constatar que todos os reservatórios que abastecem o grande Recife, somados, tem um volume de água inferior ao do açude de Boqueirão que abastece Campina Grande. O Grande Recife é servido principalmente por poços tubulares, que mesmo monitorados pelo governo, estão se exaurindo a cada ano, e caminhões pipa que já estão prejudicando os corredores de trânsito da cidade. É também campeã no consumo de água dita mineral. O Grande Recife com mais de três milhões de habitantes, necessita de água para consumo humano. Estando o Recife situado a 280 km do canal Leste e há apenas 80 km da adutora do Agreste, parece ser uma coisa lógica ampliar essa adutora o suficiente para abastecer a nossa Cidade.
Esses 700 km de canais em cimento, com 25 metros de largura por cinco de profundidade, não são estradas que descem e sobem ladeiras, são imensos canais ligeiramente declinantes que exigem passagens elevadas (aquedutos), quando transitar por terras baixas; túneis quando for necessário transpor serras e eventualmente barragens quando a solução técnica indicar. Assim, só de obras viárias para transpor esses monstros que dividem propriedades e municípios, além de secionar Pernambuco em três partes serão necessários recursos de grande monta. Sabemos que existem vários projetos de irrigação na margem do rio, já devidamente estudados e aprovados, em Minas, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe, que sem custos elevados para transportar água, sem perdas de mais de 60% em infiltração e evaporação, iriam beneficiar um número bem maior de trabalhadores, exigindo muito monos água do rio.
Para citar apenas três grandes projetos já estudados, menciono os canais do Salitre e Baixios do Irecê, na Bahia e canal do Sertão em Pernambuco. Essas obras iriam dobrar o volume de terras já irrigadas nas margens do rio, beneficiando uma população bem maior do que com a transposição, com custos bem menores e sem perda d´água. Consolidando assim, o pólo hortifrutigranjeiro do Vale do São Francisco.
Do canal do Sertão que foi exigido pelo governo de Pernambuco junto com a adutora do Agreste, para compensar o trânsito desses gigantes pelo estado, não se fala mais. Será que o homem de Petrolina, Ouricuri, Trindade e Araripina não têm o mesmo merecimento do sertanejo de Monteiro, Sumé ou Iguatú? Por que?
Como todo mal traz um bem, quando as futuras gerações constatarem a inviabilidade dessa obra, quando lutarem por uma água escassa, essa monstruosidade ficará na história como um marco à incapacidade administrativa de um governo tecnicamente mal assessorado. Como um grande líder que é, e como orador capaz de convencer a muitos, mesmo estando equivocado e politicamente errado semeia a discórdia entre nordestinos.
É ima imposição tão grande que para evitar confrontos o governo mobilizou batalhões de engenharia do exército para iniciar a obra.
Apesar de ser um octogenário com saúde fragilizada minha convicção é tão forte, que prefiro atender a minha consciência, mesmo sabendo que estou contrariando a muitos.
Aron Jordão de Oliveira – Engenheiro Agrônomo