Notícias
Licença ambiental para transposição pode ser inválida
Disponível em:
Carta Maior
Por Verena Glass*
11/05/2005
São Paulo – A aprovação da licença ambiental prévia e a concessão do estudo de impacto ambiental (EIA-RIMA) para o projeto de transposição do rio São Francisco, concedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) no final de abril, foi fundamental para que o Ministério da Integração Nacional dê início ao processo de licitação das empresas que farão as obras, publicada nesta terça feira (10). Segundo o Diário Oficial da União, a licitação envolve a execução das obras civis, instalação, montagem, testes e comissionamento dos equipamentos mecânicos e elétricos e elaboração de projetos executivos da Primeira Etapa de implantação do Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional.
Apesar de apenas autorizar a elaboração de um projeto executivo do processo, a outorga da licença prévia pelo Ibama foi duramente criticada por ambientalistas, movimentos sociais e políticos contrários à transposição. No início da semana, vários deputados liderados pelo presidente da comissão especial que analisa a revitalização do São Francisco, deputado Fernando Fabinho (PFL-BA), ameaçaram impedir a destinação de recursos para as obras na Comissão do Orçamento do Congresso Nacional, já que a conclusão do projeto de revitalização do rio deveria preceder o debate sobre eventuais obras. Fabinho também acusou o Ibama de ceder a pressões político-eleitorais do governo Lula ao dar licença para uma obra que, segundo ele, não tem justificativa econômica, técnica ou ambiental.
Em tom parecido, um grupo de 56 movimentos sociais e ONGs da bacia do São Francisco elaboraram, neste último fim de semana, uma moção de repúdio contra a aprovação do EIA/RIMA onde acusam o Ibama de não ter objetivado a preservação ambiental. “O Ministério do Meio Ambiente (MMA, ao qual o Ibama é ligado) desde o início defendeu a transposição, o que obviamente deixa o Ibama em uma situação difícil, pois não é um órgão independente. No caso, é o empregado dando uma licença para o patrão, o que tira toda a sua legitimidade”, ponderou Geraldo dos Santos, assessor do Comitê de Bacias do Rio São Francisco.
Legalidade questionável
Considerada por todos os opositores da transposição um atropelo dos processos de negociação com a sociedade civil, a autorização da licença prévia pode ser questionada legalmente. Segundo o coordenador da Associação Pernambucana de Defesa da Natureza (Aspan), Alexandre Araújo, de acordo com a legislação é necessário que, antes de qualquer manifestação do Ibama, o governo realize audiências públicas em todos os estados da bacia do São Francisco, o que não ocorreu.
“As audiências ocorreram em apenas quatro estados, e, independente de qualquer coisa, é obrigação do governo realiza-las sob pena de que a licença não tenha validade. Teoricamente, então, qualquer entidade pode entrar com um pedido de embargo desta licença”, afirma Araújo. Segundo o governo, as audiências não teriam ocorrido em Minas Gerais, Bahia, Alagoas e Sergipe em função de protestos das comunidades locais.
“Isso não é argumento, e consideramos que o governo está trabalhando ao arrepio da lei. Na ótica do Comitê de Bacias do São Francisco, a licença prévia e ilegal”, afirma o assessor do órgão Geraldo dos Santos. Segundo ele, a aprovação do EIA-RIMA e a falta de estudos ambientais no estado também teriam levado o governo de Minas Gerais e entrar com uma ação contra o Governo Federal junto ao Supremo Tribunal Federal.
Por outro lado, segundo o professor do departamento de hidráulica e saneamento da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), João Abner Guimarães Jr., uma série de questionamentos apresentados por docentes da UFRN na audiência do estado não teriam sido respondidas pelo Ibama, o que também feriria os procedimentos legais.
“De acordo com o Conselho Nacional para o Meio Ambiente (CONAMA), em primeiro lugar o Ibama teria que avaliar todas as propostas alternativas à transposição, o que não fez em momento algum. Há um questionamento e um conflito grave referentes ao levantamento do potencial hídrico do rio entre Ibama e uma série de instituições de pesquisa. O próprio ministro Ciro Gomes reconheceu problemas neste ponto em uma audiência recente com a OAB. Mas o grande problema, a meu ver, é que a transposição comprometerá toda a água do rio, o que inviabiliza possíveis novas demandas. Ou seja, hoje, 80% das águas do São Francisco já estão comprometidas por outorgas para geração de energia. Há outras outorgas para outros fins, como água para as cidades ou para a agricultura. Agora, segundo o projeto de transposição, 100% do rio ficará comprometido. Parece que o Ibama desconhece este fato, desconhece que a outorga de uso das águas restringe o seu uso em toda a bacia, que a água outorgada em Sobradinho restringe o seu uso em Minas Gerais, o que é sim um grave impacto ambiental”, afirma o professor.
Para Abner, a inépcia do governo em conduzir corretamente o processo está gerando um conflito federativo entre os estados receptores da água (e favoráveis à transposição) e os “doadores” (contrários) que pode criar um clima extremamente tenso na região. “Usando o pretexto de estar realizando parte do projeto de revitalização do rio, o governo vem tentando cooptar prefeitos e políticos locais com projetos e obras de eletrificação, estradas e saneamento. Isto está gerando uma guerra interna entre os nordestino”, denuncia.
* Com informações da Rede de Informações do Paraíba do Sul