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Opinião da Professora TÂNIA BARCELAR, Universidade Federal de Pernambuco, sobre o projeto da transposição das águas do rio São Francisco
Lílian de Macedo / Agência Brasil
22/02/2005
Para a economista Tânia Bacelar, professora da UFPE - Universidade Federal de Pernambuco e apontada como uma das maiores especialistas em desenvolvimento regional do país, a questão mais importante neste debate é sobre quem será, de fato, beneficiado com a transposição.
"Essa é uma das questões centrais que vem sendo discutida, aliás, pouco discutida. Isso porque uma parte da água é para consumo humano. Mas é a menor parte. A maior parte vai para irrigação. Então a discussão é: para quem é a água. Qual o modelo de valorização hidroagrícola? Qual é a relação entre a chegada da água e a reforma agrária? Estes são temas que tornam o projeto polêmico", explica.
De acordo com Tânia, são necessárias duas ações antes do início da transposição do rio. A primeira, segundo ela, é a revitalização. "É preciso sanear os locais onde se jogam dejetos no rio, desassorear e replantar a mata ciliar", conta.
Já a segunda etapa é decidir para quem vai a água. Tânia conta que, no Nordeste, há dois tipos de demanda. A principal é a da população rural, que não deve ser atendida pelo projeto. Segundo ela, a solução para o problema é a construção de um milhão de cisternas.
Já os centros urbanos, para a pesquisadora, podem ser beneficiados com a integração. "Então, é preciso antes desapropriar certas áreas, fazer projetos com pequenos produtores associados aos grandes, para que o impacto seja socialmente bem distribuído. Caso contrário, resolve-se o problema da água e cria-se o da concentração de renda", relata.
Para a professora, esta concentração é um problema secular no Nordeste. De acordo com ela, a literatura mostra que as razões vêm do século XIX, com a expansão geográfica da área do café. "A origem da concentração é o momento da industrialização. E uma coisa puxa a outra. Com isso, os principais centros de pesquisa e universidades estão no Sudeste. As outras regiões não tiveram o mesmo volume de investimento. Então, a herança no nordeste de hoje é pesada", relembra.
Segundo a pesquisadora, todos os estudos mostram que uma das raízes da concentração de renda na região é a sua estrutura fundiária. "Este é um tema que precisa ser visto em todos os projetos. Principalmente num projeto que levará água para onde não tem e para algumas áreas que têm terras muito boas, mas que não foram aproveitadas porque não têm água", acentua.
A especialista destaca que tantas dificuldades históricas e naturais podem impedir a promoção da justiça social. "Não é qualquer projeto que leva justiça social e esse também é um dos pontos que devem ser estudados para que ele cumpra de maneira eficaz sua função: o de integração", reflete.
Tânia ressalta que, para promover esta justiça é preciso implementar políticas públicas de investimentos regionais. "No primeiro ano do governo Lula havia R$ 10 milhões para esse fim. Em 2004, esse valor saltou para R$ 100 milhões, o que para o Brasil não é nada. Colocar em prática a política de desenvolvimento regional depende do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional proposto na PEC 41, que tratou da reforma tributária. Mas, mesmo antes de ser aprovado, ele foi negociado com os governadores do Norte, Nordeste, Espírito Santo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Será rateado entre esses estados com os mesmos critérios do FPE - Fundo de Participação dos Estados", explica.
Mas, para a pesquisadora, o valor mínimo necessário para solidificar ações de justiça social seriam R$ 2,5 bilhões por ano. "A proposta é que uma grande parte fosse para Norte e Nordeste, porque, na escala macrorregional, há um hiato muito grande entre o tamanho da base econômica e o da demográfica. O Nordeste tem 28% da população e apenas 13% da produção. Nas outras regiões, a verba seria aplicada em sub-regiões menos dinâmicas", explica.