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ENCONTRO INTERNACIONAL SOBRE TRANSFERÊNCIA DE ÁGUAS ENTRE GRANDES BACIAS HIDROGRÁFICAS
WORKSHOP SOBRE A TRANSPOSIÇÃO DE ÁGUAS DO RIO SÃO FRANCISCO - Relatório das Discussões
Recife – Outubro de 2004
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC
Centro de Estudos e Projetos do Nordeste
SUMÁRIO
· INTRODUÇÃO
- · PRINCIPAIS ASPECTOS A CONSIDERAR QUANTO A TRANSFERÊNCIA DE ÁGUAS ENTRE BACIAS
- · CONFLITOS DE INTERESSE
- · JUSTIFICATIVA DESTE DOCUMENTO
- · OS RECURSOS HÍDRICOS NA BACIA DO RIO SÃO FRANCISCO E SEUS USOS MÚLTIPLOS
· DISPONIBILIDADE HÍDRICA E DEMANDAS NA REGIÃO DE DESTINO
- · CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROJETO DE TRANSPOSIÇÃO DE ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
- · CONCLUSÕES
· REFERÊNCIAS
- · PARTICIPANTES DO WORKSHOP
INTRODUÇÃO
A história registra ao longo do tempo muitos empreendimentos em grande escala para transferência de águas entre bacias, com as experiências mais antigas tendo sido registradas em regiões do Egito antigo, Assíria, China e no Império romano, entre outras. Na maioria dos casos estas transferências foram feitas visando o suprimento de água para as populações e para irrigação. Canais, túneis, aquedutos construídos há muitos séculos ainda hoje registram essas ações.
Nos momentos modernos, a principal motivação para a transferência de água entre as bacias nas regiões áridas e semi-áridas é a chamada segurança hídrica, cujo objetivo básico é aumentar o nível de garantia de suprimento de água para as atividades a que se destina. Tais ações são sustentadas no princípio geral de eqüidade no direito do acesso à água, principalmente, no que se refere ao abastecimento humano e animal, assegurado como princípio moral e incorporado na legislação das nações.
A experiência das nações vem estabelecendo alguns preceitos como essenciais para assegurar a justiça nesse tipo de empreendimento:
- (1). A região receptora de água deve ter comprovada a escassez de água para o atendimento de suas necessidades;
- (2). Os recursos hídricos da região de origem devem ser suficientes para satisfazer a demanda da transferência sem acarretar impedimento ao desenvolvimento futuro dessa região;
- (3). Os impactos ambientais ocasionados pela transferência de água devem ser mínimos para ambas as regiões, de destino e de origem;
- (4). Os benefícios sociais para a região de destino devem ser compatíveis com o porte do empreendimento;
- (5). Os impactos positivos gerados devem ser compartilhados, razoavelmente, entre as regiões de origem e de destino.
Argumentos pró e contra projetos de transferência de água entre bacias são essencialmente os mesmos que devem estar presentes em todos os investimentos em infra-estrutura de grande escala:
- Viabilidade técnica construtiva e operacional;
- Prioridade regional e nacional e global, quando se tratar de países diferentes;
- Justificação econômica, justiça e valor social;
- Aceitabilidade quanto aos impactos ambientais;
- Suporte legal.
Estes princípios foram consagrados no Segundo Fórum Mundial de água em Haia, Holanda, ocorrido em março de 2000.
PRINCIPAIS ASPECTOS A CONSIDERAR QUANTO A TRANSFERÊNCIA DE ÁGUAS ENTRE BACIAS
Segundo Asit Biswas, renomado pesquisador da área, a transferência de água entre bacias pode apresentar problemas que diferem de magnitude de um projeto a outro, porém em linhas gerais é preciso considerar os seguintes aspectos:
- Sistema Físico
(a) Quantidade de Água: nível; descarga; velocidade; águas subterrâneas; perdas. (b) Qualidade de Água: sedimentos; nutrientes; turbidez; salinidade e alcalinidade; temperatura; substâncias químicas tóxicas. (c) Implicações sobre os solos: erosão; sedimentação; salinidade; alcalinidade; mudanças em padrões de uso de terra; mudanças da caracterização mineral e conteúdo de nutrientes no solo; indução a terremotos; outros fatores relativos à hidrogeologia. (d) Atmosfera: temperatura; evapotranspiração; mudanças microclimáticas.
II Sistema Biológico
(a) Ambiente aquático: zooplancton; phytoplancton; peixes e vertebrados aquáticos; plantas; vetores de doença. (b) biodiversidade em geral: animais; vegetação; perda de hábitat; encarecimento de hábitat.
III Sistema Humano
(a) Produção: agricultura; aqüicultura; geração de energia; transporte (navegação); indústrias; recreação; mineração. (b) Sócio-cultural: custos sociais, inclusive reassentamento das pessoas; desenvolvimento de infra-estrutura complementar; efeitos antropológicos; implicações políticas.
CONFLITOS DE INTERESSE
Ainda de acordo com Biswas, a questão de transferência de água entre bacias tem sido um assunto que desperta muita passionalidade. Sempre que projetos dessa natureza são propostos, controvérsias públicas se tornam a regra em lugar de a exceção . Os proponentes discutem a excelência técnica dos projetos, os benefícios econômicos e contribuições globais para desenvolvimento da sociedade. Os oponentes procuram mostrar, por outro lado, que os custos sociais e ambientais são muito altos e conseqüentemente inaceitáveis para a sociedade. Assim, via de regra, segmentos de sociedade defendem o objetivo a ser alcançado em termos de desenvolvimento, enquanto outros segmentos se opõem ao mesmo projeto por razões diferentes. Tais conflitos são compreensíveis. É inevitável que qualquer projeto de desenvolvimento beneficiará alguns cidadãos mais que outros e, freqüentemente, alguns cidadãos podem ter que agüentar custos adicionais, às vezes tangíveis (responsabilidades de imposto mais pesadas, por exemplo) ou intangíveis (como ônus social e ambiental). Os proponentes são freqüentemente os beneficiários e os oponentes tendem a ser esses que pagam os custos.
A partir de revisão crítica das experiências passadas e presentes em transferência de água, os principais assuntos que emergem são:
- (1) a transferência de água entre bacias é freqüentemente avaliada, predominantemente, sob óticas pontuais, deixando-se de considerar todo o conjunto de variáveis envolvidas. (2) possibilidades outras de resolução dos problemas da área a ser beneficiada, como complementação dos aproveitamentos na própria bacia, uso mais eficiente da água, redução de perdas, recuperação dos corpos d’água não são exaustivamente estudados. (3) várias outras possíveis alternativas para transferência não são investigadas adequadamente.
- (2) o setor agrícola normalmente é o beneficiário principal de projetos de transferência de água. Assim, a análise se concentra freqüentemente em benefícios agrícolas. Os objetivos sociais como redistribuição de renda, alteração de taxa e padrões de crescimento regional, redução de desemprego e proteção ambiental não são considerados satisfatoriamente. Até certo ponto isto pode ser explicável pelas dificuldades encontradas para a quantificação dos benefícios e custos sociais e ambientais.
- (3) a oposição para transferência de água em projetos interestaduais e internacionais tende a aumentar cada vez mais. A ação de transferir água de um país para outro, ou até mesmo entre estados dentro de um país, raramente pode ser alcançada sem controvérsia. Estudos de viabilidade técnicos e econômicos são comparativamente mais fáceis de desenvolver; o real problema consiste na aceitabilidade pública e social desses projetos. O sentimento público, por diversas razões, parece freqüentemente estar fortemente contra exportações de água e esta preocupação, não surpreendentemente, é refletida no processo político. Isto pode ser explicado talvez pela importância crescente da água no contexto global.
A participação é a chave para definição das principais dimensões da aceitabilidade social do Projeto. O envolvimento da sociedade, nas discussões e negociações, ajuda a incorporar, na análise dos conflitos de uso da água, aspectos sociais e ambientais.
Nesse contexto, os comitês de bacias hidrográficas são o lócus institucional, legal e legítimo, para dirimir conflitos, consensuar pactos, devendo ter como diretrizes básicas a comunicação direta, a transparência e o respeito mútuo entre todos os envolvidos.
Em primeira instância, os conflitos associados ao uso da água da bacia do rio São Francisco devem ser mediados pelos comitês envolvidos, contribuindo para a solução dos problemas relacionados com as questões sócio-ambientais, que considerem a sustentabilidade do semi-árido, a exclusão social e hídrica, a assistência às comunidades ribeirinhas, a degradação ambiental e a revitalização da bacia.
Nesse sentido, os seguintes aspectos devem ser observados:
- Envolvimento de todas as partes afetadas;
- Comprometimento e participação da sociedade;
- Clareza na definição dos papéis e responsabilidades de todos os agentes envolvidos;
- Identificação e avaliação conjunta dos problemas, soluções e alternativas;
- Hierarquização dos problemas e soluções, priorizando aspectos com maior potencial de resolução;
- Dimensionamento adequado do tempo para construção de consensos;
- Estabelecimento de pactos para execução das ações consensuadas.
JUSTIFICATIVA DESTE DOCUMENTO
Entre os dias 02 e 04 de agosto deste ano, a SBPC-PE e o CEPEN com apoio financeiro da FINEP e FACEPE, realizaram o Encontro internacional sobre Transferência de Água entre Grandes Bacias Hidrográficas . Atendendo ao convite da SBPC, técnicos de diferentes áreas do conhecimento e notório saber, do Brasil e do exterior, se debruçaram sobre as questões que envolvem o projeto de transposição das águas do São Francisco. A discussão compreendeu em primeira instância duas grandes abordagens: balanço hídrico e meio ambiente e aspectos sócio-econômicos e institucionais . Em cada linha de abordagem foram definidos diferentes temas que nortearam a discussão, cujos resultados são apresentados em seqüência.
OS RECURSOS HÍDRICOS NA BACIA DO RIO SÃO FRANCISCO E SEUS USOS MÚLTIPLOS
Impactos ambientais na calha do São Francisco
A alteração do regime das vazões e fluxo de sedimentos decorrentes dos empreendimentos do setor elétrico implantados na calha do rio São Francisco gerou grandes impactos ambientais. Entre estes, os mais significativos têm sido a erosão da foz e adjacências, a formação de bancos de areia no baixo curso do rio, maior penetração da cunha salina e perda de recursos pesqueiros pela ausência de trocas entre o rio e suas lagoas marginas, reprodutórios de um grande número de espécies aquáticas.
Disponibilidade hídrica na bacia do rio São Francisco
A vazão média na foz do rio São Francisco é de aproximadamente 2.850 m 3 /s. Para se obter uma vazão garantida para fins de geração de energia, foram construídos dois grandes reservatórios de regularização na calha do rio São Francisco: Três Marias e Sobradinho. O primeiro acumula até 19 bilhões de m 3 e regulariza uma vazão de 517m 3 /s. O segundo tem capacidade de 34 bilhões de m 3 e regulariza uma vazão de 1.815m 3 /s, quando somada à regularização de Três Marias. Considerando-se essas vazões regularizadas, estima-se a vazão com 95% de garantia [1] na foz do rio em 1.850m 3 /s.
Geração de Energia
O primeiro grande usuário das águas do rio São Francisco foi o setor elétrico, aproveitando o seu potencial para a produção hidroenergética. Foram aplicados, ao longo dos anos, em infra-estrutura para geração de energia cerca de U$ 13 bilhões. O potencial total de geração de energia em operação na bacia do São Francisco é avaliado em 10484 MW. Deste total 95% situa-se no terço inferior da calha do rio São Francisco, compreendendo as usinas hidroelétricas de Sobradinho, Itaparica, Moxotó, Complexo de Paulo Afonso e Xingó. Só esta ultima, situada a menos de 200 km da foz, responde por 30% da geração de energia.
Considerando-se que aproximadamente 75% das vazões no rio São Francisco são provenientes do seu terço superior (Minas Gerais), a derivação de água em quantidade significativa em qualquer trecho a montante de Xingó, ou seja, em 92% dos 2.700 km de calha do rio São Francisco, trará algum impacto na geração de energia.
Deve-se observar, contudo, que praticamente todo o potencial de geração de energia da calha do São Francisco já foi explorado. A potência instalada gera anualmente cerca de 50 milhões de Mwh para o atendimento da demanda do Nordeste. A demanda energética do Nordeste vem crescendo em cerca de 2% acima do PIB nordestino. No ano de 2003, o crescimento nacional foi negativo, contudo a demanda energética nordestina cresceu cerca de 2,7% do PIB regional. Com as perspectivas de crescimento divulgadas pelo governo de 4% aa (possível e não improvável), isso poderá significar crescimento da demanda de energia elétrica anual superior a 6%.
Com este crescimento é de se esperar que em 12 anos, seja necessário dobrar a oferta de energia elétrica para a região, ou seja, em 2016, precisa-se ter no nordeste entre 90 e 100 milhões de Mwh para satisfazer a sua demanda. Logo, independentemente da derivação das águas para outros usos na bacia, será necessário encontrar soluções efetivas para o atendimento à demanda energética crescente. O aumento da importação de energia, principalmente, da Região Norte, assim como o aproveitamento de energia eólica, de termoelétricas e outras fontes é inevitável.
Irrigação
A bacia do rio São Francisco possui um grande potencial agrícola, notadamente para a agricultura irrigada. O impacto dessa atividade para o desenvolvimento socioeconômico da região impõe um novo paradigma para o uso dos recursos hídricos na bacia.
Segundo o Plano Diretor para o Desenvolvimento do Vale do São Francisco, PLANVASF, o vale do São Francisco possui, aproximadamente, 30 milhões de hectares de terras aptas para a agricultura irrigada. Adotando-se como fatores limitantes uma distância máxima de 60 km da fonte de água e uma elevação máxima de até 120m, o potencial irrigável no vale resulta em aproximadamente 8,1 milhões de hectares. A irrigação deste montante de terras já seria suficiente para consumir uma vez e meia toda a água produzida na bacia. Atualmente estão implantados na bacia do rio São Francisco aproximadamente 340.000 hectares de agricultura irrigada.
Demandas por água na bacia do São Francisco e vazão alocável para usos consuntivos
Além da geração de energia e irrigação, outras demandas importantes também pressionam os usos dos recursos hídricos na bacia, tais como o abastecimento urbano e rural, a aqüicultura, a navegação, o turismo, a mineração, a pecuária, a produção industrial, a exportação de água para usos externos à bacia e as restrições ambientais, necessárias ao equilíbrio e preservação do sistema fluvial e do ambiente costeiro do rio.
Atualmente as outorgas de direito de uso da água já emitidas para os rios perenes da bacia do rio São Francisco somam um consumo [2] de 335 m 3 /s. Estudos conduzidos pela ONS, no entanto, indicam um consumo efetivo atual de 91 m 3 /s, ou seja, 27% do consumo outorgado. Esta diferença requer uma ação urgente por parte das autoridades outorgantes no sentido de reavaliar os procedimentos e critérios de outorga, apropriando a água de forma mais eficiente às necessidades hídricas dos empreendimentos, bem como revisando as outorgas já emitidas.
Outro aspecto que deve ser igualmente considerado na avaliação das outorgas é o fato de que os grandes projetos de irrigação, em sua maioria públicos, estão paralisados ou se desenvolvem lentamente, contribuindo de forma determinante para a existência dessa defasagem.
A demanda para manutenção das condições de biodiversidade e usos da água no baixo curso e foz, pelo menos nas atuais condições, é essencial para a determinação das disponibilidades para usos consuntivos [3] na bacia. Por determinação do IBAMA, a vazão mínima na foz está limitada a 1.300 m 3 /s. Este valor, alguma vezes chamado de vazão ecológica, pretende compatibilizar o atendimento aos múltiplos usos no trecho inferior do rio (irrigação, geração de energia, abastecimento e navegação). Deduzindo-se este limite da vazão regularizada pelos reservatórios, a vazão alocável com garantia de 95% para todos os usos consuntivos na bacia será de 550 m 3 /s, ou seja, 30% da vazão garantida produzida pela bacia.
O Plano de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do São Francisco (PRHBSF), aprovado pela plenária do seu comitê em julho de 2004, adota como vazão máxima alocável para usos consuntivos 360 m 3 /s. No Plano, este valor é justificado, principalmente, pelo fato de a garantia das vazões estar associada à operação dos reservatórios de Três Marias e Sobradinho, os quais estão sujeitos às contingências do setor elétrico.
Nestas condições, considerando-se o consumo atual efetivo de 91 m 3 /s, o saldo de vazão alocável atual na bacia resulta em 269 m 3 /s. Se consideradas as outorgas de direito de uso da água já emitidas para os rios perenes da bacia, 335 m 3 /s, como consumo potencial, haveria atualmente um comprometimento de 93% da vazão máxima alocável da bacia.
As vazões máxima e média requeridas pelo projeto de transposição, aproximadamente 127 m 3 /s e 65 m 3 /s, representam respectivamente 4,5% e 2,5% da vazão média na foz e 6,8% e 3,5% da vazão com garantia de 95% neste mesmo ponto. Valores inexpressivos, já que se aproximam dos erros inerentes ao processo de determinação das vazões. Contudo, se forem observados a vazão de restrição mínima da foz, determinada pelo IBAMA, e o consumo atual na bacia, as vazões máxima e média requerida para a transposição consumirão respectivamente 47% e 25% do saldo atual de vazão alocável na bacia.
Tomando-se por referência os últimos 10 anos, tem-se uma taxa tendencial de crescimento da irrigação na bacia do rio São Francisco de 4% ao ano. Considerando este cenário, observa-se que o crescimento da demanda deste setor consumirá em menos de 15 anos metade da vazão alocável atual. Tal situação aponta para um cenário de conflito, caso não haja um aumento das vazões alocáveis, principalmente pela reavaliação das vazões disponibilizadas para a geração de energia e o limite mínimo estabelecido para a foz.
Pelos números apresentados, os recursos hídricos na calha do São Francisco são abundantes quando comparados à grande maioria dos rios situados no território nacional. Contudo, quando comparados às demandas potenciais dos múltiplos usos existentes na bacia ou externos a esta, percebe-se a nítida necessidade de uma alocação planejada.
Disponibilidade hídrica e demandas na região de destino
É patente a condição de potencial escassez de água na região semi-árida do Nordeste, principalmente pela má distribuição espacial e temporal das precipitações e o elevado índice de evaporação preponderante. Apesar disso, não existe confiabilidade nas estimativas das vazões disponíveis no Nordeste Setentrional.
Os projetos existentes e em andamento na região podem atender grande parte das demandas existentes, principalmente, o abastecimento humano e não foram explorados no estudo. Para isso é necessário aumentar a eficiência dos projetos existentes e planejados.
A análise dos planos estaduais de recursos hídricos sinaliza que a questão do abastecimento humano pode ser resolvida com os recursos hídricos existentes para o Ceará e Rio Grande do Norte, a partir de adutoras e integração de bacias dos rios locais, por meio de obras executadas ou previstas. Aliás, essa auto-suficiência neste sentido é reconhecida pelos próprios órgãos gestores desses estados. No que se refere ao estado da Paraíba, cujo Plano de Recursos Hídricos se encontra em fase final de elaboração, não há indicativos suficientes para conclusão. Há que se considerar, no entanto, a existência de reservatórios de porte no semi-árido deste estado e que a solução para o abastecimento de Campina Grande, a maior cidade do interior do Nordeste, está a caminho de equacionamento pelos reservatórios de Boqueirão e Acauã, recém-construído.
Os estudos existentes mostram que os piores índices de sustentabilidade hídrica do país se encontram nas regiões do Agreste e Sertão do estado de Pernambuco. Neste caso, a transposição de águas a partir do São Francisco para o abastecimento humano destinado a diversas cidades e distritos do Agreste do estado é indicada pelo Plano de Recursos Hídricos do estado e outros estudos como a única solução, visto que as reservas locais se encontram exauridas. A partir da cidade de Caruaru, na direção leste, existem possibilidades de atendimento com integração de fontes de água de melhor e pior qualidade, que combinadas podem suprir as necessidades (exemplo de Caruaru). No que se refere ao Sertão, este está inserido na bacia do São Francisco e não se configura transposição de águas. Por sinal, para essa região existem adutoras como a de Salgueiro e a Adutora do Sertão, que abastecem parte das cidades a partir do São Francisco.
No que tange a pouca garantia da produção agrícola em toda a região, é um fato incontestável que a incerteza climática regional condiciona o porte dos projetos de irrigação que podem ser estabelecidos a partir dos grandes reservatórios existentes no Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba. A transferência de águas quando necessário, garantindo a vazão regularizável pelos grandes reservatórios, pode aumentar consideravelmente a sinergia dos sistemas.
CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROJETO DE TRANSPOSIÇÃO DE ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO
O projeto atual de transferência de águas do São Francisco para outras áreas semi-áridas do Nordeste foi analisado pelo grupo de técnicos sob os dois aspectos centrais estabelecidos. Desta análise foram extraídas as considerações que se seguem.
Demanda na região de destino
Segundo dados do projeto, a transposição proposta aumenta significativamente as garantias de fornecimento de água às demandas previstas. Contudo, os estudos apresentados não identificam os beneficiários dos projetos de irrigação, o que leva à preocupação natural quanto à distribuição dos benefícios sociais que venham a ser gerados.
Na determinação das necessidades hídricas para a região receptora não foram considerados no projeto os possíveis cenários de evolução das demandas. A demanda para irrigação pode estar superdimensionada, fato que antecipa injustificadamente a necessidade da implantação do projeto da transposição.
A taxa de crescimento adotada na região receptora para as novas demandas é, consideravelmente, maior que a taxa histórica. Se a demanda adotada não for alcançada, grande parte do investimento ficará ociosa e a operação não será sustentável.
Aspectos socioeconômicos e institucionais
A magnitude dos investimentos e a natureza complexa de projetos como o da Transposição das Águas do Rio São Francisco sinalizam a necessidade de ações mais integradas e abrangentes que possam realmente levar ao desenvolvimento regional. É vital observar que água por si só não gera desenvolvimento. É preciso produzir racionalmente, implantar sistemas de escoamento da produção, capacitar e educar as pessoas, entre outras ações.
Sob essa premissa de trabalho, uma intervenção dessa natureza deve assumir um caráter estruturador e estratégico, que não se limite às ações em infra-estrutura hidráulica, mas que organize, induza e condicione ações físicas e institucionais, sob as perspectivas regional e local, contribuindo, notadamente, para consolidar, nas regiões envolvidas, o princípio da gestão participativa, descentralizada e integrada.
É imprescindível que o desenvolvimento e a implementação de um projeto dessa natureza se processem de forma pactuada com os entes federados e com os sistemas de gerenciamento de recursos hídricos das regiões envolvidas, tanto a de origem como a de destino das águas.
Receitas e custos
A oferta de vazão propiciada pelo empreendimento deverá gerar uma receita para os usuários da água, que deverá cobrir minimamente os custos de operação e manutenção do sistema.
Os modelos de exploração deverão contemplar a substituição de técnicas de espalhamento de águas, bem como de culturas inadequadas ao semi-árido – altamente consumidora de água e de baixo valor de mercado.
Custo Final da Água
Cabe alertar que o custo final da água resultaria da atribuição de todos os custos do empreendimento ao metro cúbico de água a ser transposta, da forma seguinte:
- O custo total ao longo da vida útil econômica do empreendimento seria resultante da somatória das seguintes parcelas:
- Investimentos em obras-tronco e derivadas desde a origem até o destino final da água;
- Mitigação dos impactos ambientais, físicos, bióticos e antrópicos;
- iii. Operação e manutenção do empreendimento; e
- Compensação à bacia exportadora de água.
- O valor estimado por metro cúbico de água a ser transposta resultaria da divisão do custo total definido no item precedente pela vazão total a ser transposta ao longo da vida útil econômica do empreendimento.
Esse custo deveria ser coberto pela atividade usuária da água pelo menos quanto às parcelas de operação e manutenção. A parte restante desta cobertura seria definida pelo Governo da União, de forma transparente e observando o princípio da igualdade de tratamento a ser dado às duas regiões, a exportadora e a importadora de água.
Sustentabilidade do Semi-árido
O projeto precisa trazer, entre os seus pressupostos, a contribuição para o ordenamento espacial da atividade econômica do semi-árido, induzindo a adoção de modelos compatíveis com os requisitos necessários ao desenvolvimento local.
Regiões secas podem se desenvolver de modo consistente com pouca água. Para tal, deve haver o fomento às atividades não dependentes ou pouco intensivas na utilização da água como insumo. Indústrias como as de implementos de informática (pólos industriais de informática), indústrias gráficas e muitas outras se adequariam bem às cidades do interior de qualquer estado brasileiro.
Oportunidade
O projeto precisaria estar em sintonia com outras iniciativas na região que contribuam para solucionar ou minimizar o problema do déficit hídrico. Em particular, a experiência do Proágua Semi-árido, notadamente no que se refere ao programa de construção e operação de adutoras – que vem surtindo efeito positivo – deve ser intensificada.
Viabilidade Econômica
Em um projeto dessa magnitude deve ser efetuada uma exaustiva avaliação de custos e benefícios sociais e privados, com base na determinação de preços sociais e privados para aquilatar-se o real benefício do empreendimento.
Governabilidade
Qualquer projeto de transferência de água entre bacias deve buscar sempre a adesão à legislação e à agenda política e institucional dos estados, respeitando, portanto, ao que está estabelecido nos planos de bacia e estaduais. A inserção no planejamento global deve ser realizada no plano nacional de recursos hídricos. Esta adesão aos planos de recursos hídricos garantiria os direitos dos usuários, o atendimento aos critérios de gestão, as necessidades e prioridades das bacias envolvidas, tanto receptoras quanto exportadoras.
A importação de água deve estar submetida à otimização dos recursos hídricos endógenos das bacias receptoras, incluindo a conclusão de eventuais obras em andamento, o uso eficiente da água, através da gestão rigorosa das demandas e de políticas agrícolas que garantam os mais baixos consumos de água. O sistema institucional para a gestão do empreendimento e obras complementares, incluindo operação e manutenção, devem ser acordados previamente, com a eleição de critérios e métodos administrativos que promovam a governabilidade do uso dos recursos hídricos e o comprometimento formal dos governos locais, de modo a garantir o seu sucesso.
Estratégia para implementação do Projeto de Transposição
Propõe-se que para o atendimento às necessidades do Nordeste Brasileiro se adote uma abordagem integrada dos problemas de recursos hídricos da região.
Na região receptora, esta abordagem deverá priorizar a utilização dos recursos locais, mais fácil e barata, os programas estaduais e federais em andamento (Proágua e outros), diversos cenários de projeção de demanda e a capacidade gerencial dos estados, entre outros fatores.
A adoção desta estratégia poderá, de acordo com o desenvolvimento da região, levar à adequação do projeto no futuro.
Em outras palavras esta estratégia prevê o escalonamento do Projeto de Transposição “de jusante para montante” e tem como principais vantagens a redução dos custos do projeto, o ganho de tempo para o amadurecimento da gestão dos recursos hídricos nos diversos estados e minimizar as diversas incertezas relativas ao projeto.
CONCLUSÕES
Como resultado da avaliação do projeto de transposição de águas do São Francisco, dos usos múltiplos da água na própria bacia e das condições do semi-árido, foram estabelecidos os seguintes consensos:
- Quando comparada com a vazão média de longo período ou com a vazão regularizada, captar em média 65 m 3 /s para os usos pretendidos não é retirada significativa face às vazões disponíveis. Por outro lado, considerando a restrição de liberação na foz de 1.300m 3 /s conforme estabelecido pelo IBAMA e no plano de bacia aprovado, tendo em vista os valores estabelecidos pela ANA: vazão regularizada pelo sistema elétrico de 1.850 m 3 /s; disponibilidade para usos consuntivos de 360m 3 /s; usos efetivos atuais de 91m 3 /s e portanto disponibilidade a alocar de 269m 3 /s, a vazão pretendida no projeto passa a representar 25% desta disponibilidade.
- Estes números traduzem comprometimento da maior parte da vazão do rio São Francisco com as atividades de geração de energia e com a necessidade de manter vazão mínima no baixo curso do rio para evitar maior comprometimento com as questões ambientais e as atividades produtivas como pesca e navegação. No que se refere à geração de energia, os cenários projetados para os próximos anos, já ratificados durante o recente período de baixa acumulação registrada no reservatório de Sobradinho, mostram que o rio São Francisco terá sua função como principal provedor de energia do Nordeste continuamente reduzida. Como a questão ambiental na foz e os usos da água no baixo curso do rio condicionam a vazão mínima acordada, observa-se assim a dificuldade de aumentar a disponibilidade atual de 261 m 3 /s e a análise de alocação de água deve ser estabelecida a partir deste valor.
- As vazões ecológicas e remanescentes na foz do rio São Francisco, atualmente, praticadas não se baseiam em estudos científicos e sim em regras operacionais dos diversos usuários (navegação, geração de energia e irrigação). Com base na reconstituição das vazões naturais, sabe-se que nos períodos de menor defluência ocorriam na foz vazões mínimas inferiores a 700 m 3 /s. Faz-se necessário, portanto, a determinação do regime adequado de vazões, levando em conta a sazonalidade das vazões mínimas e máximas e sua interação com o ecossistema, que promova a recuperação ambiental da região e ao mesmo tempo proporcione maior certeza na alocação de água para os demais fins.
- O projeto em discussão estabelece como valor médio a captação de 65m 3 /s considerando que em diversos períodos os reservatórios do Nordeste a serem beneficiados estarão com percentual significativo de acumulação e assim irão necessitar de menores transferências de água, com transferências maiores em outros períodos que chegarão a 127m 3 /s, o que corresponde a 47% da disponibilidade atual alocável para usos consuntivos. É importante ressaltar que a coincidência de períodos de estiagens mais severas nas duas regiões é bastante significativa e nesses casos conflitos sérios de usos podem se estabelecer.
- Na situação atual existem outorgas de direitos de uso da água emitidas na bacia do São Francisco que comprometem quase toda a vazão não utilizada no presente para usos consuntivos. Se essas outorgas são respeitadas, nenhum projeto significativo de irrigação pode ser instalado na bacia nem captação para usos externos pode ser efetivada. Os valores outorgados mostram uma situação grave de direitos concedidos em excesso, que precisam ser revistos imediatamente.
- Considerando a revisão das outorgas emitidas, há uma disponibilidade hídrica na bacia que pode e deve ser distribuída da forma mais justa e eqüitativa, de forma a atender às necessidades mais vitais de dessedentação humana e animal e em seguida o desenvolvimento das regiões, respeitadas as condicionantes ambientais.
- No que se refere ao atendimento das necessidades de abastecimento humano e animal, dois aspectos com características distintas devem ser observados: o primeiro diz respeito às cidades e distritos espalhados pela região. Os rios que compõem a bacia do São Francisco, notadamente o rio principal, são os responsáveis pelo suprimento da maior parte desse contingente populacional na bacia e mesmo fora dela, como é o caso da cidade de Aracaju, em Sergipe. Outras regiões fora da bacia podem perfeitamente ser atendidas para esse uso, de forma incondicional, respeitadas as condicionantes técnicas e a clara necessidade de transferência das águas do São Francisco pela ausência de alternativas mais viáveis sob os pontos de vista técnico e econômico. Esse parece o caso, face aos muitos estudos existentes, do Agreste de Pernambuco (fora da bacia), do Sertão (dentro da bacia, não se configurando transposição). O caso do estado da Paraíba não está claro o suficiente e requer melhor avaliação.
- Ainda quanto ao atendimento das necessidades de água para consumo humano e animal, resta a questão das populações dispersas no semi-árido, tanto fora da bacia do São Francisco como no seu interior. Tecnicamente não há como atender esse contingente populacional com água do São Francisco, restando as formas tradicionais (ou um pouco mais inovadoras, para evitar as elevadas perdas por evaporação) de convivência com o semi-árido: cisternas, poços, dessalinização, pequenos açudes, barragens subterrâneas, etc.
- Pela própria natureza dos usos, tratamentos diferenciados devem ser dados às demandas para irrigação quando comparadas ao abastecimento de água.
- A agricultura irrigada, maior consumidora de água entre todos os usos, é necessidade imperiosa para o atendimento das necessidades das populações e o desenvolvimento das regiões. Há na bacia do São Francisco um grande potencial de áreas irrigáveis. Da mesma forma também existe potencial significativo nas regiões do Nordeste externas à bacia.
- A disponibilidade de água na bacia do São Francisco ainda a alocar para outros usos não é suficiente para o atendimento à demanda potencial para irrigação das duas regiões, nem mesmo para a própria bacia. Portanto, há conflito potencial neste sentido e a solução requer análise social, ambiental, técnica, econômica, gerencial, mecanismos de compensação e outras avaliações, como tem sido feito em todas as partes do mundo onde ocorrem transferências de águas entre grandes bacias hidrográficas.
- Independentemente da proposta de transposição de águas do rio São Francisco para fora da bacia, os conflitos pelo uso da água para irrigação poderão se estabelecer. Parte significativa dos projetos usam técnicas de baixa eficiência e portanto tais projetos precisam ter suas outorgas condicionadas ao aumento da eficiência.
- No que se refere especificamente ao atual projeto de transposição, há diferenças fundamentais quanto à justificação a respeito dos dois eixos propostos. O chamado Eixo Leste é proposto para o abastecimento humano das regiões mais secas de Pernambuco e da Paraíba e irrigação em sua maior parte na própria bacia do São Francisco. Por outro lado, o Eixo Norte, cujo objetivo é inequivocamente irrigação, baseia-se no princípio do aumento da sinergia dos grandes reservatórios do Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba. O projeto do Eixo Norte apresenta muitas incertezas no que se refere à viabilidade econômica e não há clareza quanto ao benefício social e à distribuição de renda que poderá ser gerada com o projeto. Além disso, em ambos os casos, a capacidade gerencial necessária para que as instituições públicas brasileiras venham a administrar o transporte de água em canais com centenas de quilômetros e a capacidade dos estados e da União de implementar as obras de modo a efetivamente utilizar a água não condiz com o quadro atual, de dezenas de projetos inacabados e outros quase destruídos em função da má gestão. Portanto, seriam extremamente oportunas e prioritárias ações focadas na conclusão de inúmeras obras inacabadas existentes.
- As atuais disponibilidades hídricas da região potencialmente receptora do projeto da transposição do rio São Francisco podem ser aumentadas com a interligação dos reservatórios já existentes e otimização de sua operação, reuso dos esgotos tratados para outros fins, interação no uso da água superficial com a subterrânea observando a sustentabilidade da explotação destas fontes e otimização dos recursos hídricos alternativos considerando a heterogeneidade do semi-árido.
- A avaliação técnica, social e econômica dos dois eixos de transposição propostos, vistos de forma mais ampla, sinaliza que o Eixo Leste é mais justificável, dado que pode vir a resolver problemas crônicos da região. Quanto ao Eixo Norte pesam contra sua racionalidade muito mais questões quanto às reais necessidades, ao alcance social, à viabilidade econômica e gerencial.
- Em face das incertezas que ainda cercam aspectos importantes do projeto, é mais racional que se cumpra uma estratégia de desenvolvimento e implementação que, na perspectiva das bacias receptoras de água, caminhe de jusante para montante, otimizando disponibilidades de água (inclusive investindo na integração de bacias hidrográficas em rios de domínio estadual, como está sendo feito no Ceará) e confirmando demandas, de modo a assegurar que o projeto constitua uma alternativa complementar e não implique o abandono ou a subutilização de fontes locais de água, garantindo intervenções capilares de ponta, que propiciem a obtenção de efeitos benéficos para:
- As populações mais pobres (aspectos sociais envolvidos);
- As áreas irrigadas que exigem obras e ações complementares (assistência técnica, gerencial, apoio creditício e logísticas de escoamento e de comercialização da produção) e
iii. Para os sistemas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário (com redução de desperdícios e perdas de água, com redução dos problemas de poluição, que inviabilizam o aproveitamento de mananciais locais).
Por seu turno, na perspectiva da bacia doadora, o projeto deveria incorporar a abordagem consolidada no Plano da Bacia do Rio São Francisco, aprovado pelo respectivo Comitê, no qual merecem destaque as ações de revitalização (recomposição de cobertura vegetal e matas ciliares, redução de assoreamento e outras). De modo similar às precauções tomadas nas bacias receptoras, deve-se otimizar disponibilidades de água e confirmar demandas de comunidades, áreas irrigadas e de sistemas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário, situadas na própria bacia do São Francisco.
Tal estratégia de desenvolvimento e implementação deve incorporar o trato simultâneo de ações de gestão da oferta de água (envolvendo flexibilização da oferta e a seleção criteriosa de alternativas de açudagem, para reduzir as perdas de água); gestão das demandas (inclusive mediante incentivos a atividades com menor consumo de água); gestão do risco, administração de conflitos e desenvolvimento dos suportes legal e administrativo.
Os fatores citados se tornam, seguramente, relevantes para fins da viabilidade econômico-financeira do Projeto, tanto em razão de propiciar equidade na repartição dos custos e dos benefícios do Projeto, quanto pela alocação eficaz dos vultosos recursos públicos que serão exigidos e, ainda, pelas bases que passam a ser conferidas a mecanismos sustentáveis de gestão e operação. É necessário que os custos de operação e manutenção do sistema sejam cobertos pelas receitas arrecadadas;
Por fim, de modo relacionado à economia política do Projeto, cabe o estabelecimento de um sólido arranjo institucional para a sua implementação, seja na fase de desenvolvimento, seja no período de operação, arranjo este que deve estar ancorado no conjunto de interesses sociais, econômicos e políticos relacionados ao empreendimento.
- A reação observada em diversos estados da bacia do São Francisco ao projeto de transposição de águas proposto é absolutamente natural e semelhante ao que tem ocorrido em muitas regiões do mundo ao serem propostos projetos similares. No caso da bacia do São Francisco, as razões são diversas: há o fato de existirem os impactos ambientais continuamente agravados; grande parte de região semi-árida na própria bacia; enorme potencial de irrigação que por si só pode gerar conflitos futuros; muitos projetos governamentais de irrigação que competem por recursos. Desta forma, a discussão transcende meramente à disponibilidade de água e passa a ser também uma competição por investimentos que é legítima, dado que os problemas e as aspirações existem nas duas regiões.
- As melhores soluções adotadas nas experiências em outros países passam por um processo de negociação séria, protocolos de compensações e de medidas mitigadoras, investimentos proporcionais para resolver os problemas das regiões de origem e de destino da água. No nosso caso, existe concretamente o projeto de transposição de águas e acenos do governo federal de uma política de revitalização da bacia. A solução dos problemas da população rural difusa em todo o semi-árido se resume a um programa de construção de cisternas rurais que transcorre muito lentamente. Urge, assim, a construção de um plano de ação integrada nas duas regiões, com cronograma e fontes de recursos definidos. Os preceitos de prioridades, de justiça social, de racionalidade dos investimentos públicos devem ser obedecidos para o bem do país.
- REFERÊNCIAS
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Biswas, Asit K., 1979a, "Watera Perspective on Global Issues and Politics", Journal of Water Resources Planning and Management Division, American Society of Civil Engineers, Proceeding Paper 14815, Vol.105, No. WR2, pp. 205-222. Reprinted in Water Resources Journal. Economic and Social Commission for Asia and the Pacific, United Nations, Bangkok, December 1980, pp. 30-41.
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ELETROBRÁS – Centrais Elétricas Brasileiras S.A. - SIPOT, www.eletrobras.gov.br .
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Food and Agriculture Organization (FAO), 1978, "Water for Agriculture". In Water Development and Management: Proceedings of the United Nations Water Conference , Editor Asit K. Biswas. Part 3, Pergamon Press, Oxford, pp. 907-941.
Howe, C. W., and Easter K. W., 1971 "Interbasin Transfers of Water: Economic Issues and Impacts" Johns Hopkins Press, Baltimore.
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World Commission on Dams: Dams and Development, A New Framework for Decision-Making, Earthscan Publications Ltd, November 2000.
World Water Forum 2: Report on the Special Session WUP2 on Interbasin water Transfer, The Hague, Netherlands, March 2000.
PARTICIPANTES DO WORKSHOP
Ana Maria Cardoso de S. Gama |
CPRH-PE |
Antonio Marozzi Righetto |
UFRN |
Arno Maschmann de Oliveira |
UFAL |
Ascendino Flávio Dias e Silva (1) |
UFPE |
Paulo Canedo de Magalhães |
UFRJ-COPPE-RJ |
Carlos de Oliveira Galvão |
UFCG-PB |
Carlos Eduardo Morelli Tucci |
UFRGS |
Eloísa Bastos Amorim de Moraes |
SENGE-PE |
Fernando Antônio Batista Vieira |
BNDES |
Francisco de Assis |
FUNCEME-CE |
Francisco Lobato |
Consultor |
Frederico Augusto Tavares de Melo |
INCRA |
Gustavo Henrique F. Gonçalves de Abreu |
Tribunal de Contas do Estado |
João Joaquim Guimarães Recena |
Consultor |
João Paulo Lobo Ferreira |
APRH-Portugal |
João Suassuna |
FUNDAJ-PE |
Jose Almir Cirilo (2),(3) |
UFPE |
José Antônio Silva Aleixo (1) |
UFRPE |
José Aquino de Souza |
UPE |
Leimar de Oliveira |
UFCG |
Lourdinha Florêncio |
UFPE |
Luiz Carlos da Silveira Fontes |
UFS |
Manuel Domingos Neto |
UFCE |
Marcelo Cauás Asfora (3) |
ITEP |
Márcio Baptista |
UFMG |
Oscar de Moraes Cordeiro Netto |
UNB |
Raymundo José Santos Garrido |
UFBA |
Rubem La Laina Porto |
USP |
Simone Rosa da Silva |
SECTMA-PE |
Teresa Eira Leitão |
APRH-Portugal |
Yvonilde Dantas Pinto Medeiros |
UFBA |
- (1) Coordenação Geral
- (2) Coordenação Científica
- (3) Relator
[1] Vazão igualada ou superada em 95% do tempo.
[2] Define-se como consumo o volume de água efetivamente retirado do corpo d`água, já descontada da parcela que retorna ao mesmo.
[3] Usos onde ocorre a derivação da água do seu curso natural, podendo haver ou não um retorno parcial da mesma ao corpo d`água de origem.