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O DESASTRE DA TRANSPOSIÇÃO DO SÃO FRANCISCO, artigo de Sílvio Menezes Tavares
Mais vale preservar uma gota d’água que seja do São Francisco, hoje, do que derramar uma lágrima por ele chorada, amanhã, mesmo que sincera. (poeta penedense desconhecido)
2001
Em 2001, a Fundação Joaquim Nabuco inseriu em seu site "Observa Fundaj", nosso modesto trabalho mostrando a inviabilidade da transposição do Rio São Francisco.
Na qualidade de homem prático, ribeirinho autêntico, conhecedor dos problemas aqui existentes, como também, dos dados técnicos que sustentam a desastrosa pretensão de desviar grande volume do rio, à montante do seu curso, desejamos de modo prático e objetivo, esclarecer aos leigos no assunto, como é criminosa essa pretensão do governo, que pelo visto, só se preocupa com o enganoso propósito político.
O projeto de transposição prevê a construção de duas elevatórias: a primeira denominada EIXO NORTE com destino a Jati/Ceará, sendo necessário elevar a água numa altitude de 164,85 metros. O segundo ramal denominado EIXO LESTE, sairia de Itaparica/Bahia para Monteiro/Paraíba, com uma elevação de 304,36 metros. A água subtraída do rio, elevada a espantoso custo energético, seria conduzida em canal de 25 metros de largura, a céu aberto, percorrendo uma extensão de mais de mil quilômetros.
Analisemos inicialmente a inviabilidade dessa pretensão: o custo de energia despendido para elevar a água para esses dois ramais estaria em volta de 530 Mw. Para que os leigos possam entender o que significa esse consumo de energia que será retirado do sistema energético do Nordeste, é oportuno mostrar um comparativo com o consumo de energia nos seguintes Estados:
PIAUÍ - 150.000 Mw/ano
SERGIPE – 185.000 Mw/ano
ALAGOAS– 190.000 Mw/ano
PARAÍBA - 200.000 Mw/ano
TOTAL: 725.000 Mw/ano contra 530 Mw do Projeto
Pelo cotejo desses números, vê-se claramente o absurdo do consumo de energia para atender a elevação das águas desviadas. Sem sombra de dúvida, irá comprometer o fornecimento de energia para as múltiplas atividades, já carentes, do próprio Nordeste.
Depois de todo esse desperdício de energia, analisemos o que irá acontecer com essas águas a serem transportadas em canais a céu aberto numa extensão de mais de 1000 Km.
Quem é proprietário rural aqui no Nordeste conhece o sol causticante, a velocidade dos ventos e a infiltração nas terras secas e áridas; indiscutivelmente, absorverão mais da metade da água que será transportada, como já afirmamos, em canais de 25 metros de largura, totalmente desprotegidos, a céu aberto, com custos elevadíssimos. Dizer que pretendem tirar um por cento das águas do rio, é na verdade, uma informação simplesmente enganosa.
Esse projeto prevê, não só o consumo doméstico, como também irrigar 160.000 hectares do semi-árido nordestino. Seria o mesmo que transfundir sangue, tendo como doador um doente em profundo estado de anemia.
Por outro lado, impossível calcular o custo de um metro cúbico de água nessas absurdas e inconsequentes condições. É oportuno esclarecer que os ribeirinhos do Baixo São Francisco encontram dificuldade em irrigar suas áreas pelo elevado custo energético. Imaginemos quanto custará um metro cúbico dessa água após esses astronômicos bombeamentos, em volume e altitudes impressionantes, além das inconsequentes perdas no deslocamento por extensões impressionantes.
Mostrada a inviabilidade econômica desse projeto, analisemos o prejuízo que trará ao Rio São Francisco na qualidade de doador agonizante.
Quando construíram a última barragem do Rio São Francisco denominada Xingó, entre os Estados de Alagoas e Sergipe, programaram a instalação de 10 turbinas com capacidade de 500 metros cúbicos por segundo. Até o momento só foram instaladas 6 turbinas, restando o espaço vazio para 4 turbinas, anteriormente programadas.
Como é óbvio, para funcionar as 6 turbinas instaladas, recebendo cada, 500 metros cúbicos por segundo, seria necessária uma vazão entre Sobradinho e Xingó de 3.000 metros cúbicos por segundo.
De início, essas 6 turbinas, chegaram a funcionar, porém, com o aumento de consumo no médio São Francisco de água para irrigação e outras atividades, a vazão foi reduzida para 1.800 metros cúbicos por segundo, o que já demonstra, por falta da matéria-prima, o exaurimento da produção energética na hidrelétrica de Xingó. As 6 turbinas instaladas estão trabalhando com ociosidade por decréscimo do volume de água na Bacia do velho rio. Como então pensar em retirar, à montante, a água de um rio que já não atende as necessidades básicas das hidrelétricas instaladas, construídas a custos bastante elevados e já parcialmente ociosas?
Como sabemos, no planeta Terra todos os rios desembocam no mar. O ministro de Integração Nacional sustenta que o projeto objetiva tirar a água que vai para o mar. Se é esse na verdade, o seu propósito, a solução correta seria retirar as águas do Rio São Francisco nas proximidades de sua foz. Para tanto, construiria uma barragem um pouco superior à cota das marés, com eclusa e através de dutos conduziria, mesmo fazendo, como enfatiza, concorrência ao mar, a água que entendesse necessária para seus mirabolantes e antieconômicos projetos. Pensar em retirar água à montante do rio, seria o maior crime que o governo poderia praticar contra as leis da natureza e uma sofrida população que habita às suas margens, além de comprometer todo o sistema energético do Nordeste.
Esse inviável projeto, de natureza política totalmente enganoso, ainda tem o condão de estabelecer um clima de desarmonia entre a sofrida população nordestina, o que nos parece grave e inconsequente. Anteriormente orçado em 3 bilhões de reais, simplesmente aumentado para 4,5 bilhões, numa demonstração clara e evidente, pelo que a Nação vem acompanhando e tomando conhecimento ultimamente, da existência de interesses ocultos e condenáveis, compatíveis com o despropósito da inconcebível urgência de iniciar obras tão desastrosas.
Finalmente, os estudos indicam que o subsolo do Ceará e do Rio Grande do Norte possuem um manancial de água tão volumoso, que, com honestidade e bons propósitos, resolveriam o problema do semi-árido nordestino, sem a preocupação de aniquilar, como pretendem, o Rio São Francisco.
Revitalizar o rio, já agonizante, seria uma medida governamental honesta e criteriosa. Como é do conhecimento geral, as cidades ribeirinhas não possuem saneamento básico, colocando dejetos de toda natureza em seu leito, onde o volume de água, como já demonstrado, encontra-se bastante reduzido. Proteger seus afluentes, com matas ciliares, seria igualmente uma medida salutar e urgente. A demagogia e o despropósito dos órgãos do governo esquecem de medidas honestas e incontestáveis para, na tentativa de enganar a opinião pública e a imprensa, executar uma obra antieconômica, criminosa, desastrosa.
As autoridades e a imprensa do País precisam analisar, com profundidade, a inconsequência desse projeto e apoiar a luta de um sacerdote que teve a coragem cívica de, mesmo contrariando as regras básicas da Igreja Católica, oferecer sua própria vida, na tentativa de evitar ser consumada a maior catástrofe imposta ao povo nordestino em meio a tantas outras que imprevisivelmente vêm acontecendo em nosso planeta, nos dias atuais.
Silvio Menezes Tavares é Promotor de Justiça aposentado e Presidente da Associação Comercial de Penedo