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Transposição do conhecimento: a verdadeira geração de riquezas para o Semiárido, artigo de Lynaldo Cavalcanti de Albuquerque
in GESTÃO C&T, março de 2007, nº 78, ano 7
Lynaldo Cavalcanti de Albuquerque - Imagem do Google
O Projeto de Integração da Bacia do Rio São Francisco com as Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional, mais conhecido como Transposição do Rio São Francisco, é uma das prioridades do governo federal. A iniciativa prevê a captação de 1% da água que o rio joga hoje ao mar para o consumo humano e animal na região do Semiárido, beneficiando, segundo dados do Ministério da Integração Nacional, 12 milhões de pessoas.
Entretanto, especialistas e parte da população da região discordam do projeto e temem seus impactos. O governo concorda que a medida exige cuidados com a revitalização do rio, mas insiste na ideia e já lançou o primeiro edital para o início das obras. O projeto é orçado em R$ 4,5 bilhões.
Um dos principais argumentos do governo para a realização do projeto é a desigual distribuição das fontes de água no país. Contudo, na minha visão, o problema central está na desigual distribuição não só dos recursos naturais, mas, sobretudo, das fontes de conhecimento.
O esforço que defendo é o da transposição do conhecimento para o Polígono das Secas. Conhecimento que gera pesquisa e desenvolvimento de tecnologias e soluções inovadoras e gera também emprego e renda.
Para conviver com os longos períodos de estiagem e com a alta evaporação da água no Semiárido sem passar sede ou fome, a população, antes de mais nada, precisa estar preparada para essa realidade.
O Semiárido assou por um processo de esvaziamento nos últimos anos graças à migração da população para outras regiões para dar continuidade a seus estudos ou mesmo conseguir um trabalho que garanta o seu sustento. A maciça maioria das universidades ou unidades universitárias, institutos e centros de pesquisa, empresas e mesmo centros de ensino técnico se encontra fora do Polígono das Secas, o que constitui um atrativo incomparável para os jovens que nascem no Semiárido. Por outro lado, o Polígono das Secas é pouco atraente para empresas, pois os trabalhadores têm baixo índice de escolaridade e qualificação. Onde não há conhecimento, não há produção.
Considerando as disparidades regionais existentes no país, as universidades nordestinas precisam se adaptar às especificidades locais. Quando assumi a reitoria da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), uma das diretrizes de meu plano de gestão era a integração da instituição à região. Durante meu reitorado na UFPB, no período de 1976 a 1980, criamos campi em três municípios do Semiárido: Cajazeiras, Souza e Patos. As atividades desenvolvidas nessas localidades não se limitavam ao ensino, mas também incluíam a pesquisa, a prestação de serviços e a extensão tecnológica. A nossa proposta era que os benefícios conquistados pela universidade fossem aproveitados pela comunidade do lugar onde estava instalada.
É essencial que o Ministério de Ciência e Tecnologia e o Ministério da Educação envidem todos os esforços para levar os centros de ensino e P&D ao Semiárido. Já há sinais nesse sentido, como a criação da Fundação Universidade Federal do Vale do São Francisco, com sede em Petrolina (PE), e a transformação da Escola Superior de Agricultura de Mossoró (Esam) em Universidade Federal Rural do Semiárido. A Universidade Federal de Campina Grande, criada a partir do desmembramento da UFPB, e que passou a gerir os campi de Cajazeiras, Souza e Patos, está trabalhando agora na criação de novos campi em Cuité e Sumé. Além disso, a criação do Instituto Nacional do Semiárido Celso Furtado (Insa-CF), ainda em fase de estruturação, é outra medida que deve ser ressaltada.
Venho defendendo, ao longo de minha trajetória, que a educação é um eficiente e eficaz instrumento capaz de viabilizar a melhoria da qualidade de vida dos homens, e que a função social específica da universidade é de prepara-los, para que venham compreender a realidade de sua existência e venha adquirir hábitos sociais compatíveis com sua dignidade. A universidade garante a formação de pessoas capacitadas para promover o desenvolvimento. Justamente por isso, é tão importante que se invista na sua interiorização.
Infelizmente, a interiorização que vem sendo feita por meio da maioria das universidades estaduais não ocorre de modo sistemático e organizado, de forma a atender os anseios das populações locais, oferecendo ensino de qualidade, pesquisa e extensão. A prática mais comum é a proliferação de colégios de terceiro grau, desprovidos do caráter universalizante inerente à ideia de universidade. A distribuição planejada de campi universitários em municípios do Polígono das Secas, integrados à sociedade local, onde se ministra o ensino e se faz pesquisa e extensão com foco no desenvolvimento humano e regional, é uma estratégia que pode interferir, de forma consistente, a favor da melhoria da qualidade de vida de sua gente. Essa proposta se completa com a presença de centros de pesquisa e desenvolvimento voltados para a realidade do Semiárido e localizados também dentro do Polígono.
A difusão do conhecimento é essencial para o reavivamento do interior brasileiro e para inverter a lógica da migração da população em direção aos grandes centros urbanos. Como já externei anteriormente, a criação e diversificação da oferta de ensino superior, no interior do Nordeste, só pode ser feita por meio do ensino público e gratuito. Essa medida é urgente, pois é a falta de conhecimento que alimenta a indústria da seca. É preciso alargar fronteiras. Mais do que grandiosas obras de infra-estrutura, o Semiárido precisa de pessoas preparadas para ficar e construir, no Semiárido nordestino, a história de uma vida digna. Mas, sem uma verdadeira transposição do conhecimento, essa realidade não será possível.
Lynaldo Cavalcanti de Albuquerque - Engenheiro civil e secretário executivo da ABIPTI. Foi presidente do CNPq e reitor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).