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Transposição de um rio de problemas, artigo de Hiram dos Reis Corrêa
Disponível em:
http://www.ecodebate.com.br/Principal_vis.asp?cod=5623&cat=
28/06/2007
[Gazeta Mercantil] Projetos faraônicos encobrem questões estruturais cuja solução é sempre adiada. A História mostra que a cultura predominantemente aventureira, nômade e exploratória resultou, com raríssimas exceções, apenas em atraso, desigualdades socioeconômicas e falta de melhores perspectivas para o futuro. Por outro lado, as culturas em que predominam os valores do trabalho, da construção e da permanência levaram ao florescimento das mais prósperas sociedades que conhecemos.
Infelizmente, nosso País tem sido objeto da primeira modalidade ao longo dos últimos cinco séculos. Das entradas e bandeiras às atuais derrubadas e queimadas de árvores da Amazônia, o que se constata é o enriquecimento de uns poucos em detrimento de uma multidão de pessoas atoladas no lodaçal da pobreza e da miséria.
Desde o início do primeiro mandato do presidente Lula, a questão da transposição do rio São Francisco tem servido, mais uma vez, para dourar a pílula daquele surrado bordão: "O Brasil é o país do futuro". No caso do sertão mineiro e do Nordeste, já vimos esse filme antes, sob a rubrica da indústria da seca. Desta vez, trata-se de um projeto que promete o desenvolvimento econômico e social a partir da tola crença de que a água por si só traz riqueza. Se assim o fosse, as populações ribeirinhas da Amazônia ou mesmo do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, jamais passariam por quaisquer dificuldades. Sabemos que a realidade é bem outra.
Enquanto o governo tenta viabilizar um projeto, desaprovado pelos ambientalistas, pelos governos estaduais e por grande parte da população, nossos problemas de sempre - elevada carga tributária, taxa de juros estratosférica, falta de investimento, desequilíbrio das contas públicas, entre tantos outros - são varridos para debaixo do tapete, também seguindo o curso da nossa cultura aventureira. Não precisamos de mais um diagnóstico, sabemos o que nos incomoda e o que deve ser feito.
Nesse sentido, ganha importância a mentalidade do revitalizar, do dar vida ao que está perdendo ou já perdeu a vida. Minas Gerais percebeu isso e vem tratando de eliminar seus gargalos a partir de potenciais já existentes, e não com projetos megalomaníacos. Assim, o governo do Estado retomou o Projeto Jaíba, um dos maiores empreendimentos agroindustriais da América Latina. Sem desviar um centímetro do Velho Chico, o Jaíba está levando a irrigação ao norte mineiro, possibilitando o desenvolvimento da produção de frutas tropicais, principal vocação local.
Revitalizar é possível não apenas no setor ambiental. A ampliação do Expominas, em Belo Horizonte, que é um dos maiores e mais modernos centros de feiras e exposições do país, está impulsionando o turismo de negócios na capital mineira. E a recuperação do eixo rodoviário que liga a capital mineira ao aeroporto de Confins, com as obras da denominada Linha Verde, já está fazendo surgir um novo corredor de desenvolvimento dentro da região metropolitana. O próprio governo estadual tem dado um grande voto de confiança ao manifestar a pretensão de construir o novo centro administrativo às margens dessa via, que será mais uma âncora do eixo que se estende do centro de Belo Horizonte ao aeroporto de Confins.
Ficam aí os exemplos de como a cultura do trabalho permite que as pendências comecem a ser solucionadas a partir de estruturas já existentes, proporcionando bons frutos à coletividade envolvida. Entendemos que fazer a transposição de um rio já tão maltratado pelo assoreamento soa como mais um ralo para recursos públicos, em um projeto travestido de nova panaceia para o drama de quem vive no sertão nordestino. Por que não utilizar os recursos da transposição para revitalizar o Velho Chico, lembrando que um dia ele já foi navegável em toda a sua extensão, tendo sido inclusive considerado o rio da integração nacional?
Empreiteiras e políticos envolvidos com a obra, caso ela venha mesmo a ser realizada, venderão aos mais incautos a imagem de paladinos do desenvolvimento. Mas, passada a euforia e cortada a fita de inauguração, qual será o novo e mirabolante projeto para os problemas do Nordeste e do resto do País, aqueles mesmos que há tanto tempo nos deixam na periferia do mundo?
(www.ecodebate.com.br) artigo originalmente publicado pela Gazeta Mercantil - 27/06/2007