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Aziz Ab’Sáber critica o projeto de transposição das águas do rio São Francisco
Disponível em:
21/07/2008
“Deveriam conhecer melhor de planejamento e da climatologia dinâmica das regiões envolvidas”, disse (foto: T.Rometo)
Aziz Nacib Ab’Sáber, professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), criticou o projeto de transposição do rio São Francisco durante palestra na 60ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em Campinas. Por Thiago Romero, de Campinas (SP), para a Agência FAPESP.
O polêmico projeto de transposição consiste na transferência de águas do rio para abastecer rios e açudes da região Nordeste. Ab’Sáber criticou a falta de planejamento e estudos climáticos sobre as áreas que irão fornecer e receber águas.
“O projeto diz que será preciso tirar 1% das águas do rio para transpor por cima da chapada do Araripe e descer para o Ceará. Quem chegou a essa conclusão deveria conhecer melhor a climatologia dinâmica dessas regiões, que faz com que as águas do rio fiquem mais altas ou mais baixas, dependendo da época do ano. Essa porcentagem pode significar uma réstia de água em um momento ou, durante o período de chuvas nos sertões do Ceará e do Rio Grande do Norte, por exemplo, nem seria preciso enviar água do São Francisco”, disse.
A poluição das águas do rio também foi abordada pelo geógrafo. “Ninguém me convence de que a transposição fornecerá água potável para todos os que teoricamente se beneficiarão com o projeto. As pessoas que afirmam isso não entendem bem de planejamento. A justificativa é muito simples: as águas do São Francisco estão poluídas”, observou o geógrafo de 83 anos, presidente de honra da SBPC, a uma platéia que lotou um dos auditórios de maior capacidade na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
“Elas vêm desde a serra da Canastra e passam por muitos rios em áreas onde a cultura de soja está se estendendo com a utilização de grande quantidade de defensivos agrícolas. O rio recebe ainda a poluição que vem de rios das cidades de São Paulo e Belo Horizonte”, explicou o autor de diversas teorias e projetos inovadores na geografia brasileira.
Ab’Sáber disse não ser contra o projeto de transposição, desde que seus gestores sejam corretos e não se envolvam com corrupção. “Uma das grandes coisas que aprendi em minha vida é a necessidade de ouvir o povo antes de qualquer tipo de planejamento, ainda mais em um empreendimento desse porte”, sinalizou. “Com o planejamento que foi feito, pouca gente da base da sociedade brasileira terá vantagens com esse projeto.”
Prever impactos
“Para planejar é necessário estudar muito mais do que a viabilidade técnica e econômica. É preciso saber o tipo de conhecimento que conduziu aos projetos dentro de um plano de ações. Além de se preocupar com a viabilidade ambiental, ecológica e social em relação ao entorno da ocupação humana do espaço considerado, o bom planejamento envolve ainda a previsão dos impactos que qualquer projeto desenvolvimentista demanda”, disse Ab’Sáber.
Segundo ele, em termos de planejamento, a previsão de impactos, que vem logo depois da análise de todas as viabilidades – e que, segundo ele, deve ser feito por pessoas independentes desvinculadas dos interesses comerciais do projeto –, é a “arte-ciência de saber o que vai acontecer em diferentes profundidades do futuro”.
“O conceito de prever impactos se caracteriza pela capacidade das pessoas de entrar em um círculo de possibilidades mais viáveis do conhecimento futuro. É a análise da cadeia de conseqüências de um projeto sobre o que já está em um terreno em termos de ações antrópicas e aquilo que foi remanescente de natureza”, assinalou.
[EcoDebate, 21/07/2008]