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Estado de Alerta: Lula versus Chico
Governadores franciscanos negam ruptura com o governo Lula. Mas reprovam explicitamente projeto de transposição do Rio São Francisco.
Jornal do Brasil – RJ
Hiram Firmino
07/07/2005
O aviso inicial aconteceu na capital mineira, na última lua cheia de
junho. Parlamentares do movimento "Salve o Rio São Francisco",
integrado por 44 deputados federais e senadores, como Leonardo Mattos,
Fernando Gabeira e Vittorio Medioli, todos do PV, visitaram e
conseguiram, pela primeira vez, o apoio explícito do governador Aécio
Neves.
Até então, quem falava por Minas e pelos quatro outros estados
franciscanos, era o seu secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento
Sustentável e presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do São
Francisco, José Carlos Carvalho.Ao receber a carta aberta da Frente Parlamentar (leia na página....),
o governador foi incisivo: "Para nós, mineiros, é impossível falar de
transposição se não falarmos primeiro na revitalização do rio. Esta é
a posição clara do governo mineiro" - frisou.O segundo aviso já partiu espontaneamente de Aécio Neves, governador
do estado responsável por 72% das águas que formam a bacia do Velho
Chico. Foi durante as comemorações da Semana Mundial do Meio Ambiente
em Belo Horizonte. Na presença do presidente da Agência Nacional das
Águas (ANA), José Machado, representante do governo federal, o
governador causou frisson na platéia de outros políticos, técnicos e
ambientalistas que lotavam o auditório do Banco de Desenvolvimento de
Minas Gerais e esperavam um pronunciamento público seu:"Governar é uma escolha de Sofia permanente. Todos nós queremos ter
uma marca de realização do nosso governo para ser lembrado. No meu
caso, eu me satisfaria mais se minha filha e meus netos lembrassem e
tivessem orgulho de mim como aquele que entendeu e abraçou a causa
ambiental"- disse Aécio. E completou: "A revitalização do São
Francisco agora é pré-condição".O terceiro aviso ainda manteve a capital mineira como palco. Agora não
mais sozinho, mas acompanhado dos governadores da Bahia e Sergipe,
Paulo Souto e João Alves, ele presidiu o "Ato em Defesa do São
Francisco", durante Reunião Plenária do Comitê, que lotou as
dependências do Palácio das Artes, o maior centro artístico-cultural
do Estado. Dessa vez, com a presença de políticos, autoridades,
cientistas, ambientalistas e representantes dos cinco estados que
integram a bacia franciscana, foi lido a carta "Do Velho Chico ao
presidente Lula".Aécio ampliou seu recado: "Em respeito à verdade, não há nenhum estado
e nenhum governador em posição de confronto e combate com a ideia da
transposição das águas para atender o consumo humano no semi-árido
brasileiro. É descabida esta leitura. Mas - referindo-se ao projeto
defendido pelo ministro Ciro Gomes, da Integração Nacional - da forma
como está, a proposta não significará a universalização de
abastecimento d'água potável, como prevê as Metas do Milênio das
Nações Unidas, patrocinada pelo Brasil e estranhamente ignorada pelo
governo federal".Recado nordestino - O apoio de seus colegas também foi explícito.
Paulo Souto, da Bahia, fez um apelo à sensatez do presidente Lula: "Em
qualquer lugar do mundo, a questão da transposição tem de ter
sustentabilidade e legitimidade, não concentração anti-federativa de
poder". E foi João Alves, de Sergipe, quem mostrou contundentemente as
experiências desastradas ocorridas com outros grandes rios no planeta.Em 1983, durante o seu primeiro mandato como governador sergipano, ele
disse ter testemunhado um "quadro de horror", ao conhecer o que
aconteceu à foz do transposto Rio Colorado, nos EUA: "Eu vi isso com
os meus olhos. O projeto fez recuar e secar 100 km do rio antes dele
chegar ao mar".Estudioso e interessado no assunto, já que a foz do São Francisco é em
seu estado, João Alves relatou ainda a sua visita ao Rio Amarelo, na
China, que também foi transposto: "No sentido à montante, este rio
passou a secar numa extensão de 550 km , durante quatro meses ao ano, o
que não acontecia nunca. Ano passado, eu fiquei sabendo, nesse mesmo
trecho ele ficou seco durante quase nove meses" - afirmou o
governador.Na época da sua visita, ele disse que perguntou aos técnicos chineses
quanto tempo havia sido gasto para o governo chinês, mesmo ditatorial,
sem discussão democrática com a população, concluir o projeto mal
sucedido da transposição: "Eles me responderam meio século. Perguntei
o porquê de tanto tempo, na nossa ótica. Eles responderam que, no seu
país, os políticos e os engenheiros são passageiros. Os interesses da
China não".No Brasil que se diz democrático, Alves foi enfático: "Mesmo sabendo
que, do ponto de vista ambiental, o São Francisco está na UTI, o
governo federal quer nos enfiar seu projeto goela abaixo, o que não
vamos aceitar". E vaticinou: "Escutem o que um nordestino aprendeu,
viveu e ainda vive o assunto.Os rios morrem pela foz. Hoje, no Velho Chico, pesca-se peixe de mar
até 150 km da antiga foz. É o mar entrando até aonde o rio moribundo
perde a sua vitalidade. O governo do presidente Lula precisa de um
sinal mais verdadeiro e inequívoco do que esse?" - concluiu.
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Carta do movimento "Salve o São Francisco" ao governador
Política Jornal do Brasil – RJ - 07/07/2005Da RedaçãoA transposição é qualificável sob os aspectos econômico, social e
desenvolvimentista como absurda;Nunca se realizou transposição de águas de uma região semi-árida para
fornecê-la a outra com as mesmas características;Apenas um cálculo ingênuo ou perverso autoriza uma decisão açodada e
temerária.Existem soluções muito mais econômicas e viáveis que a transposição
para criar segurança hídrica ao Nordeste excluído do vale do São
Francisco.O IDH no vale do São Francisco é o mais baixo do Brasil. Chega a ser
pior que o registrado nos municípios que se pretende beneficiar com a
transposição.Desperdício de recursos públicos na ordem de R$ 24 bilhões.Não conseguirá fornecer água ao Nordeste em volume apreciável.Em breve será mais uma obra abandonada, um esqueleto que se juntará a
28 grandes obras inacabadas da União.O projeto é aparentemente viável, na prática não existem recursos
hídricos suficientes a viabilizar o enchimento dos canais da
transposição.Fique claro:Água não se inventa, sem água não haverá transposição.Do volume hídrico aproveitável do São Francisco, avaliado pela
Codevasf em 360 metros cúbicos por segundo, já se encontram com
outorga 335 metros cúbicos . Apenas 91 metros cúbicos estão sendo
aproveitados (bombeados) e 224 metros cúbicos pertencem a projetos em
fase final como o Jaíba (com outorga de 80 metros cúbicos ).Sobram 25 metros cúbicos para a transposição. Um volume irrisório com
potencial de irrigação ( 1 metro cúbico a cada 1.000 hectares ) de
apenas 25.000 hectares ou 27% do projeto Jaíba.O custo do bombeamento para irrigação às margens do rio é de R$ 0,02
por metro cúbico. Na transposição sobre para R$ 0,11 por metro cúbico.A evapotranspiração sequestrará mais de 60% das águas bombeadas da
transposição.As estações de bombeamento consumirão 15% da capacidade energética
instalada em todo o Nordeste. O custo inviabiliza a exploração
econômica. O usuário não terá como pagar a conta.Não há um organismo internacional que aprove a transposição.As estações de bombeamento consumirão 15% da capacidade energética
instalada em todo o Nordeste. O custo inviabiliza a exploração
econômica. O usuário não terá como pagar a conta.Não há um organismo internacional que aprove a transposição, pois não
tem viabilidade econômica ou social.Foram negados financiamentos internacionais, portanto o investimento
se dará com recursos da União, subtraindo-os da nação.Não escapará ao julgamento internacional como o maior desperdício de
recursos públicos que se consumou no Brasil.Existem alternativas melhores:Perfuração de poços profundos aproveitando-se o lençol freático da
região - já amplamente pesquisado - e um dos maiores do planeta.Exemplo: sistema de irrigação do deserto de Nurgev, em Israel.O poço de Violeta no Piauí, com vazão de 950 metros cúbicos por hora,
o de maior potencial da América, foi recentemente inutilizado pela
ANA, pois não havia projeto de utilização.Poços artesianos evitam investimentos em grandes redes de distribuição
e perdas por evapotranspiração.A perfuração de 300 poços que jorram naturalmente em função da riqueza
do lençol freático não gera custo energético.Estudos hidrológicos promovidos pela Codevasf comprovam a viabilidade
de aproveitamento do lençol freático em volume de águas superior ao
previsto na transposição.Os poços e as respectivas redes de distribuição local exigem um
investimento na ordem de R$ 600 milhões (R$ 2 milhões por poço).
Poderão ser financiados com recursos internacionais.A bacia do São Francisco possui, em Minas e na Bahia, 2,4 milhões de
hectares irrigáveis às margens do seu leito e um potencial hídrico
suficiente para beneficiar apenas 360 mil hectares.AS águas do São Francisco são fator de desenvolvimento da região
semi-árida do médio e baixo São Francisco. Portanto, inegociáveis.Trata-se de equívoco dizer "primeiro a revitalização...", pois
admite-se a disposição de negociar a cessão de águas de um rio já
exaurido.Recado ao presidente"Junte-se a nós, Presidente, na tarefa inadiável de salvar o Velho
Chico. Revitalização já! Acompanhada dos investimentos necessários,
para aumentar a oferta e democratizar o acesso à água e concluir as
obras de infraestrutura hídrica inacabadas em toda a região semi-árida
brasileira, reorientando as políticas públicas para o desenvolvimento
regional sustentável, como preconizam instituições de inquestionável
credibilidade nacional e internacional, como a SBPC e o Banco Mundial.
Revitalização já!Transposição em debateDesfralde esta bandeira, Presidente"!(Trecho final da "Carta aberta de defesa do Rio São Francisco ao
Presidente Lula)Experiências fracassadas
Transposições e outros projetos afins que não deram certo ao redor do mundoMar de Aral
Esta talvez seja uma das histórias mais tristes, quando se fala em
destruição do meio ambiente. Até 1960, o Mar de Aral, situado entre o
Casaquistão e o Uzbequistão, dois países da Ásia central, pertencentes
à antiga União Soviética, era o quarto maior do planeta. Sua área
abrangia um total de 66 mil km2 e seu volume era estimado em mais de
1.000 km3. Os dois principais rios que irrigavam o Aral, Sirdaria no
norte e Amudaria no sul, foram desviados para irrigar plantações de
algodão. Hoje, o Mar de Aral tem apenas 27 mil km2. Ninguém sabe
prever o seu futuro, pois ele continua secando. É um exemplo clássico
de desnvolvimento não-sustentável.Rio Amarelo
Este é um dos dois maiores rios da China, considerado berço de sua
civilização, também na lista das maiores catástrofes ambientais do
mundo. Depois de o governo permitir a execução de centenas de projetos
de desvio de suas águas, o rio começou a secar antes de chegar ao mar,
a partir de 1972. Nos anos seguintes, secou alternadamente até 1985.
Desde então, tem secado durante certo período do ano. Em 1997, o Rio
Amarelo deixou de alcançar o mar durante 226 dias, ou seja, mais de
sete meses. A contínua demanda por suas águas significa que um dia ele
não mais chegará ao mar.Rio ColoradoHá mais de 30 anos, este rio, um dos mais importantes dos EUA, deixou
de chegar ao Mar. Suas águas brotam nas Montanhas Rochosas, no estado
do Colorado, e percorriam uma distância de mais de 2.300 km ,
atravessando sete estados: Arizona, Califórnia, Nevada, Colorado,
Utah, Novo México, e Wyoming, antes de desaguar no Mar de Cortez, no
México. Os acordos entre esses estados americanos e o México não foram
suficientes para preservar o rio. A super exploração transformou o
Colorado em um filete de água, se comparado à sua exuberância até os
anos 20, quando era apontado por ambientalistas como a versão
terrestre do paraíso.Rio EbroNa Espanha, a história desse rio, em termos de sua preservação, teve
um final feliz. O Ebro corta o oeste do país, atravessando regiões
importantes como Aragão, Catalunha e Valença. O governo anterior, do
presidente conservador José Maria Aznar, havia aprovado um projeto de
transposição das suas águas para beneficiar algumas regiões carentes
do país. O novo governo do presidente José Luis Zapatero suspendeu o
projeto. E optou, para suprir as carências das regiões que seriam
beneficiadas, por um trabalho de dessalinização das águas do mar -
mais caro, porém, não vai prejudicar a bacia do Ebro.