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Canal do Sertão: Obra estimulará produção de etanol (vide nota de Ruben Siqueira no EcoDebate)
Disponível em:
http://www.ecodebate.com.br/Principal_vis.asp?cod=5882&cat =
27/07/2007
Ruben Siqueira - Imagem do Google
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Jornal do Commércio
] O Canal do Sertão passará pelas terras mais férteis de Pernambuco, irrigando, aproximadamente, 150 mil hectares. O projeto foi defendido ainda durante a gestão do governo anterior, que brigou que as obras de transposição incluíssem o Canal do Sertão, de forma a aumentar o benefício para Pernambuco. O canal vai duplicar a área irrigada entre Pernambuco e Bahia. Um benefício que deve ser explorado por usinas de álcool, interessadas em aproveitar a área para geração de etanol para exportação. O acordo com a Itochu já havia sido desenhado pelo governador do Estado em recente visita ao Japão.
A área irrigada fica dentro da atuação da Codevasf e abrange 16 municípios de Pernambuco e Casa Nova, na Bahia. Petrolina, Ouricuri, Trindade e Araripina serão algumas das cidades beneficiadas.
A Itochu é uma das maiores tradings do mundo, empresa responsável pela comercialização de vários produtos. O interesse da japonesa é garantir a oferta de etanol para aquele País, que já fechou acordos de comercialização com a própria Petrobras. A história da Itochu iniciou-se em 1858 e hoje a empresa possui quase 5.000 funcionários. Ao grupo, somaram-se a Toyota e outros dois grandes grupos nacionais que diversificam seus negócios: a Odebrecht e a Queiroz Galvão.
Quando se imaginava fazer uma PPP, estimava-se que o projeto deveria custar R$ 56 milhões. Desse valor, a Codevasf já aportou R$ 16 milhões e a Petrobras e Itochu colocariam mais R$ 20 milhões e o restante viria do governo federal. "Agora, a Petrobras não quer dinheiro de ninguém. Ela vai bancar os estudos até o final do ano", disse Fernando Bezerra Coelho. Para a modelagem jurídica e econômica do negócio, a Petrobras estima investir de R$ 5 milhões a R$ 10 milhões. O projeto executivo, com o detalhamento das obras, custariam outros R$ 50 milhões. A obra de irrigação chegaria a custar US$ 1,5 bilhão e os demais investimentos somariam igual montante. "A refinaria Abreu e Lima é um investimento de US$ 4 bilhões para gerar 1.500 mil empregos diretos. Já essa obra poderia, com US$ 3 bilhões, gerar até 100 mil empregos", calculou Bezerra Coelho.
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www.ecodebate.com.br
) matéria originalmente publicada pelo Jornal do Commércio, PE, 21.07.2007
Nota do EcoDebate
"As áreas a irrigar pelo Canal do Sertão vão praticamente coincidir com um dos ramais do Eixo Norte da Transposição do Rio São Francisco na região do Açude Entremontes, que fica em Paramirim, sertão central do Pernambuco. Tirando águas do São Francisco para dentro ou para fora da área da bacia, esses canais têm o mesmo objetivo e sofrem da mesma falácia: água para grandes projetos de irrigação viabilizada em nome da sede humana e da famosa e mitológica "seca do Nordeste". (É esse o destino de 70% das águas da Transposição - 128 m3/s em 2020 - e 87% no Eixo Norte.) Quando muito seus defensores admitem que se trata de infraestutura absolutamente necessária para o "desenvolvimento", ou "crescimento", como prefere o atual governo. Mal disfarçam o novo (?) "discurso da seca" que pretende legitimar a nova (?) "indústria seca". Pode até ser que lá se precise de água para o desenvolvimento - há quem conteste com argumentos irrefutáveis. Registre-se que as águas do Entremontes, como de resto da maioria dos grandes açudes contemplados pelo Projeto da Transposição, já estão comprometidas atualmente com usos econômicos intensivos em água, como irrigação, aquicultura, etc.
Pena que ainda tenham pouco alcance informações como essa de que o verdadeiro motivo do Canal do Sertão são projetos como esse da Petrobras e Itochu (um dos mais poderosos grupos econômicos do Japão e do mundo), com a Toyota Tsusho, Odebrechet e Queiroz Galvão. O debate sobre a necessidade e viabilidade da transposição e outras obras do PAC - Plano de Aceleração do Crescimento, como as hidrelétricas do Madeira e as usinas nucleares, seria mais honesto e democrático. Partiria de indagações como essas, que foram as que de imediato me ocorreram: "Ué, a transposição não era para matar a sede de 12 milhões de sedentos no Nordeste? Agora, é para matar a sede de etanol de milhões de carros no Japão? Os nordestinos que vão pagar a conta sabem disso? Estamos de acordo com isso?".
A questão tem pelo menos três aspectos importantes absolutamente escamoteados. Primeiro, que desenvolvimento é esse, quais seus reais beneficiários, a que custo econômico, social e ambiental, quem vai pagar essa conta? Segundo, é realmente essa a melhor forma de enfrentar o aquecimento global, apenas trocar a matriz energética, para continuar o mesmo modelo/processo de dilapidação do planeta e de sua cada vez maior população pobre? Terceiro, com que autoridade os governantes decidem e impõem sua visão e suas opções de "desenvolvimento"; ao serem eleitos receberam aval explícito para isso? Trata-se da fajutice de nossa democracia: quem dá a autoridade, os milhões de votos ou os milhões de dólares (!) dos financiadores privados das campanhas eleitorais?
Como são questões correlatas das quais as "autoridades governamentais" se esquivam, impera a prestidigitação. E segue o país embalado em sua interminável crise de destino: qual ele quer para si, reeditar o passado colonizado pelos centros hegemônicos do poder econômico-político global? Ou tomar nas mãos as decisões sobre seu patrimônio natural, cultural e econômico no sentido do uso co-responsável para o bem da imensa maioria da população atual e das futuras gerações?
Os gigantes nipo-brasileiros envolvidos no grande negócio do etanol sertanejo, contando com a solicitude dos governos, têm tanta pressa que nem querem esperar pelas PPPs, muito menos por decisões democrático-participativas... Contentam-se que os governos lhes levem a água - esse o "ouro" da nova "febre".
A velha seca, cuja manipulação de suas verdades e de suas mentiras perpassou nossa história até aqui, continua a se prestar a estratégias de reprodução e aprofundamento do poder das elites, agora para uma inserção internacional subalternizada, mas altamente rendosa, não para a nação e seu povo, como sempre. Essa a nossa "modernidade": a produção priorizada e a exportação de agrocombustíveis são o novo eixo das velhas cultura e indústria da seca. Nem o "imprestável" semi-árido escapou!
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Ruben Siqueira
, sociólogo, da Comissão Pastoral da Terra / Bahia, é da Articulação Popular pela Revitalização do São Francisco, colaborador e articulista do EcoDebate