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Geógrafa da UFRPE, Rita Alcântara Domingues, inclui discussão sobre a transposição do rio São Francisco em tese de doutorado
Pesquisa analisa os conflitos de usos e o modelo de gestão das águas da região do Submédio.
Universidade em Foco
14/08/2006
Estudar os usos e conflitos de utilização das águas do Submédio (trecho) do rio São Francisco foi a proposta da professora do Departamento de Letras e Ciências Humanas da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) Rita Alcântara Domingues, na sua tese de doutorado Aspectos Institucionais da Gestão dos Recursos Hídricos - O Caso do Submédio São Francisco, defendida em fevereiro do corrente ano na Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Segundo o estudo, as modificações institucionais empreendidas no país tiveram forte repercussão na gestão dos recursos hídricos com a promulgação da Lei 9.433/97 (Lei das Águas), que envolve, entre outros aspectos, o domínio público das águas e a implantação do sistema nacional de gestão dos recursos hídricos. Hoje, a nova lei prevê os usos múltiplos e a gestão descentralizada, onde participam governo, sociedade e usuários e com a sua instituição, a água passou a ser vista como recurso limitado e dotado de valor econômico. Tais fundamentos são extremamente positivos para se estabelecer o uso racional. Com o Código de Águas de 1934, antigo diploma legal, havia uma gestão centralizada, priorizava a eletrificação e água entendida como bem infinito. A discussão empreendida ao longo do trabalho mostrou que parte das modificações analisadas tem conseqüências importantes no que diz respeito aos conflitos de usos presentes na bacia do São Francisco, em particular no Submédio do São Francisco.
A professora admite que em regiões de relativa escassez hídrica, como o semi-árido nordestino e o Submédio São Francisco, a existência de um manancial do porte e extensão do rio São Francisco extrapola os limites de um acidente geográfico e de um bem público isolado, para se converter numa matriz de possibilidades estratégicas da qual depende toda a região.
Na tese, a autora constata que o Submédio São Francisco assume funções além do espaço local, atingindo a dimensão regional quando os seus usos são disputados entre as ações da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (CHESF), com a geração de energia elétrica, da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (CODEVASF), com a irrigação e, no momento, na instância do Governo Federal, com a transposição de águas do rio São Francisco. As disputas giram ainda em torno de dois fatores: a demanda sempre crescente com pressão de novos usos e a disponibilidade constante, que levam, obrigatoriamente, à necessidade de otimização dos usos, pressupondo-se uma gestão sólida, integrada e coerente na administração dos usos e conflitos.
Com base na análise dos dados levantados no trabalho, a profª. Rita Alcântara constata ainda que as decisões da CHESF e da Comissão do Vale do São Francisco - CVSF, e posteriormente da SUVALE e da CODEVASF, influenciaram na organização de subespaços com ações estruturadoras e que, ao longo do tempo, exprimem certa tensão entre formas de regulação setorial e um padrão institucional consolidado. É pertinente lembrar que esse modelo condicionou a estrutura produtiva ao Submédio.
Com o padrão institucional em vigor evidenciaram-se conflitos em vários aspectos. O primeiro, refere-se à definição dos usos, uma vez que a legislação institui, dentre outros fundamentos, os usos múltiplos. A igualdade de oportunidade não significa divisão do volume de água em cotas sempre iguais, e para tanto, são necessários critérios para a definição de prioridade. O abastecimento da população e dessendentação de animais são atendimentos prioritários, mas, noutras circunstâncias, a lei não é clara quando aponta que nos planos de bacias devem conter as prioridades de outorga, e não especifica de onde virão tais definições, se dos planos dos comitês de bacia ou de outra organização. A falta de precisão na lei deu lugar ao estabelecimento de conflitos e, nessas circunstâncias, cabe a ANA negociar com os usuários a solução dos problemas ou, em última instância, ao CNRH, que ocupa a posição hierárquica superior, decidir sobre as grandes questões do setor. No Submédio tais aspectos aparecem com o confronto entre irrigação e energia elétrica, ainda hoje acirrado, embora tenham sido observadas tentativas de conciliação entre a lógica da CHESF e da CODEVASF.
Quando questionada sobre o projeto do Governo Federal de Integração de Bacias, a geógrafa sugere: a realização de uma revisão das outorgas concedidas pela Agência Nacional de Águas - ANA; a definição no projeto de uma nova matriz energética para a região Nordeste, tendo em vista o comprometimento parcial, com a sua implantação, da capacidade de geração de energia hidrelétrica; além de um estudo mais aprofundado não apenas das condições ambientais da bacia, mas também uma efetiva ação de revitalização do rio. Acrescenta, ainda, que o projeto de integração de bacias conduz a reafirmação de disputas regionais.
Na tese, a geógrafa entende, com base na lei n°9.433/97, que a utilização dos recursos hídricos do Submédio deve se dar através de uma gestão descentralizada, ou seja, com participação efetiva do poder público, da comunidade e de usuários. Sugere em sua pesquisa que os novos agentes institucionais (ANA e Comitê de Bacias) com poder de decisão sejam submetidos a programas de capacitação técnica sobre as particularidades da área e dos setores que atuam. E finalmente que, visando consolidar à plena implementação da Lei das Águas, torna-se necessário dotar a sociedade de um nível de conhecimento capaz de levá-la a uma participação mais eqüitativa no processo de decisão.
Mais informações: (81) 3320.6005/6013.