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COMENTÁRIO SOBRE A LIMINAR DE SUSPENÇÃO DO MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO PELA AssoCIAÇÃO Mineira de Defesa do Ambiente contra o Projeto de Transposição das Águas do Rio São Francisco
2006
GEÓLOGO: DILERMNADO ALVES DO NASCIMENTO
Mais uma vez o Supremo Tribunal Federal, concedeu de forma surpreendente, em 16 de Agosto de 2006, liminar favorável ao IBAMA, suspendendo o mandado de segurança impetrado pela AMDA - Associação Mineira de Defesa do Ambiente, contra o Projeto de Transposição das Águas do Rio São Francisco.
Acho que faltou sensibilidade ao ministro (com todo respeito ao mérito do julgamento jurídico do Ministro Sepúlveda Pertence) para prorrogar esta decisão propiciando um espaço de tempo hábil aberto ao debate, já que as audiências públicas programadas para discutir o Projeto de Transposição das Águas do Rio São Francisco foram bastante conturbadas por protestos e manifestações de entidades de classe e de populares, alegando eles que o período entre a convocação e a data da audiência era muito curto, dificultando bastante a divulgação e a mobilização entre os debatedores principalmente a população ribeirinha e as organizações ligadas ao meio ambiente.
Creio também que a decisão do ministro se justifique exatamente pela falta de subsídios sobre informações técnicas relevantes ao projeto, de fundamental importância para uma obra de grande porte como esta, onde a atuação de ações antrópicas produz um conjunto de alterações ambientais e sociais impactante sem precedentes, com riscos previsíveis e incalculáveis para degradação do meio ambiente.
Com 32 anos de experiência faço parte de uma equipe multidisciplinar especializada em pesquisas de recursos hídricos e do meio ambiente criada pelo Projeto RADAMBRASIL e incorporada em 1986 ao IBGE onde realizei levantamentos Geológicos, Hidrogeológicos e estudos sobre a Hidroquímica das águas superficiais e subterrâneas, em quase 80% da Região do Nordeste do Brasil.
Resolvi então me posicionar a respeito do Projeto de Transposição das Águas do Rio São Francisco escrevendo três boletins, disponíveis na INTERNET através dos Sites: http://www.suassuna.net.br , http://www.vidadefarra.com.br , http://www.ecodebate.com.br (ao entrar no ecodebate, em busca, digite “Dilermando” para ter acesso aos boletins), com o objetivo de apresentar para todos os brasileiros uma analise das informações técnicas disponíveis na vasta bibliografia existente, proporcionando assim a todos a oportunidade de uma reflexão mais ampla no que diz respeito os questionamentos que cercam o polêmico Projeto de Transposição das Águas do Rio São Francisco, já que a circulação deste material bibliográfico é bastante restrita e de difícil acesso para a população.
Quero chamar atenção para uma mudança capciosa por razões óbvias de interesse do projeto, que foi introduzida posteriormente nos textos do relatório de impacto ambiental o RIMA, eliminando o título “Transposição das Águas do Rio São Francisco”.
O fato é que, a expressão lembra transposições feitas em rios de varias regiões do mundo, Rio Colorado nos Estados Unidos, Rio Amarelo na China , Mar de Aral na Sibéria considerado um dos maiores desastres ambientais e humanos da história. São exemplos mundialmente conhecidos pelo insucesso alcançado com degradação devastadora imposta ao meio ambiente.
Neste sentido a equipe responsável pela implantação do projeto tratou logo de dar uma nova maquiagem ao projeto com o codinome de, Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional, apesar da expressão original ser bastante antiga e arraigada na literatura do Rio São Francisco.
Não tenho a pretensão de ser dono da verdade, mas apenas demonstrar que o Projeto de Transposição das águas do Rio São Francisco proposto pelo Governo Federal é descabido, inconsequente, mentiroso e inaceitável da forma como esta sendo conduzido e apresentado para a população brasileira.
Esta convicção fundamenta-se através de análise técnica das inúmeras informações científicas disponíveis nos estudos realizados na região do Nordeste do Brasil ao longo dos últimos cinqüenta anos, cujos resultados são indicativos de um diagnóstico não favorável à execução do projeto, principalmente pelas previsões e questionamentos relacionadas com a agressão que será introduzida ao meio ambiente, colocando em cheque todo o investimento financeiro aplicado, com retorno duvidoso.
Fica aqui registrada a minha indignação por esta tomada de decisão arbitrária do atual governo brasileiro, de executar a obra “a toque de caixa”, passando por cima de todos os trabalhos realizados na região ao longo dos últimos anos, principalmente os estudos levantados pelas próprias instituições do governo, instituições sérias e que gozam de um prestígio irrefutável perante toda a nação, a exemplo: DNOCS, SUDENE, CODEVASF, CHESF, CPRM, PROJETO RADAMBRASI, IBGE etc.
Estes órgãos executaram inúmeros projetos na Região do Nordeste do Brasil, fazendo estudos básicos nas áreas de geologia, de solos, vegetação, geomorfologia, hidrologia, hidrogeologia, Geoambiental, uso potencial da terra, e estudos socioeconômicos reconhecidos como sendo de alto nível técnico, sendo considerados por toda comunidade técnico-científica do país como auto-suficientes e constituindo a chave para resolução dos problemas nordestinos.
Este acervo foi totalmente descartado pela equipe técnica do Governo Federal que ignorou todo o conhecimento científico acumulado neste período, quando da elaboração do Projeto de Integração Rio São Francisco, jogando na “lata do lixo” anos e mais anos de experiências e pesquisas realizadas.
Quanto à oferta de água, podemos afirmar que não existe falta de água na Região Setentrional do Nordeste do Brasil que justifique a execução do projeto para os Estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e do Ceará, que foram contemplados para receber as águas transpostas do Rio São Francisco.
O que existe sim, é uma má distribuição espacial do volume de água armazenada nos quatro estados, totalizando a fabulosa soma de 37,5 bilhões m³ constituindo o maior volume de água armazenada no mundo em uma região semi-árida, ou seja, um volume per capita de água disponível de 1.717 m³ por habitante ano.
Significa dizer que este potencial encontra-se muito acima do índice recomendado pela ONU (Organização das Nações Unidas), que estabelece um valor de 1000 m³/hab./ano para reposição do potencial hídrico renovável, per capita, das reservas de água existentes em escala mundial, considerando os seus usos múltiplos.
Apesar do excedente hídrico na Região do Nordeste ser um parâmetro de fundamental importância para o seu desenvolvimento sócio-econômico, ele por si só, não garante ser o fator determinante para a solução dos problemas nordestinos, já que muitas outras medidas seriam exigidas em apoio à açudagem e a perenização dos rios.
O fato da presença da água nesta região não ter propiciado meios para acabar com a miséria em decorrência das secas, só vem confirmar e reforçar tudo aquilo que já foi pesquisado e dito pelos estudiosos do assunto ao longo dos últimos anos. Eles afirmam que os problemas oriundos das secas, a pobreza e a péssima qualidade de vida que leva o Povo Nordeste, não serão resolvidos com uma simples oferta de água, pois a região já dispõe de um superávit hídrico há a mais de cinco décadas, necessitando apenas de ações dos nossos governantes em aplicação de medidas estruturais corretivas e definitivas que possam reverter esse quadro atual.
Estou convicto de que todo o retrocesso e atraso nas soluções dos problemas nordestinos são na realidade decorrentes da malversação de recursos públicos e do péssimo gerenciamento de seus recursos hídricos, que perdura ao longo de todos estes anos, apresentando resultados ineficazes, porque não consegue promover efetivamente melhorias nas condições de armazenamento de suas águas e na sua distribuição, para um melhor aproveitamento racional destes recursos. A continuar desta forma, e se não houver mudanças nas diretrizes do gerenciamento destes recursos hídricos, teremos que esperar ainda por muitos e muitos anos para que se alcance um crescimento sustentável desejado para a Região do Nordeste, o que constitui um descaso total, principalmente com a população nordestina mais carente.
Quero colocar aqui em destaque que a grande maioria dos trabalhos que analisam e discutem o Projeto de Transposição das Águas do Rio São Francisco, é unânime em apontar como substitutivo para o projeto de transposição, três soluções alternativas para a captação e a distribuição de água na região mais dispersa do sertão Nordestino.
Trata-se da implantação de cisternas para acumular água de chuva, da construção das barragens subterrâneas e da perfuração de mais poços tubulares equipados com dessalinizadores nos locais onde a água apresentar índices de salinidade elevado impróprio para o consumo.
São soluções técnicas apropriadas com resultados satisfatórios já comprovados em programas implantados pelos governos estaduais dos quatro estados com o objetivo de melhorar a oferta de água para o consumo humano e animal, e fornecer um volume de água satisfatório para implantação e o desenvolvimento da agricultura familiar da região.
São soluções simples e baratas que se ajustam mais à realidade do orçamento da união, geram emprego utilizando a mão-de-obra local e proporciona um custo-benefício bem mais vantajoso, do que a vultosa verba de 4,5 bilhões que Governo Federal teimosamente pretende gastar para nada resolver.
Por fim, termino concluindo que o Projeto de Integração Rio São Francisco da forma como será implantado, não “levará água a quem tem sede” conforme apregoa o governo, mais irá beneficiar, o agronegócio dominado pelos latifundiários e políticos e da região , os empresários da construção civil ,e o próprio governo que é o vetor fomentador da famosa indústria da seca, mantendo viva mais do que nunca esta nefasta instituição.
Salvador 22 de Agosto 2006
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