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Governo já tem em mãos alternativas à transposição, artigo de Amália Safatle
Revista sobre Sustentabilidade
11/07/2007
Atlas de Abastecimento Urbano da ANA - Imagem do Google
O governo federal já tem nas mãos alternativas para o polêmico projeto de transposição do Rio São Francisco: são mais baratas, mais eficientes, menos impactantes ao meio ambiente e têm maior alcance.
"Mas o próprio governo tratou de colocar essas soluções embaixo do tapete", diz Adriano Martins, asssessor do bispo Dom Luiz Flávio Cappio, da diocese de Barra (BA) - que em setembro de 2005 entrou em greve de fome contra a transposição.
Segundo Martins, sociólogo e ambientalista, essas soluções encontram-se no Atlas do Nordeste - Abastecimento Urbano de Água, estudo elaborado pela Agência Nacional de Águas (ANA), e lançado em dezembro passado. "Para não ficar numa situação desconfortável, os representantes da ANA afirmam que as soluções propostas são complementares à transposição, mas na verdade podem substituí-la".
Ele compara: enquanto a transposição está orçada em R$ 6,6 bilhões, o investimento previsto pelo Atlas é de R$ 3,6 bilhões. A transposição beneficiaria 391 municípios em quatro estados nordestinos. Já o Atlas alcançaria 1.356 cidades em Minas Gerais e em todos os estados do Nordeste.
A transposição beneficiaria cerca de 12 milhões de pessoas, enquanto o outro conjunto de alternativas contemplaria 34 milhões. O projeto Atlas pode ser acessado no endereço http://atlas.ana.gov.br/Atlas/forms/Home.aspx. Mas nenhum dos dois projetos - o Atlas e a transposição - levam em conta variáveis ligadas ao aquecimento global, que terá efeitos significativos no clima da região.
Segundo Martins, hoje o problema da seca no Nordeste não é tanto a quantidade de chuva, e sim a falta de armazenamento da água. O semi-árido nordestino é mais chuvoso que regiões na Espanha e em Israel, por exemplo. O problema é que as chuvas se concentram em determinado período do ano. Por isso, projetos que ataquem a questão da armazenagem tendem a ser mais eficientes.
Martins acredita que a opção pela transposição se deva à busca da visibilidade política que uma megaobra traz. "Além disso, o governo se rendeu ao lobby de forças econômicas. Grupos como os criadores de camarão no Rio Grande do Norte, produtores de grãos e frutas para exportação e setores industriais ganham com a transposição, sem falar nas empreiteiras. Mas isso não garante água para quem passa sede, e assim o governo perde a oportunidade de virar a página da 'indústria da seca'", afirma.
O sociólogo acrescenta que, embora no projeto de transposição esteja prevista a criação de pólos produtivos com geração de emprego e renda, esse movimento deverá atrair uma grande quantidade de pessoas sem que haja postos de trabalho suficientes, levando à favelização dos locais. "Desde os anos 70, esse tipo de arranjo econômico não dá certo", diz Martins, que há 20 anos mora na região do semi-árido baiano.
Manisfestações crescentes
A resistência de movimentos sociais à transposição foi reavivada nas últimas semanas. A insatisfação ficou clara entre os cerca de 1.800 participantes da III Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, realizada na primeira semana de julho, em Fortaleza (CE) - um dos maiores eventos do mundo voltados à segurança alimentar, organizado pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) e pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. O Consea acaba de reivindicar a imediata suspensão das obras.
No final de junho, manisfestantes, entre ele os índios trucá, ocuparam em Cabrobó (PE) áreas onde o Exército montou o primeiro canteiro de obras para captação de água. Os índios alegam que as terras lhes pertencem e não foram ouvidos sobre a obra.
A transposição obteve licença ambiental do Ibama, mas com uma série de condicionantes. "O Ibama apontou mais de 30 falhas no estudo de impacto ambiental, entre eles a não-realização de audências públicas e o fato de que os locais estudados representam pouco o conjunto da bacia", diz. Martins espera que o diálogo - estabelecido no ano passado entre a Secretaria Geral da Presidência, a Casa Civil, o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério da Integração Nacional após a greve de fome de Dom Cappio, mas segundo ele interrompido após as eleições presidenciais - seja retomado.
Amália Safatle é jornalista e editora associada da Página 22, revista mensal sobre sustentabilidade, que tem como proposta interligar os fatos econômicos às questões sociais e ambientais.