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Águas desunidas, artigo de Mauro Santayana
Disponível em:
https://www.cartamaior.com.br/?/Coluna/aguas-desunidas/21554
Carta Maior
04/02/2005
Conhecido como ¿o rio da integração nacional¿, o São Francisco pode se tornar o rio da desintegração nacional, com o problema da transposição de suas águas para o Nordeste. Os Estados servidos por suas águas rejeitam o projeto, defendido com unhas e dentes pelo Sr. Ciro Gomes (um fanático defensor de canais) e por outras personalidades. É bom não esquecer que muitas guerras foram movidas pelas questões fluviais, como ocorreu no conflito entre o Brasil e o Paraguai.
Os técnicos são contra o projeto, e com suas razões. O custo do empreendimento é elevadíssimo, e sua operação será também muito cara. Será necessária a utilização de energia elétrica em suas estações de bombeamento, isso sem falar na necessidade de manutenção permanente das calhas dos canais. Os especialistas mostram que seria muitíssimo mais barato furar poços artesianos e construir tanques-cisternas na região mais atingida historicamente pelas secas.
Mas o governo Lula insiste no projeto. Quer deixar a marca de sua presença na geografia, como Juscelino deixou a sua, com a construção de Brasília. As grandes empreiteiras miram o projeto com sua cobiça. Os lobistas se movem.
De qualquer forma, há outras prioridades. O que o governo pensa gastar, somente este ano, com o início da implantação do projeto, dá e sobra para tornar menos assassinas as rodovias brasileiras, que se encontram intransitáveis. Torná-las menos letais e reduzir o custo do preço dos transportes, onerado hoje pela insegurança e pela pesada manutenção dos veículos.
Há mais: se não houver, em cada um dos Estados envolvidos, referendo popular que autorize o desvio das águas do São Francisco, a transposição será mais um dos insultos do poder central contra a autonomia dos Estados. Argumenta-se com a necessidade de que os Estados banhados pelo rio de serem solidários com os Estados nordestinos. Solidariedade, ao que se saiba, é um sentimento voluntário. Não pode haver solidariedade compulsória. Além disso, é preciso verificar bem se as obras irão beneficiar os sertanejos pobres do Agreste, ou se irão beneficiar os grandes plantadores de frutas para a exportação e abastecer as piscinas dos arrogantes milionários da região.
As seqüelas
Depois de uma trégua de bom senso, o governo decidiu jogar tudo na eleição de seu candidato à presidência da Câmara. Para ajudá-lo, a força de São Paulo interveio no processo ¿ e é provável que venha a ganhar o pleito, embora isso não esteja ainda seguro.
Mas, se ganhar, restarão sequelas penosas de sua vitória. Nem sempre o derrotado perde tudo, e muitas vezes quem ganha é aquele que perde. Depois de sentir a defecção de mais de cem de seus mais entusiasmados militantes, o PT corre o risco de, mais cedo ou mais tarde (mas ainda a tempo de prejudicar seu projeto de reeleição) se privar de quadros parlamentares importantes.
Política, como costumava dizer José Maria de Alkmin, é uma arte para adultos.