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Os números contraditórios do Projeto de Transposição do rio São Francisco, artigo de Dilermando Alves do Nascimento
Disponível em:
16/05/2007
CONHEÇA DETALHES HISTÓRICOS DA TRANSPOSIÇÃO
- Século XIX (1820), o Imperador Dom João VI lança a idéia de utilizar as águas do Rio São Francisco para combater os efeitos da seca no sertão Nordestino. A idéia continuou sendo analisada durante os reinados de Dom Pedro I e Dom Pedro II.
- No ano de 1847, o engenheiro cearense Marcos de Macedo intendente do Município do Crato, deputado pelo Ceará, apresentava ao Imperador Pedro II o plano de transposição para resolver os problemas gerados pela seca do nordeste, nada foi realizado.
- Entre 1851 e 1854, o engenheiro Henrique Halfeld fez um detalhado levantamento do Vale do São Francisco, desde a Cachoeira de Pirapora até o Oceano Atlântico que deu origem ao Atlas e Relatório Concernente à Exploração do Rio São Francisco. Dificuldades financeiras fizeram com que a idéia do desvio de águas do São Francisco fosse arquivada.
- Em 1856, uma Comissão Científica de Exploração, chefiada pelo Barão de Capanema, encarregada de estudar o problema das secas, recomendou a abertura de um canal ligando o Rio São Francisco ao Rio Jaguaribe. Os estudos foram complementados em 1859, por cientistas do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) e arquivado.
- Na grande seca entre 1877 e 1879, que vitimou 1,7 milhões de pessoas, a idéia retorna. A estiagem catastrófica obriga o imperador D.Pedro II a instituir em 07.12.1877 uma Comissão Imperial chefiada pelo Barão de Capanema, incumbida de minorar os efeitos da seca. A comissão recomenda as seguintes medidas: a construção de três ferrovias e 30 açudes, a instalação de observatórios meteorológicos, bem como um plano, a saber: a abertura de um canal comunicando as águas do Rio Jaguaribe com as do Rio São Francisco. Consta ainda que a comissão aventasse a importação de 12 camelos que levariam água do São Francisco para o Nordeste. Não foi encontrado registro sobre os resultados das medidas propostas.
- Em 1886, mais um engenheiro cearense, Tristão Franklin Alencar, reativou a idéia, mas dificuldades financeiras e viabilidades técnicas do projeto fizeram com que ele desistisse da idéia da transposição.
- O projeto de transposição teve ainda iniciativas posteriores, sem sucesso. Em 1909 foi criada a Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS), que elaborou um mapa com o canal que interligaria o Rio São Francisco ao Rio Jaguaribe, projeto repensado em 1919 com criação da Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS), e arquivado.
- No governo Getúlio Vargas, com a criação do Departamento de Obras Contra as Secas (DNOCS), o assunto voltou a ser tema de estudo.
- Entre os anos de 1981 e 1985 o projeto começou a ser examinado no DNOCS, aonde os técnicos chegaram a elaborar um projeto de transposição em parceria com um organismo norte-americano especializado em agricultura, irrigação, solos e recursos hídricos. A idéia era captar 15% da vazão do Velho Chico. O projeto foi analisado por um grupo de consultores do coronel Mário Andreazza, para atender a seus interesses políticos, já que ambicionava a Presidência da República, na sucessão ao Presidente Figueiredo, o projeto foi arquivado.
- Em 1993, no Governo de Itamar Franco, o Ministro da Integração Nacional, Aluísio Alves reabriu a discussão, propondo a construção de um canal em Cabrobó, para retirar do São Francisco até 150m³/s de água, com o propósito de beneficiar áreas do Ceará e Rio Grande do Norte. Em 1994, o Governo Itamar Franco chegou a anunciar que faria a licitação para que fossem feitos os projetos básicos das obras. O projeto foi fulminado por um parecer do Tribunal de Contas da União que alegou ser o projeto prejudicial à produção das hidrelétricas, impedia o crescimento da irrigação em Minas Gerais e na Bahia, não fazia parte do planejamento da administração federal e era ignorado pelo Ministério da Agricultura.
- Em 1995, primeiro mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso, o projeto esteve muito próximo de ser executado. O governo federal tinha gasto R$ 10 milhões para a elaboração do projeto básico, feito no segundo semestre do ano anterior. Na época, foram contratados 480 técnicos (entre engenheiros, economistas e agrônomos) para dar parecer sobre os estudos da transposição. Ainda nessa época, o governo federal chegou a realizar audiências públicas para que o projeto fosse realizado e depois lançou um edital para execução das obras. No entanto, algumas empresas entraram com uma ação na Justiça com um pedido de suspensão para impedir que os vencedores da licitação iniciassem a obra.
- Os paraibanos Cícero Lucena e Fernando Catão, quando ocuparam a Secretaria Especial de Políticas Regionais, durante o primeiro mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso, redesenharam o projeto de Aloísio Alves. Nesse período, a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (CODEVASF) desenvolveu um projeto próprio para fornecer água a toda a região do semi-árido, mas esbarrou no elevado custo da obra, US$ 20 bilhões, e no prazo para a sua conclusão, entre 25 e 30 anos.
- Com uma versão mais simplificada, onde o grande atrativo seria o baixo custo da construção dos canais de interligação, um bilhão de dólares, o Ministro da Integração Nacional do Governo Fernando Henrique, Senador Fernando Bezerra, tentou mais uma vez a ressurreição do sonho da transposição. Em seu projeto, o volume de água a ser desviado seria de 70 m3/s, e além do Ceará e Rio Grande do Norte, a Paraíba seria beneficiada com a perenização dos rios Peixe e Piranhas-Açu. Em 2001, a crise do "apagão" adiou os planos do governo. O projeto defendido pelo Ministro da Integração Nacional teve licenciamento ambiental suspenso pela justiça.
Inicialmente, o Presidente Fernando Henrique concordou que o Ministro Fernando Bezerra impulsionasse o plano, contudo José Carlos Carvalho, que em 2002 assumiu o Ministério do Meio Ambiente, na última hora convenceu o Presidente de que era um erro colossal o projeto defendido por Fernando Bezerra.
- Entre 2003 e 2006, a comunidade científica do país vê com indignação o Presidente Lula ressuscitar a famigerada idéia da transposição, sepultada por tantas vezes e rejeitada amplamente por toda sociedade brasileira, delegando plenos poderes ao então Ministro Ciro Gomes para implantar e executar obra. Ao assumir o comando, Ciro Gomes garante que o projeto do governo passado foi modificado radicalmente, e que o atual iria levar água a quem tem sede.
- Durante os últimos quatro anos do Governo Lula uma avalanche de ações na Justiça contra a execução do projeto manteve paralisada a obra até dezembro de 2006, quando o Ministro Sepúlveda Pertence, do STF, derrubou todas as liminares que seguravam o início da obra. Desta vez, o Ministro Sepúlveda Pertence, determinou a suspensão das liminares que impediam o licenciamento ambiental do IBAMA para a obra, e considerou ilegítimas as entidades civis que abriram processos no STF.
- Em 12 de fevereiro de 2007, o Procurador-Geral da República, Antônio Fernando Souza, entrou com recurso no STF pedindo a suspensão da licença ambiental para a obra de transposição e a cassação da licença prévia concedida pelo IBAMA. No recurso, o procurador pede que seja cumprida a exigência de que o Congresso Nacional e as populações indígenas afetadas pela obra sejam consultadas sobre o aproveitamento de recursos naturais em terras indígenas.
-Apesar do IBAMA, em 23 Março 2007, ter emitido seu parecer favorável referente à licença de instalação do projeto, no momento a situação encontra-se “sub judice”com o recurso do Ministério Público que deverá ser apreciado pelos 11 ministros do STF. Só então haverá uma decisão judicial definitiva sobre a obra.
- Hoje, passados 187 anos da concepção de transpor as águas do Rio São Francisco, chega-se à conclusão, de que todos que se empenharam para resolver o problema da seca do Nordeste, sempre estiveram voltados para atender seus interesses pessoais e políticos, apresentando sempre a transposição do Rio São Francisco, como a solução para o combate à seca, solução esta, frágil e inexeqüível, porque não permitirá as comunidades carentes, o direito de acesso à água, e nem promoverá o bom convívio do homem com a seca.
Talvez, a mais bem intencionada proposta esteja refletida no desejo de Dom Pedro I e Dom Pedro II autor da célebre frase "venderei até a última jóia da Coroa" para garantir o abastecimento de água para todos os nordestinos “não vendeu”.
2 - OS CUSTOS DA TRANSPOSIÇÃO
No primeiro Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) 2000, a previsão para implantação do projeto foi estimada em R$ 2,7 bilhões. Em Julho de 2004, já no governo do Presidente Lula, passou para U$ 1,5 bilhões de dólares. Dois meses depois, em setembro, foi reavaliado para ser implantado ao custo de R$ 4,5 bilhões.
Atualmente, a nova versão do projeto, recebeu mais um adicional de R$ 2,1 bilhões do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), totalizando R$ 6,6 bilhões. Está verba não inclui os investimentos adicionais para levar a água para as pessoas que se encontram nas áreas laterais dos canais e para regiões mais dispersas do sertão, cujas despesas ocorrerão por conta dos governos estaduais. Estima-se na verdade, que o custo final da obra, “se concluída!” chegue à R$ 20 bilhões, conforme declarações do Vice-Presidente José Alencar (https://psicologiadareligiao.files.wordpress.com/2007/12/revista_transposicao_web1.pdf).
Nos últimos anos, apesar da obra não ter saído do papel, “nenhum tijolo assentado”, a transposição do Rio São Francisco já custou aos cofres públicos 466 milhões de reais, de acordo com o Sistema de Acompanhamento dos Gastos Federais (SIAFI). A maior parte do dinheiro foi paga ao consórcio Logos-Concremat, que venceu licitação para administrar o projeto, a começar pelas licenças ambientais.
Para o Tribunal de Contas da União (TCU), "a projeção desconsidera os investimentos necessários nas redes de captação, tratamento e distribuição das águas. Com isso, os gastos para levar à população do semi-árido nordestino os benefícios da transposição vão subir".
Segundo o governo federal, fica a cargo dos governos estaduais do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco (já “quebrados” e sem as verbas para investimentos básicos em educação, saúde, saneamento básico e segurança pública) a pesada missão de criarem políticas públicas de infra-estrutura para captação, tratamento e distribuição das águas da transposição para levá-las às diversas localidades a serem beneficiadas. Tal processo acarretará um custo adicional para os quatro estados estimado em R$ 13,4 bilhões, pois as populações que vivem nas áreas de influência de atuação do projeto (área total chamada de AII, com cerca de 787.000 km², dos quais 212.453 km² correspondem às bacias exclusivamente receptoras), estarão a uma distância que pode chegar 150 km, da rota dos eixos lineares da transposição.
Os quatro governadores já firmaram um termo de compromisso que prevê investimentos de R$ 20 milhões por ano em obras de infra-estrutura para levar a água dos novos canais e açudes até o usuário final.
Segundo depoimento do Senador Eduardo Suplicy (Jornal do Brasil (RJ), Opinião, 20/03/2007), “Desde 1988, a CHESF repassa aos estados e aos municípios da Bacia do São Francisco 6% do seu faturamento bruto, R$ 90 milhões por ano. Até agora, a CHESF já repassou R$ 1,350 bilhão para os municípios sanfranciscanos. É um dinheiro que deve ser obrigatoriamente aplicado em ações de revitalização do rio.”.
Esta é uma informação que deve ser apurada a fundo para se descobrir o caminho percorrido por toda essa quantia liberada pela CHESF nos últimos anos, com assinatura exclusiva para aplicação na revitalização do rio, no qual não se conhece qualquer investimento em projetos de revitalização por parte das prefeituras e estados beneficiados.
3- O PROJETO E AS PREVISÕES DE CONCLUSÃO
O Governo do Presidente Lula, disse que as obras dos dois eixos, norte e leste da Transposição do Rio São Francisco, ficariam prontas em 2,3 anos antes do término de seu primeiro mandato. O atual Ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, em entrevista ao Jornal Ceará Agora (28/03/2007) (www.cearaagora.com/),afirma que só o eixo leste é que ficará pronto em quatro anos, criando desde já um conflito federativo entre baianos e cearenses, sendo que estes é que levaram desvantagem, ficaram sem o Ministro Ciro Gomes e sem a água.
Ora, com todo este otimismo, a previsão acima, jamais em tempo algum, será concretizada, pois será preciso para transpor, 26 m³/s podendo chegar a 127 m³/s das águas do Rio São Francisco, a construção de: "720 km de canais, 35 reservatórios, oito túneis com 37 km de extensão, 27 aquedutos com 4,8 km de extensão, 4,4 km de adutoras, nove estações elevatórias de bombeamento e duas pequenas centrais hidrelétricas, junto aos reservatórios de Jati e Atalho no Ceará, com respectivamente, 40 Mw e 12 Mw de capacidade. A água será distribuída ao longo de quatro eixos lineares em canais a céu aberto e nos leitos dos seguintes rios: “Rio Salgado, a água percorrerá 60 km; no Rio Jaguaribe, 80 km; no Rio Apodi, 90 km; no Rio Piranhas - Açu, 130 km e no Rio Paraíba, 150 km”. (www.integracao.gov.br/).
A conta é simples. Vamos admitir a construção de 100 m de canal por dia dos 720 km de extensão dos canais que terão 25 m de largura e 5 m de profundidade. Então, seriam necessários cerca de 7.200 (sete mil e duzentos dias) para concluí-los, ou seja, 19,7 anos, isto sem levar em conta uma avaliação dos prazos de construção dos reservatórios, túneis e estações elevatórias das duas pequenas centrais hidrelétricas, além da construção do Túnel Cuncas 2 “de um total de 37 quilômetros de túneis”, um túnel de 17 km de comprimento com sete metros de diâmetro, que será cortado em uma rocha de alta dureza como é o granito. Tudo leva a crer que a previsão mais aceitável é que essa transposição se transforme na Transamazônica Hídrica do Nordeste, ou seja, terá começo mais não terá fim.
4- VOLUME DE ÁGUA A SER RETIRADO PARA A TRANSPOSIÇÃO
Consta, SBPC (2005) que o Rio São Francisco tem uma vazão alocável (aquela permitida para usos consuntivos), determinada pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco, de cerca de 360 m³/s, dos quais 335 m³/s já foram outorgados (desses, efetivamente, só estão sendo utilizados 91 m³/s), ou seja, já há o direito adquirido de uso da maior parte desse volume, restando portanto, um saldo de apenas 25 m³/s para o atendimento a um projeto que irá demandar uma vazão mínima de 26 m³/s, média de 63 m³/s e máxima de 127 m³/s. Considerando a vazão efetiva de uso atual de 91 m³/s, os 269 m³/s já com direito de outorga assegurados, a retirada de uma vazão média de 63 m³/s e de 127 m³/s previstas no projeto significa 23,4% e 47,2%, respectivamente, dos 269 m³/s já outorgados. Isto significa dizer que o governo será obrigado a cassar as licenças de outorga já concedidas em detrimento dos volumes a serem liberados para o projeto, e de novos pedidos de outorgas que por ventura venham a acontecer.
De acordo com a outorga da ANA, o volume bombeado pode chegar a 127 m³/s apenas quando o reservatório de Sobradinho estiver acima do normal, o que, segundo estudos, acontece em 40% do tempo. Segundo os hidrólogos da SBPC (2005), essa aproximação volumétrica só será possível em 40% dos anos, pois a tendência da Represa de Sobradinho, desde a época de sua construção, é de encher quatro vezes a cada 10 anos. Para se ter uma idéia dessa problemática, a Represa de Sobradinho verteu em 1997, voltou a verter em 2004 e recentemente em 2007. Nesses treze anos, a bacia do rio passou por secas sucessivas, culminando, em 2001, com a mais séria crise energética da nossa história, “o apagão”. Isso representa um desperdício de dinheiro público, uma vez que a obra ficará 60% do tempo subutilizada.
Para o Professor Francisco José Gondim Coutinho, "A CEMIG concessionária de energia de Minas Gerais, examinou a serie de vazões do São Francisco desde a inauguração de Sobradinho (1979-2003) ficou cheio em apenas 20% desse intervalo de tempo. Em uma serie mais curta de 12 anos a situação ocorreu apenas duas vezes. Depreende-se daí que o sistema São Francisco só transporá mais de 26 m³ apenas na melhor das hipóteses durante 18,8 % do tempo, trabalhará com uma capacidade ociosa de 77,2 % durante 80 % do tempo, considerando o máximo de águas transpostas de 114 m3/seg". (www.geocities.com/)
Ressalte-se que o período de chuvas que vai de novembro a maio nas bacias hidrográficas do nordeste, coincide com o mesmo período de chuvas no médio e alto Rio São Francisco. Isto quer dizer que no momento em que forem bombeados os 127 m³/s para os açudes das bacias receptoras eles também estarão cheios. As bombas deverão ser desligadas, mesmo que a barragem de Sobradinho tenha atingido 94% de seu volume útil.
Portanto, estando os açudes cheios, e possivelmente vertendo, não terão espaço de volume útil para receber as águas da transposição. Todo o excesso de água do São Francisco e das bacias receptoras vai ser jogado impreterivelmente no mar.
Para se evitar tanto desperdício de água via vertedouro, sugerimos à construção de pequenas barragens a jusante dos grandes açudes para permitir uma segurança hídrica mais efetiva “sinergia hídrica” para garantir a perenização dos rios, conforme recomendação do projeto do DNOCS, prevista para uma segunda etapa após a construção das grandes barragens na década de 80. E muito mais econômico e “ecológico” porque não haverá transferência de contaminação entre bacias. A Barragem de Sobradinho já apresenta sinais de eutrofização a exemplo do forte odor exalado de suas águas na crise do apagão em 2001. O mais importante, é não haver mistura de biomas entre bacias diferenciadas, que requer um levantamento prévio e preciso de seu ecossistema, com analise criteriosa das varias questões ambientais relacionadas a um mega-projeto desta magnitude.
A Agência Nacional de Águas (ANA) em 19/09/2005 libera o pedido de outorga de direito de uso de recursos hídricos para o Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional. Veja alguns itens do texto de análise técnica de outorga emitida pela ANA.
“4. Além da vazão firme reservada de 26,4 m³/s, a referida Resolução determina, em seu art. 1º, §1º, que:
“Excepcionalmente, será permitida a captação da vazão máxima diária de 114,3 m³/s e instantânea de 127 m³/s quando o nível de água do reservatório de Sobradinho estiver acima do menor valor entre: a) nível correspondente ao armazenamento de 94,0% do volume útil; b) nível correspondente ao volume de espera para controle de cheias.
“106. Tendo em vista as simulações realizadas, conclui-se que as condições de bombeamento definidas na outorga preventiva estão adequadas e podem ser mantidas na outorga de direito de uso:” Tabela I.
Tabela I
Bombeamento Vazão média(m³/s) Vazão máxima(m³/s) Vazão mínima(m³/s) |
EIXO LESTE 17,60 25,20 10,29 |
EIXO NORTE 50,80 9,10 16,11 |
TOTAL 68,39 114,30 26,40 |
Veja agora a versão do Ministério da Integração: “Hoje, trabalha-se com nova possibilidade. Com estudos técnicos mais elaborados e precisos, estima-se uma transferência média de 2,3% da vazão regularizada do rio São Francisco – uma média de 42,4 m³/s – destinados às bacias do Ceará, do Paraíba e do Rio Grande do Norte; e mais 21,1m³/s (1,2%) destinados ao Estado de Pernambuco, totalizando 63,5 m³/s. A redução da vazão prevista em 1994 para apenas 1/3 dela só foi possível porque se planejou um novo projeto, com retirada de águas do rio podendo variar de nenhuma a até, no máximo, 127 m³/s”. (www.integracao.gov.br/).”
Com a recente outorga concedida pela ANA de 26,4 m³/s ao projeto de transposição, já existe um déficit de 1,4 m³/s do volume alocável. O rio passou a não contar mais com o saldo volumétrico para outros fins. Caso o projeto venha a ser implantado, a área irrigável potencialmente existente no Rio São Francisco não poderá ser expandida por deficiência volumétrica no rio.
Então, não são mais, apenas 1,4% que será retirado para o Projeto de Integração do Rio São Francisco como o governo e todos os seguidores vinham afirmando. Atualmente passou a 2,3% da vazão média do rio de 2.850 m³/s.
Ressaltamos que o cálculo para retirada de água do Rio São Francisco tem que ser feito levando-se em consideração a vazão alocável de 360 m³/s determinada pelo parecer da Comissão do Comitê da Bacia do Rio São Francisco a quem cabe de fato e direito deliberar e aprovar o Plano de Recursos Hídricos da Bacia, fiscalizar e acompanhar a sua execução, e sugerir as providências necessárias ao cumprimento de suas metas.
No momento já há comprometimento de mais de 100% desta vazão, com as outorgas concedidas, gerando um déficit de 1,4 m³/s do volume alocável.
5- APROVEITAMENTO DAS ÁGUAS
O Ministério da Integração, já definiu que 70% da água transposta pelo projeto vai para irrigação, 26% para uso urbano-industrial e apenas 4% para consumo humano da população das caatingas, em nome da qual se quer justificar a obra. Na verdade, o projeto vai beneficiar mesmo é a irrigação da fruticultura para exportação, a carcinicultura (criação de camarão) e o pólo siderúrgico-portuário do porto do Pecém em Fortaleza, no Ceará.
Veja o que foi requerido pelo Ministério da Integração no pedido de outorga: “Após refinamentos, a demanda humana difusa, atendida prioritariamente, (grifo nosso) foi estimada, pelo Projeto de Integração do Rio São Francisco PISF, em 0,98 m³/s, em 2025, o que corresponde à população abastecida de 705.600 habitantes e 31% de toda a demanda rural das bacias receptoras estimada, pela ANA, de 3,17 m³/s. (população abastecida de 705.600 habitantes representa apenas 12,35% da população rural dos quatro estados “ grifo nosso”).
“3. O PISF já possui Outorga Preventiva, com validade de 3 anos, conferida pela Resolução ANA n.º 29, de 24 de janeiro de 2005, que reservou a vazão de 26,4 m³/s no rio São Francisco, correspondente à demanda projetada para o ano 2025 para consumo humano e dessedentação animal (grifo nosso) na região receptora beneficiada.
“63. As demandas urbanas para abastecimento humano a serem atendidas pelo PISF de forma prioritária, que totalizam 23,8 m³/s em 2025, foram verificadas pela ANA com base nas populações constantes do Censo Demográfico de 2000, em taxas de crescimento em 1,1% a 2,1% ao ano e em consumos per capita utilizados pelo PROAGUA, concluindo-se pela sua adequação".
Veja que no texto acima o PISF pede que seja reservada a vazão de 26,4 m³/s para consumo humano e dessedentação animal e 0,98 m³/s, para atendimento a demanda humana difusa em 2025. Então, esta água tem um destino especifico não podendo ser usada para outros fins que não seja para consumo humano e dessedentação animal . Parece já existir um desvio neste sentido, desde que Ministério da Integração garante que dos 26,4 m³/s já outorgado 70% vai para irrigação, 26% para uso urbano-industrial e apenas 4% para população difusa. Há também um erro fatal de projeção para o ano 2025 cometido pelo PISFno pedido de outorga, quando reserva 0,98 m³/s, (que corresponde a 84.672.000 l/dia) para atender uma população de 705.600 habitantes. O correto seria reservar uma vazão de 1,66 m³/s (141.120.000 l/dia) que é a quantidade de água necessária para atender essa população, calculada a base de uma taxa de 200 l/pessoa/dia recomendada OMS. A vazão de 0,98 m³/s só dá para abastecer uma população de 423.360 habitantes.
Para 31%, de toda a demanda rural avaliada pela ANA, corresponde uma população de 1.770.769 habitantes. Esta população deverá consumir 354.153.920 l/dia, um volume bem superior ao estimado pela ANA que foi de 3,17 m³/s (273.888.000 l/dia).
Toda esta discussão e a analise feita no texto anterior, perde sua validade em função de que as vazões destinadas para usos múltiplos em cada estado deverão ser redimensionadas a partir da vazão real efetiva de 21,8 m³/sque constitui efetivamente o volume que vai chegar ao destino final da transposição para ser consumido. Esta vazão 21,8 m³/s é o resultado dodesconto de 4,6 m³/s admitidos como sendo perdas de água por evaporação ao longo dos canais.
Neste sentido, se o projeto reservar 70% (15,26 m³/s) desta vazão para irrigação, restam apenas 6,54 m³/s para atender ao consumo humano, dessedentação animal, e ao consumo industrial. Já existe nesta avaliação uma redistribuição razoável das vazões estimadas no pedido de outorga em detrimento da nova vazão de 21,8 m³/s a qual o Ministério da Integração deverá se pronunciar .
6- CUSTO OPERACIONAL DAS ÁGUAS TRANSPOSTAS
De acordo com Pedro Brito, coordenador do projeto no MIN, a operação do sistema ficará a cargo de uma subsidiária da Companhia Hidroelétrica do São Francisco (CHESF), que seria totalmente formada até dezembro de 2006. Essa empresa irá vender a água bruta aos estados receptores a um custo de R$ 0,13 por m³. A água bruta não contempla o custo do bombeamento desde a fonte exportadora até as propriedades. Especialistas da Faculdade de Economia e Administração (FEA-RB) de Ribeirão Preto, em estudos chegaram a valores entre US$ 0,155 a US$ 0,312 por m³, dependendo de o ano ser úmido ou seco, Folha de S. Paulo, Nov./2005 (www.folha.com.br).
Quanto ao custo ao consumidor final, o ministério estima um subsídio correspondente a 4% de alta na conta do consumidor residencial. Outros estudos indicam impactos três a nove vezes maiores (www.cbhsaofrancisco.org.br/).
Equipe do Projeto Manuelzão (2004) comenta: “Os valores cobrados pela CODEVASF, da ordem de R$ 0,023 por m³, já computado o custo do bombeamento da água posta nas propriedades. Deve-se observar ainda que o valor estimado da água na transposição (R$ 0,11/m³) não contempla o custo do bombeamento desde a fonte exportadora até as propriedades existentes nas bacias receptoras, o que elevará ainda mais esse valor, tornando-o proibitivo para fins de irrigação. Os juros a uma taxa de 6% ao ano, sobre o montante de 5,5 bilhões de dólares que previram para a transposição, precisam ser contabilizados no custo do hectare irrigado, que seremos obrigados a subsidiar.” (www.cbhsaofrancisco.org.br/).
Segundo Abner (2007) (www.ana.gov.br/) “O custo médio da água do projeto de transposição cobrado pelo uso da água bruta nos estados receptores será de R$ 0,1467/m³, ou seja, R$ 100.863.049,00 por ano para uma vazão de 21,8 m³/s dando um volume total disponível de 687.484.800,00 m³/ano. Este será o metro cúbico de água para irrigação dos mais caro do mundo, os projetos agrícolas ficarão inviáveis”.
O Professor da Universidade Federal de Viçosa, Fernando Falco Pruski (2007) alerta: “Um outro comentário que não tenho percebido em nenhum fórum de discussão é o relacionado ao custo de bombeamento de água necessário para transpor o desnível de 165 m do eixo Norte (equivalente a um prédio de cerca de 55 andares) ou de 304 m do eixo Leste (equivalente a um prédio de cerca de 100 andares). Os custos operacionais e de manutenção de um sistema de bombeamento desta magnitude não são nada desprezíveis. Para exemplificar, considerando o custo da energia requerida para vencer o desnível do eixo Norte ter-se-ia aumentos do custo de produção de 22 e 29 % para as culturas de citros, melão e banana, respectivamente. Para as culturas ditas de subsistência os aumentos nos custos seriam ainda mais elevados, e correspondentes a 35% para o feijão e 74 % para o milho. Se consideradas as condições impostas para vencer a altura geométrica correspondente ao eixo Leste o impacto no custo de produção seria ainda mais expressivo, representando percentuais de 40, 53, 53, 65 e 136 %, para as culturas de citros, melão, banana, feijão e milho, respectivamente. É importante frisar que estes custos são apenas para garantir a elevação da água para vencer os desníveis existentes e não consideram os custos de implantação do projeto, de bilhões de dólares, além de também não estar se considerando o pagamento pelo uso da água propriamente dito e para as obras de infra-estrutura necessárias para a sua distribuição.
“Fica a dúvida se, em mundo tão globalizado e competitivo como o que estamos inseridos, aumentos do custo de produção desta ordem de grandeza ainda possibilitariam o desenvolvimento de uma agricultura viável economicamente. Não são raros no Brasil casos em que o irrigante, mesmo com o sistema de irrigação já implantado e com sua propriedade às margens do manancial hídrico, deixa de irrigar em virtude do custo de energia superar o benefício associado ao aumento de produtividade esperado pelo uso da irrigação. Deve-se mencionar ainda que o custo estimado para bombear a quantidade de água necessária para a produção de uma tonelada de feijão seria mais de 15 vezes superior ao custo requerido para transportar esta tonelada de grão por rodovia.”
7- PÚBLICO ALVO
Nas projeções do Ministério da Integração Nacional, os benefícios atingirão 9,075 milhões de habitantes do semi-árido, número que, pela evolução demográfica, deverá alcançar cerca de 12 milhões em 2025. A auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), com base em informações fornecidas pelos governos dos Estados "receptores" de águas do São Francisco (Ceará, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Paraíba), estima à população potencialmente beneficiada pelo projeto em 7,031 milhões de pessoas.
Conforme informa o Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco, o Projeto de Transposição atende a menos de 20% da área do Semi-Árido e que 44% da população que vive no meio rural continuará sem acesso a água. Significa dizer que, de 5.712.160 habitantes (Censo IBGE 2001) da população rural dos quatro estados, apenas 3.198.809 habitantes, é que serão beneficiados. Portanto um número muito diferente daquele anunciado pelo projeto, que é de 9,075 milhões de pessoas. Lembramos que as cidades de médio a grande porte, inclusas na área de atuação do projeto já têm o seu sistema urbano de abastecimento de água regularizado.
8- POTENCIALIDADES HÍDRICAS DO CEARÁ, RIO GRANDE DO NORTE, PARAÍBA E PERNAMBUCO
Segundo Albuquerque (2005), “ Sobre o Nordeste, precipitam-se, em média, anualmente, cerca de 1 trilhão e 700 bilhões de metros cúbicos anuais, 87% dos quais são perdidos por evapotranspiração real. Portanto, 13% desse total, ou seja, aproximadamente 220 bilhões de metros cúbicos é que sobram para formar os escoamentos dos rios e aqüíferos da região.”
Segundo o Professor Darke (www.manuelzao.ufmg.br/), “São em média 70.000 açudes particulares de pequeno porte e mais de 400 públicos de médio e grande porte construídos no Nordeste, armazenando cerca de 37 bilhões de metros cúbicos. Considera-se que somente 25% desse volume é aproveitado, Mesmo assim, tal volume pode irrigar uma área de 770.000 ha., mas só regam 120. 000 ha. (16% de sua capacidade).
“Mesmo assim os 25% dos 37 bilhões de m³ armazenados dão um volume aproveitável anual de 9,25 bilhões de m³. Na base de 12.000 m³ por hectare e por ano, tal volume pode irrigar uma área de 770 000 ha. e na base de 70 m³ por habitante por ano (cerca de 200 litros por dia), da para o abastecimento doméstico de 130 milhões de pessoas. Tudo isso sem contar com o aproveitamento da água subterrânea, que em certos locais é abundante. As perdas nas águas transpostas serão também inevitáveis, prevendo-se, nos 2.100 km de canais, de cerca de 30 a 50% de seu volume.”
A região semi-árida dos quatro estados CE, RN, PB, PE, (357.485 km²), tem uma precipitação média de 700 mm caindo 250,2 bilhões m³ de água de chuva ao ano. Destes, 150,1 bilhões m³ (60%) se perdem por evapotranspiração, restando 100 bilhões de m³ para o escoamento superficial e infiltração de água nos seus aqüíferos. É chuva que cai do céu de graça, que, se bem aproveitada, dá para fazer a grande festa do povo nordestino, não vai faltar água.
Segundo Rebouças (2001), as descargas dos rios nordestinos representam uma infiltração de água nos seus aqüíferos da ordem de 58 bilhões de m³/ano. A extração de apenas 1/3 dessas reservas representaria potenciais suficientes para abastecer a população nordestina (estimada em cerca de 47 milhões de pessoas), com uma taxa de 200 litros/pessoa/dia e ainda irrigar dois milhões de hectares com uma taxa de 7.000 ha./ano.
Nascimento (2006, boletim nº. 2, revisado) mediante monitorização feita nos açudes públicos pelas Secretarias de Recursos Hidricos dos quatro estados achou um potencial de água armazenado em superfície de 37 bilhões de m³. As reservas de água subterrânea com potencial explotável são de 2,4 bilhões de m³ totalizando 39,4 bilhões de m³. Apesar de o limite de explotação convencionalmente adotado ser de 30% em 50 anos para as reservas de águas subterrâneas permanentes, foi adotado neste trabalho o percentual apenas, de 10% dessas reservas no mesmo período, para rochas sedimentares (Costa & Costa-1997) como margem de segurança, sem que haja prejuízo e risco de exaustão do aqüífero, o que equivale a 0,2% ao ano, durante 50 anos consecutivos.
Ressaltamos o fato, de que as reservas permanentes em rochas sedimentares e cristalinas dos quatro estados chegam ao fantástico volume de 1,18 trilhões de m³ (Costa & Costa, 1997). Se adotarmos um índice de 30% (0,6% ao ano) para retirada de água das reservas permanentes destes aqüíferos teremos um volume disponível fantástico para os quatro estados de 7,08 bilhões de m³/ano ou, 354 bilhões de m³ de reservas de águas subterrâneas explotáveis em 50 anos, sem que haja prejuízo e risco de exaustão do aqüífero durante este período. Isto sem levarmos em conta a restituição da recarga dos aqüíferos neste mesmo período.
Carisio (2005) demonstrou que: “Fazendo cálculos aproximados da superfície correspondente aos 70 mil açudes encontraremos algo em torno de 630 km²(média de 0.9 ha/açude, resultado obtido de um índice em torno de 0.18 na relação entre o espelho d’água e o volume armazenado – espelho d’água em km² e volume armazenado em hm³). Com esta superfície de espelho d’água, e média de perda por evaporação de 2000 mm/ano, resulta numa perda total de 1.26 x 10^9 m3/ano (um bilhão duzentos e sessenta milhões de metros cúbicos por ano). Este volume de água corresponderia a uma vazão de 40.51 m3/s para se conseguir repor somente a água evaporada dos açudes. Observou-se, p.ex., que nos grandes açudes à perda por evaporação gira em torno de 7% do volume médio afluente anual enquanto que nos pequenos, foi de 18%.”
Nesta pesquisa de Carisio (2005) a taxa de evaporação encontrada para os açudes do nordeste foi de 3,4%. Este percentual é o resultado da relação de toda a água evaporada (1,26*109) dos 37 bilhões de m³ do espelho d´água da superfície dos 70 mil açudes.
Queremos chamar atenção para o fato de que uma taxa de 3,4% de evaporação para a região do nordeste, esta bem abaixo dos índices que normalmente são aplicados para o calculo da evaporação. Eles variam em um intervalo muito amplo que vai de 20% a 60%. Este resultado mostra que a escolha de um dos índices para calculo da evaporação fica a critério, havendo necessidade de estudos estatísticos mais completos em toda a região do nordeste para permitir que o resultado seja fidedigno e satisfatório.
Apesar da controvérsia na escolha da aplicação do índice, vamos aplicar os 37bilhões de m³ armazenados nos açudes dos quatro estados a taxa máxima de 60% de evaporação tradicionalmente usada. O resultado é uma perda 22,2bilhões de m³/ano restando 14,8 bilhões de m³/ano. Adicionado as reservas subterrâneas explotáveis de 2,4 bilhões de m³/ano restam um volume de água de 17,2 bilhões de m³/ano em disponibilidade.
A uma taxa de 200 litros/pessoa/dia dá para atender à população dos quatro estados (21.569.612 habitantes), com um consumo de 1,57 bilhões m³/ ano,e ainda irrigar a uma taxa de 7.000 m³/ha./ano a área de 98.828 ha. ao consumo de 691,79 milhões m³/ano, correspondentes as áreas irrigáveis das bacias receptoras: (55.624 ha. na bacia do Jaguaribe, 7.209 ha. no Apodi, 22.538 na bacia do Piranhas - Açu e 13.457 ha. na bacia Oriental da Paraíba, Albuquerque -2005).
Sendo o consumo de água dos quatro estados estimado em 2,26 bilhões m³/ano,(população mais irrigação), quando subtraído dos 17,2 bilhões de m³/ano em disponibilidade, restam ainda uma reserva de água potencial estratégica de 14,94 bilhões m³/ano. Este volume estratégico atende a demanda dos quatro estados (população, mais irrigação), durante 6,6 anos consecutivos de estiagem prolonga sem que seja necessário chover uma só gota d´água.
O volume de 17,2 bilhões de m³/ano de água em disponibilidade já descontado a perda por evaporação, representa uma vazão disponível para os quatro estados de 545,04 m³/s, um volume per capita de 797,41 m³/pessoa/ano, ou ainda 2.184 litros/pessoa/dia, quando o recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) é de 200 litros/pessoa/dia.
O consumo de água per capita varia de país para país e de lugar para lugar. Alguns exemplos abaixo, conforme Pedro Jacobi (www.geologo.com.br).
PAÍS |
CONSUMO DE ÁGUA PER CAPITA |
Escócia |
410 litros/pessoa/dia |
Estados Unidos/Canadá |
300 litros/pessoa/dia |
Austrália |
270 litros/pessoa/dia |
As informações da tabela abaixo estão no último relatório do SNIS (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento), produzido pelo Ministério das Cidades. A pesquisa abrange 4.186 municípios, que abrigam 94,3% da população urbana nacional.
Veja o ranking do consumo d'água das oito unidades da Federação do Nordeste do Brasil (2002).
13º |
Rio Grande do Norte: |
115,84 |
14º |
Sergipe: |
114,10 |
15º |
Ceará: |
113,84 |
17º |
Paraíba: |
112,08 |
18º |
Bahia: |
111,53 |
19º |
Piauí: |
107,33 |
20º |
Alagoas: |
107,23 |
25º |
Pernambuco: |
85,14 |
*Em litros por habitante por dia.
Fonte: SNIS — Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, Ministério das Cidades.
Na tabela acima, a media do consumo dos quatro estados CE, RN, PB e PE chega a 106,7 litros/pessoa/dia, correspondendo a apenas 4,88 % do volume potencial per capita para estes estados, que é de 2.184 litros/pessoa/dia calculado sobre 17,2 bilhões de m³ em disponibilidade. Então, o que falta mesmo é uma gestão bem planejada dos recursos hídricos já disponíveis, para distribuir os 95,11% do volume potencial da região que não esta sendo consumido, para atender a toda população dos quatro estados sem que seja necessário transpor uma só gota de água do Rio São Francisco.
Veja o que diz Rebouças (1994): “Entretanto, tomando-se por base os potenciais per capita ano de água em cada um dos estados do Brasil, representados pelo quociente do volume das descargas médias dos rios (DNAEE, 1985) e população (IBGE, 1991), verifica-se que, mesmo naqueles que compõem a região Nordeste, os valores são relativamente importantes. Por exemplo, um pernambucano dispõe, em média, de mais água (1.320 m³/hab/ano) do que um alemão (1.160 m³/hab/ano); o baiano (3.028 m³/hab/ano) tem potencial equivalente ao francês (3.030 m3/hab/ano); um piauiense (9.608 m³/hab/ano) dispõe de tanta água quanto um norte-americano (9.940 m³/hab/ano). Por outro lado, enquanto o consumo total per capita na maioria dos países relativamente mais desenvolvidos já fica entre 500 e pouco acima de 1000 m³/ano, ou seja, entre 24 e 92% dos respectivos potenciais, na maioria dos estados da região Nordeste os consumos per capita são inferiores 10% dos seus potenciais de água nos rios”.
Isto significa dizer que temos excedente hídrico na região setentrional do Nordeste do Brasil necessitando apenas que essa água seja bem gerenciada e distribuída em cada área de acordo com suas peculiaridades, evitando a eventual escassez hídrica local aplicando-se as soluções alternativas conforme discutidas em Nascimento (2006, boletim nº. 3).
No Nordeste a chuva média anual está em torno de 700 milímetros, enquanto no Arizona, por exemplo, é de 180 mm, e na Califórnia o índice pluviométrico anual médio é de 192 mm, só que lá não existe falta d’água, pois há uma política de economia hídrica e de sustentabilidade que mantém uma das maiores áreas agricultáveis do mundo em plena expansão. No Brasil, principalmente no Nordeste, existe o caos na gestão dos recursos hídricos de suas bacias hidrográficas. Politicagem e idéias sonhadoras certamente não resolverão a situação da seca do Nordeste nem a de convivência do homem com o semi-árido.
9- ENERGIA
O potencial de geração de energia hidroelétrica do Rio São Francisco é de 26.300 Mw, dos quais apenas 10.361 Mw encontram-se em operação.
A CHESF investiu, a preços atuais, cerca de US$ 13 bilhões de dólares em seu parque gerador de energia entre as usinas de Sobradinho e Xingó. São nove usinas gerando 9.974 Mw necessitando de uma vazão de mais de 3.000 m³/s para colocar a sua capacidade máxima em funcionamento nestes empreendimentos.
Nestes termos, já existe um déficit hídrico para geração de energia nas Usinas de Itaparica, que engole 2.744 m³/s em seu potencial instalado, e na de Xingó, que engole 3.000 m³/s, com previsão para implantação de mais quatro turbinas com capacidade para engolimento de mais 2.000 m³/s. Então, como podemos constatar nesta simples conta, já existe hoje um conflito entre a demanda e a oferta de água para geração de energia no parque da CHESF, pois só a Usina de Xingó, necessitaria de uma vazão de 5.000 m³/s para colocar sua ampliação em pleno funcionamento.
A previsão de crescimento de energia para o Nordeste está entre 4% e 6%, inclusive para as regiões abastecidas pela Hidroelétrica de Tucuruí, que deverá esgotar sua capacidade de fornecer um número maior de mega-watts para CHESF, atualmente em média 700 Mw a 800 Mw, chegando a 1200 Mw em 2001.
Ora, sabe-se que a vazão média do Rio São Francisco de longo período é de 2.850 m³/s e a sua vazão mínima regularizada é de 2.060 m³/s. Estamos antecipando verdadeiros apagões para infernizar a vida de 47 milhões de nordestinos nos próximos seis anos.
Segundo Albuquerque “para cada 1m³/s de água retirado do rio deixa de ser gerado 2,731 Mw. Esta é a chamada “produtividade de geração de energia” do rio São Francisco no trecho considerado.” Então, para a vazão máxima a ser retirada de 127 m³/s, considerando que será destinado para o eixo norte uma vazão de 84,79 m³/s (66,77%) e para o eixo leste 44,18 m³/s (33,32%) teremos uma perda de 346 Mw que deixam de ser gerados. Considerando agora que para recalcar uma diferença de cota de cerca de 160 m, cada 1m3/s de água consumiria 1,6 Mw de energia gerada, (dados da CHESF) a energia requerida para o recalque nos dois eixos da transposição é de 263 Mw. Junte-se a 346 Mw que deixam de ser gerados teremos um total de 609 Mw.
Portanto o comprometimento total máximo de energia para a CHESF é de 609 Mw mais da metade da energia gerada na Barragem de Sobradinho(1.050 Mw), só para atender à demanda do Projeto de Transposição do Rio São Francisco.
10- IRRIGAÇÃO
A CODEVASF, considera como significativas as limitações volumétricas do São Francisco, ao ponto de estimar, para irrigação em sua bacia, uma área máxima de 800 mil ha., em detrimento de um potencial irrigável, por ela previsto, de cerca de 8 milhões de hectares, julgando necessário o aporte volumétrico, oriundo de outras bacias, para suprir essa deficiência no São Francisco.
Suassuna (1996), alerta: "O São Francisco já está com as suas águas comprometidas na geração de energia e na irrigação. A explicação é a seguinte: a vazão média do rio é de 2800 m³/seg. Para gerar energia, levando em conta todo o potencial gerador da CHESF, são necessários, desse total, cerca de 2100 m³/seg. Portanto, restam 700 m³/seg. O potencial de áreas irrigáveis do São Francisco é de 3.000.000 ha. Se considerarmos 0,5 litro/seg./ha. como um número razoável para fins de cálculo da irrigação que é praticada atualmente no vale do São Francisco seriam necessários 1.500 m³/seg. para irrigar aquela área potencial. Ocorre que não temos esse volume disponível no rio. Temos, conforme mencionado anteriormente, apenas 700 m³/seg. Apesar de termos uma área potencialmente irrigável de 3.000.000 ha., só é possível irrigar, com o volume de água disponível no rio (700 m³/seg.), cerca de 1.000.000 ha. Já nos parece existir, nessa contabilidade, um sério conflito quanto ao uso das águas do São Francisco. Certamente não iremos ter água suficiente para gerar energia, irrigar e abastecer as cidades do Semi-árido nordestino conforme se está pretendendo".
O potencial de irrigação da bacia do rio São Francisco cuja área tende a crescer cerca de 4% ao ano não deve ser esquecido.
Veja o que diz Suassuna (2007). “Como justificar, com as águas do rio São Francisco, a irrigação de áreas do Nordeste setentrional, portanto a 500 km de distância das margens do rio, existindo projetos em sua bacia que estão parados por falta de recursos financeiros, a exemplo do Irecê e Salitre na Bahia, os quais somados totalizam 90 mil ha., do Pontal em Pernambuco, com 10 mil ha., e do projeto Jaíba, em Minas Gerais, com área total superior a 100 mil ha., cuja primeira fase, de 18.500 ha., está sendo implantada com muita dificuldade? Seria muito mais lógica a solução, em primeiro lugar, dos problemas financeiros existentes nos projetos pertencentes a bacia do rio, do que se partir para a implantação de novos projetos de irrigação em regiões fora dela”.
11- CONCLUSÕES
Queremos deixar claro que não somos contra a transposição, desde que ela esteja comprometida para levar água para dessedentação animal e para as pequenas populações dispersas do sertão (prioridade número um, sem discussão de custos e benefícios). Caso contrário, foi demonstrado aqui que os dados técnicos e os números disponíveis levantados e analisados inviabilizam totalmente a execução do projeto.
O Ministério da Integração alega para justificar a transposição que existe falta de água na Região Setentrional do Nordeste. Cremos que existe uma desinformação total por parte do Presidente Lula quanto as divergências existentes entre os números, quando colocados em confronto aos dados levantados nos estudos realizados na Região do Nordeste e àqueles apresentados pelo Projeto de Integração do Rio São Francisco, assunto por demais já conhecido e debatido por toda comunidade de cientistas e técnicos deste país.
O Presidente Lula precisa de uma acessória técnica que demonstre com clareza estas contradições, aí com certeza os números e as informações técnicas analisadas são indicativas contra a implantação do projeto. Mostre também, que a solução para minimizar a falta de água nas áreas mais dispersas de toda a Região do Nordeste do Brasil, só vai apresentar resultados satisfatórios, no momento que se optar decisivamente pela exploração do fabuloso potencial de águas subterrâneas armazenadas em seu subsolo, além da construção das barragens subterrâneas e das cisternas, independente se o projeto de transposição vai ou não vai ser concluído.
A comunidade geológica vêm discutindo desde a década de 60 que a solução para a má distribuição espacial das grandes massas de águas do Nordeste, só deverá ser solucionada inevitavelmente com o aproveitamento das águas subterrâneas da região, independente ou não da transposição ser realizada. Será impossível distribuir água para populações dispersas via adutoras pelos altos custos deste tipo de abastecimento. Vamos tomar como exemplo a adutora Serra de Santana, RN, que recebeu investimentos de R$ 32 milhões para construírem 204 quilômetros. O custo por km foi de R$ 156.862,00.
Assim, pode-se concluir que as soluções alternativas, construções de barragens subterrâneas (forma de captação de água mais eficiente para sustentar a agricultura familiar servindo até trinta famílias na utilização da água nas lavouras), construções de cisternas para captação de água de chuva (melhor custo benefício para consumo humano) e a dessalinização de poços tubulares, são as soluções que definitivamente vão levar água “in loco” a uma distancia nunca superior a 4km2 e a poucos metros da porta da população dispersa do sertão, regularizando o abastecimento de água do semi-árido e minimizando os problemas oriundos da seca da Região do Nordeste do Brasil.
Garante resultados satisfatórios já comprovados pelas experiências adquiridas em projetos atuais e em desenvolvimento nos quatro estados nordestinos, que além de oferecer vantagens no custo-benefício das obras que serão implantadas, elimina as incertezas do sucesso das soluções alternativas, dando garantia e segurança ao empreendimento, fator este, que não acontece no Projeto de Integração do Rio São Francisco, que deixa suspeitas em detrimento das ações que os programas delineados para o projeto venham a oferecer com retorno duvidoso.
A proposta de soluções alternativas trata, portanto, da implantação e da construção de pequenas obras, simples e de baixo custo, já com tecnologias de eficiência comprovadas, que, além de gerar inúmeros empregos na região da zona rural utilizando a mão-de-obra local, vai permitir ao homem um acesso fácil e democrático, para a utilização dos recursos hídricos disponíveis da região, fator de vital importância e de prioridade para a sobrevivência e para a convivência do caboclo nordestino com a seca. Resta agora o desafio de concretizá-las, o que requer vontade e força política dos nossos governantes para implantá-las. Aí, sim, talvez um dia nós possamos ver eliminado o tão badalado estigma da indústria da seca.
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Revitalização do Rio São Francisco já, mas sem transposição.
Salvador 23 de Abril de 2007
DILERMANDO ALVES DO NASCIMENTO, GEÓLOGO
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in www.EcoDebate.com.br - 16/05/2007