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A transposição do São Francisco não é um elefante branco
Em Pernambuco, 300 mil pessoas são beneficiadas atualmente com a transposição.
Editorial JC
03/09/2019
Não dá para abandonar a transposição. Não dá para jogar para futuro incerto e não sabido o calvário de 53 milhões de brasileiros
O bombeamento de água do Rio São Francisco para alimentar o Eixo Leste da transposição foi um acontecimento histórico que pouco mais de um ano depois começa a se candidatar a um lugar nos anais da história que deveria ter sido na Paraíba e, principalmente, no Sertão nordestino. O que se viu em Monteiro foi uma alegria compartilhada entre paraibanos e pernambucanos, que corriam pelas estradas acompanhando o percurso das águas do São Francisco, reproduzindo em uma grande festa popular a profecia de conselheiro: o Sertão vai virar mar.
Não virou. Pelo contrário, como diz o professor da UFPE e ex-secretário-executivo de Recursos Hídricos de Pernambuco José Almir Cirilo “são oito anos de seca. Por isso, é cada vez mais fundamental que a obra da Transposição do Rio São Francisco seja concluída e não é só a celeridade para a conclusão das obras que tem sido colocada em discussão. Problemas estruturais em alguns trechos, paralisação do bombeamento, priorização do uso da água e os custos de energia para transportar a água do Rio São Francisco também estão em pauta”.
Em Pernambuco, 300 mil pessoas são beneficiadas atualmente com a transposição. No entanto, o sistema que alimenta a Barragem do Moxotó também teve bombeamento suspenso pelo Ministério do Desenvolvimento Regional desde o dia 16 de agosto. “Quando a água deixa de ser bombeada por um longo período, reflete diretamente no nível da barragem do Moxotó. Com a suspensão, a água acumulada atualmente (40%, ou seja, 600 milhões de metros cúbicos) será suficiente para, no máximo, 20 dias de autonomia”, alertou a Compesa.
Essa é mais uma ameaça que pesa sobre o povo sertanejo, sujeito a uma história de secas e calamidades. Muitos sobreviventes correm para regiões onde supõem haver condições de habitação, trabalho e todos os demais serviços sociais previstos na Constituição mas terminam engrossando a faixa de excluídos nas periferias, transpondo a miséria do Sertão para as capitais, principalmente.
S.O.S Transposição
O protesto “S.O.S Transposição”, em Monteiro, encabeçado pelo ex-governador da Paraíba Ricardo Coutinho (PSB), é em tudo por tudo pertinente. Não dá mais para jogar para futuro incerto e não sabido o calvário de 53 milhões de brasileiros. “Esse ato nasceu da necessidade de não se permitir que uma obra tão estratégica e estruturante para o Nordeste se perca nessa bizarrice do Brasil. O que nós precisamos é que as bombas sejam ligadas e as obras concluídas. Parece que querem deixar abandonado para depois virem com discurso de que a transposição é um grande elefante branco”, afirmou Coutinho ao JC.
COMENTÁRIOS
João Suassuna – Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco
O fato triste dessa notícia é que interromperam os bombeamentos do Eixo Leste da Transposição, cujas águas abasteciam a represa de Boqueirão de Cabaceiras, na Paraíba, para o atendimento das demandas hídricas de Campina Grande e de 18 municípios de seu entorno. A interrupção desses bombeamentos irá ter consequências igualmente danosas, no semiárido pernambucano, porquanto as águas do Rio São Francisco atendiam, também, os municípios de Sertânia , Arcoverde , Pesqueira , Brejo da Madre de Deus , Belo Jardim , Alagoinha , Tacaimbó, São Bento do Una, Sanharó e Custódia cuja adutora do Moxotó, que fazia esse atendimento para os citados municípios, captava a água do Velho Chico na mesma fonte que abastece Campina Grande, ou seja, o Eixo Leste da Transposição. Outro fato merecedor de nota é o tratamento ora verificado com o custo da água transposta por esse projeto. Ele não é a fundo perdido! Segundo recentes informações fornecidas pela Secretaria de Infraestrutura do governo de Pernambuco, o metro cúbico bombeado no estado, pelo projeto, foi orçado em cerca de R$ 0,78 (setenta e oito centavos de real). Se fizermos uma comparação do custo da água fornecida pela Codevasf aos seus colonos, no Vale do São Francisco, de apenas R$ 0,02 (dois centavos de real) - custo esse que boa parte dos colonos vem encontrando dificuldades de pagamento – com aquele informado pela Secretaria (R$ 0,78), chega-se à conclusão de que a água da transposição será proibitiva para fins de irrigação. É preciso que as autoridades do setor tomem medidas urgentes e esclarecedoras, em relação a esses pontos, tendo em vista às expectativas que foram geradas à população, de um abastecimento seguro e satisfatório para todos.
Edézio Teixeira de Carvalho - Geólogo
Caro João Suassuna: Governos novos, das duas uma: Ou tocam obras interrompidas de governos anteriores ou tomam medidas judiciais sobre eventuais erros e/ou desvios evidentes. Você deve lembrar-se também de que uma medida muito falada naqueles anos de programação seria a reabilitação do São Francisco. Ora, desta, a medida geologicamente evidente é o tratamento do assoreamento na bacia como
jazida, e jazida tem vendedor e comprador. O Vendedor promove a lavra e o comprador adquire o lavrado. Um exemplo simples que você pode ver no Google Earth abrangendo Cachoeira do Campo e Itabirito é o de lavrar o assoreamento da barragem assoreada em Itabirito e a reabilitação das imensas voçorocas de Cachoeira do Campo, exatamente o material dominante do assoreamento. É a mineração corretiva. O principal obstáculo a monstruosa lei federal que, pelo menos até 2.012, estabelecia que as águas correntes compunham uma nascente. As três monstruosidades:
1) Não reabilitar a voçoroca determina o retorno precoce da água ao mar (principal razão da falta d'água);
2) A água da voçoroca nos momentos de chuvas fortes nunca vai sozinha, levando consigo o solo erodido (reduzindo, portanto o armazenamento);
3) O solo erodido é em termos práticos não renovável.
Quem tenha dúvida deve observar paleovoçorocas de Naque, na bacia do Rio Doce. Os buracos fundos continuam lá, onde deveria estar o solo novo, mas o que é que andamos a fazer geólogos, geógrafos físicos, agrônomos, engenheiros que deveríamos estar forçando o analfabeto parlamento a mudar a absurda lei?
Geolurb - Geologia Urbana e de Reabilitação Ltda
(31) 32622722; 982053123
O senhor ex-governador está pensando no seu projeto denominado de Vertente Litorânea no qual prevê transportar as águas do Eixo Leste que excederia a demanda de Boqueirão e dos 18 municípios localizados em seu entorno, somadas às águas do reservatório Acauã 3 aos de Araçagi, iriam irrigar os tabuleiros costeiros que compõem as bacias dos rios Mamanguape e Camaratuba, esta no limite com o RN. Ocorre que, segundo o PERH-PB, concluído em 2.003, estas bacias são superavitárias, tanto em termos de águas superficiais, quanto de águas subterrâneas. Está lá no PERH-PB para quem quiser ver e ler. Por outro lado, além dos problemas construtivos e de mal dimensionamento dos dois Eixos da Transposição, o que está ocorrendo com as águas do Acauã é o excesso de consumo, de tal forma que este reservatório, cuja capacidade de regularização é de 1,9 m3/s, 100% garantida, segundo os cálculos feitos por renomados especialistas que participaram do Plano Estadual (componentes de consórcio, de Universidades, consultores, etc.), entrou em seu volume morto. Gestão temerária ou falta dela é a causa evidente, já que as demandas das cidades por ele abastecidas são muito inferiores a esta oferta. Lembro que Boqueirão só 1,25 m3/s de capacidade de regularização, com esta mesma garantia. Acauã não secou porque tem recebido água enviada, via leito do rio, de Boqueirão. Um senhor contra senso: quem pouco tem e com reservatórios situados na região semiárida do Nordeste ser usado para fins não obrigatórios pelas leis das águas, federal e estadual, em região semi-úmida superavitária. O Senhor ex-governador fala em calvário de 53 milhões (de nordestinos?), quando se sabe que a Transposição beneficiaria uma população de 19 milhões em seus Estados beneficiados pelos dois Eixos. Demagogia pura! E reafirmo aqui, o projeto de governo Lula tinha, como teve, fins políticos eleitoreiros, já que as demandas humanas, urbanas e rurais, do gado, dos serviços (comércio, indústrias, hotéis, hospitais, etc. poderiam ser abastecida com as águas de reservatórios com a capacidade de oferta requerida e segura de cada uma das bacias hidrográficas receptoras da Transposição. É ver o teor dos ofícios enviados pelas secretarias envolvidas na gestão dos recursos hídricos destes reservatórios era o então Ministério de Desenvolvimento Regional, hoje elevado à Nacional. Nestas declarações deste senhor ex-governador e de outros defensores deste projeto (quase em sua totalidade, políticos de todos os partidos em busca de votos nas eleições) não se atenta com o que está acontecendo com a bacia doadora e com seus reservatórios fundamentais, de há muito em situação crítica, conforme a Sala de Situação da ANA. Mesmo no início da última seca, Sobradinho cegou a ficar a 1% de entrar em seu volume morto. E o futuro continua sombrio, mesmo com as condições meteorológicas da bacia, entrando em situação de normalidade. Quem viver verá o mal final de tudo isso!
Álvaro Rodrigues dos Santos - Geólogo
Caro Suassuna,
Obrigado pela divulgação das oportunas considerações do Hidrogeólogo e Consultor, José do Patrocínio Tomaz Albuquerque. Também vou nessa linha de raciocínio. Está mais que na hora de acordarmos: a transposição não é mais uma ideia ou um projeto, é uma realidade física. É preciso agora esquecermos um pouco os embates que antecederam essa obra e a cobriram de tantas críticas e justas ou injustas antipatias, simplesmente porque não fazem mais sentido temporal. Mesmo para aqueles que foram críticos do projeto, o mais aconselhável agora é procurar “fazer do limão uma limonada”. Ou seja, concentremo-nos no aprimoramento e complementação das obras, em eventuais correções e no estabelecimento de um plano operacional o mais justo do ponto de vista econômico e social e o mais correto do ponto de vista hidrológico.Essa obra bilionária não pode ser vítima de vinganças intelectuais e de uma avaliação político-partidária dos louros de seus resultados. Se pudesse propor a nós todos uma palavra de ordem para esse momento seria A TRANSPOSIÇÃO É NOSSA! Assumamos o comando técnico dessa obra, essa é a missão patriótica que o Nordeste espera da área técnica afim.
Abs
Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos
Geologia, Geotecnia, Meio Ambiente
João Suassuna - Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco
Caro Álvaro,
Guardo comigo algumas entrevistas minhas, nas quais afirmo da importância de se concluir a Transposição do Rio São Francisco . Afinal, não seria sensato de minha parte, após a aplicação de mais de 12 bilhões de reais no projeto, deixá-lo se transformar em um “elefante branco”. Nesse sentido, continuarei a minha luta decana, orientando da melhor forma possível o abastecimento do povo nordestino, sempre com aquela visão de priorizar a busca e o melhor uso das águas do Santo Chico, de forma a mais sensata possível, mostrando das possibilidades de se empreender uma gestão mais adequada de suas águas, principalmente a do Urucuia, cujo mau uso do aquífero resultou em prejuízos à vazão de base em direção ao rio, e na consequente exaustão de Sobradinho (a represa alcançou 1% do volume útil, em 2017) e na intermitência de alguns de seus afluentes, antes ditos perenes, a exemplo do Verde Grande e do Paracatu. Além do mais, vou continuar a minha luta na preocupação com a falta de gestão hídrica das principais represas nordestinas, exauridas que foram, ao final do ciclo seco de 2017, pela inobservância do uso de seus volumes, sempre acima das capacidades de regularização dos reservatórios, 100% garantidas. Em 2004, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência ( SBPC ) promoveu um encontro no Recife, no qual reuniu cerca de 40 dos principais expoentes da hidrologia nacional, para discutir transposição de águas entre grandes bacias hidrográficas . Nessa reunião os participantes avaliaram as questões sanfranciscanas, em suas minúcias, e enxergaram, já àquela época, limitações importantes no rio, que poriam em risco o sucesso de um empreendimento da importância e do tamanho da Transposição. A SBPC sugeriu a elaboração de uma infraestrutura hídrica na região, visando à busca de águas interiores e, uma vez concluída essa infraestrutura, se partiria para uma avaliação de necessidades, para definição da forma mais adequada de uso daquelas águas. Em 2004, as águas interiores nordestinas eram vistas como de importância para o abastecimento principal da região. Já as águas do Rio São Francisco, para abastecimento complementar. Em 2006, aproveitando a sugestão da SBPC, a Agência Nacional de Águas (ANA) lançou o Atlas do Abastecimento Urbano , custando, no Nordeste, a metade do custo previsto da Transposição à época (R$ 3,3 bilhões) e com uma abrangência social bem maior do que aquela prevista na Transposição (o Atlas Nordeste previa o abastecimento de 34 milhões de pessoas, em municípios de até 5 mil habitantes, enquanto a Transposição, o abastecimento de 12 milhões de pessoas, apenas). Finalmente, diante dos percalços existentes na condução desse projeto e das alternativas postas para a solução definitiva do abastecimento do povo nordestino e que, de certa forma, estamos tentando alertar as autoridades para a observância dessas questões, é que não gostaria de ter A TRANSPOSIÇÃO PARA MIM. Continuarei investindo e investigando as alternativas hídricas existentes regionalmente, que permitam a convivência digna do povo na região semiárida.