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'A transposição do Rio São Francisco é um absurdo, é um contra-senso que depõe contra inteligência do povo brasileiro'
Entrevista especial com Dom Luiz Flávio Cappio.
http://www.ihuonline.unisinos.br/artigo/836-destaques-on-line-20
16/04/2007
Dom Luiz Cappio - Imagem do Google
O segundo mandato de
Lula
inicia com a retomada da
Transposição do Rio São Franscisco
. A
IHU On-Line
conversou, por telefone, com
Dom Luiz Flávio Cappio
, bispo da Diocese da Barra, na Bahia.
Em 2005,
Dom Cappio
fez uma greve de fome em protesto ao projeto do Governo Federal de transpor o rio. O jejum terminou quando
Dom Cappio
acordou com o presidente
Lula
que, após as eleições, retomariam o diálogo sobre o projeto e avaliariam as alternativas para solucionar a questão da seca no Nordeste brasileiro. Em fevereiro deste ano,
Dom Cappio
protocolou uma carta endereçada ao presidente
Lula
, pedindo mais lucidez nas decisões tomadas em relação à transposição do
Rio São Franscico
. Em 23 de março, o
Ibama
liberou a obra.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - O que o senhor sentiu, depois de tanta luta contra a transposição do Rio São Francisco, quando Governo no PAC voltou a implementar a proposta?
Dom Cappio – Lá em Cabrobó, por ocasião do encerramento do nosso jejum , fizemos um pacto. Houve um acordo entre a sociedade civil, por mim representada, e o Governo Federal , representado pelo senhor presidente, de que não se falaria em transposição, se encerraria o processo até que se efetivasse um diálogo amplo, aberto, verdadeiro e ético entre a sociedade civil brasileira e o Governo Federal. Agora, no início deste ano, nós pedimos a reabertura desse diálogo que foi interrompido devido ao processo eleitoral. Mas isso tudo me deixou muitíssimo indignado, com essa falta de seriedade para com a palavra dada, afinal de contas não é apenas a minha pessoa, mas é a sociedade civil brasileira que eu representava naquele momento. Então, a meu ver, é um desrespeito do Governo Federal para com a sociedade civil brasileira que pensa diferentemente e, de uma maneira democrática, ética e decente, quer dialogar com o Governo Federal, que passa por cima de tudo ignorando aquilo que foi estabelecido anteriormente. Isso me indigna.
IHU On-Line – Então, o senhor e os
movimentos sociais
não foram ouvidos depois da retomada do projeto de transposição?
Dom Cappio –
Foi iniciado o
diálogo
, que foi, no entanto, interrompido, e não se levou em consideração aquilo que foi conversado. Então, hoje, fazendo uma avaliação, a gente percebe que foi um diálogo de surdos. O governo havia estabelecido suas metas e dialogava apenas para dizer que dialogou. Mas não foi um diálogo, e sim um monólogo. Quer dizer, ele já estava com suas decisões preestabelecidas e se comportou apenas aparentemente para dar uma satisfação. Isso não é bonito. Agora, com isso, as
mobilizações
estão acontecendo em toda parte do semi-árido do Nordeste brasileiro porque as pessoas não aceitam esse projeto e estão lutando para que ele não aconteça.
IHU On-Line - A quem realmente interessa a transposição do Rio São Francisco?
Dom Cappio – Isto agora está claro, mas no começo havia um engodo, uma mentira estava sendo veiculada pela propaganda. A água seria para matar a sede do povo do Nordeste setentrional. Mas isso é uma mentira, uma propaganda enganosa. Agora as coisas transpareceram e o próprio Governo Federal assumiu que o projeto não visa a dessedentação humana e animal, mas visa ao incremento da indústria e do agronegócio, da produção de frutas para a exportação, da carcinucultura, enfim, o multiuso das águas do São Francisco para objetivos econômicos em beneficio de um pequeno grupo empresarial e em detrimento da grande população. Agora que isso foi desmascarado, o governo precisou mostrar a realidade de suas intenções. Além disso, também podemos dizer que, por detrás desse projeto, existe a grande vaidade do presidente Lula de querer, com essa obra, deixar para a posteridade o seu nome.
IHU On-Line – Qual é o impacto da transposição do Rio São Francisco para as populações ribeirinhas?
Dom Cappio –
Em primeiro lugar, é um projeto economicamente caríssimo. Caríssimo sobretudo quando se vê que os projetos alternativos não gastariam nem sequer a metade do montante econômico. Ecologicamente é terrível porque destrói. O Rio São Francisco precisa de cuidados. É necessário investir na sua revitalização, pois ele é
anêmico e anêmico não doa sangue
, isto é, precisa de cuidados. Além disso, é um projeto socialmente injusto, e é por isso que somos terminantemente contra qualquer projeto de transposição.
Todos estão clamando contra esse projeto, mas, infelizmente, o governo se faz de surdo, porque se realmente o governo estivesse interessado nos pobres, beneficiaria os pobres de onde o rio naturalmente passa. Eu moro na beira do rio e a 500 metros daqui o povo passa sede. Então, se realmente os objetivos fossem os pobres, se resolveria o problema dos pobres onde o rio passa. Entretanto, o objetivo é o agro e hidronegócio que beneficiem pequenos grupos. Existe um grande mercado de interesses, porque se fosse um projeto para beneficiar pobre, o interesse não seria tão grande assim.
IHU On-Line – Quais são as propostas alternativas capazes de apontar uma saída para a seca do Nordeste?
Dom Cappio –
O Atlas que a ANA publicou agora, o
Atlas hídrico
do Nordeste brasileiro, é uma maravilha. Lá você verá centenas de apontamentos, de alternativas de desenvolvimento sustentável do semi-árido, cujo montante econômico não alcança a metade das cifras da transposição e é ecologicamente sustentável e respeitosamente social. A própria
ANA
–
Agência Nacional de Águas
–, que é um órgão do governo, apresenta soluções, mas o governo se nega a ouvir as próprias soluções que apresenta, porque está, infelizmente, comprometido com um pequeno grupo de elite.
IHU On-Line – Porque o senhor acha que o governo não dá a atenção devida às propostas alternativas e fixa-se no projeto de transposição?
Dom Cappio –
Eu vejo que, em primeiro lugar, estão grandes
interesses econômicos
de grupos e, em segundo lugar, a vaidade pessoal do presidente.
IHU On-Line - O senhor acha que novas manifestações podem demover o governo de continuar com o projeto de transposição?
Dom Cappio –
Se o governo tiver o mínimo de bom senso ele vai ouvir o povo. Caso contrário, se ele não ouvir o povo, ele está condenado ao ridículo, porque a transposição não vai acontecer.
IHU On-Line – E, com essas atitudes do governo, como o senhor ainda tem tanta certeza de que a transposição não vai acontecer?
Dom Cappio –
Porque é um absurdo. Eu não quero ser otimista, nem pessimista, mas realista. É um absurdo, é um contra-senso e isso depõe contra a inteligência do povo brasileiro. Eu acredito na inteligência do povo brasileiro, no bom senso do povo brasileiro. E não posso admitir que um absurdo desses aconteça. Por isso eu digo, com toda a segurança, que a transposição não vai acontecer.
IHU On-Line – E para que isso não ocorra mesmo, qual é o papel que os movimentos e pastorais sociais têm?
Dom Cappio –
Continuar nas suas manifestações. Houve grandes manifestações em Minas, na Bahia, em Sergipe. Em todo Vale do Rio São Francisco as mobilizações são imensas e em breve o governo vai perceber em que formigueiro entrou.
IHU On-Line – Qual tem sido o papel da CNBB nos regionais do Nordeste e da CNBB nacional?
Dom Cappio –
A CNBB tem objetivos próprios. Não cabe a ela dizer o que tem que ser feito, mas existem Bispos e regionais que são a favor, infelizmente mal informados, e existem regionais contra, como a nossa Nordeste Três da Bahia, que já emitiu documento contrário à transposição. Então, a CNBB dá o seu parecer, mas ela não tem a missão de se posicionar frente a um projeto desses, deixando que cada regional e que cada bispo assuma a sua posição.
IHU On-Line – A partir do contexto do sofrimento e da luta do povo nordestino por mais vida, qual é a sua mensagem para todos os que lhe são solidários?
Dom Cappio –
Eu gostaria de dizer aos meus irmãos do Nordeste que não se deixem levar pela propaganda enganosa dizendo que nós somos egoístas e não queremos dar água para eles. Isso é uma maneira maliciosa, maldosa que deseja dividir o povo nordestino. Sempre fomos coesos, mas a propaganda oficial, maliciosa, enganosa está dividindo e pondo na cabeça do povo que somos egoístas. Não é isso: eles estão sendo enganados, pois a água da transposição não será nunca em beneficio deles e sim de um pequeno grupo. E ainda vai fazer com que através do subsídio cruzado o povo pague muito mais pela água que nem sequer vai utilizar. Eu quero que a verdade de Cristo ressuscitado se mostre e não nos deixemos levar pelos engodos e mentiras dos interesses do governo federal.