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A Transposição do Rio São Francisco; Aspectos polêmicos e Jurídicos
Disponível em:
Jus Brasil
17/11/2019
Resumo
A Transposição do Rio São Francisco é uma obra estudada durante anos antes de ter sido colocada em prática. Apesar dos benefícios de sua obra à todas as populações afetadas, muitas questões políticas, jurídicas foram e ainda vem sendo levantadas, fragilizando a formação de uma das maiores obras financiadas pelo Governo Brasileiro.
Palavras- chaves:Transposição; Rio São Francisco
Abstract
The transposition of São Francisco’s river is a project that was analysed for many years before been put into practice. Despite of the benefits of its project for all the population affected, many political and legally issues have been raised and still continues to be questioned, making this work fragile in front of the creation of one of the biggest projects financed from Brazilian Government.
Key words: transposition; São Francisco River
Sumário
Introdução; 1. Aspectos polêmicos; 1.1. Aspectos positivos 1.2. Aspectos negativos; 2. Aspectos jurídicos; Conclusão; Referências
Introdução
O projeto da transposição do Rio São Francisco não é um assunto recente.
Desde 1847, existia uma preocupação em relação a constante seca do Nordeste. Os intelectuais do Império Brasileiro de Dom Pedro II já idealizavam uma possível transposição das águas para a solução desse problema. Porém, o projeto não foi iniciado diante da precariedade de recursos. Com o decorrer do tempo, a transposição do Rio São Francisco continuou na pauta das discussões, pois muitos estudiosos entendiam que tal método seria a única solução para resolver o problema do Nordeste Setentrional. No governo do Presidente Getúlio Vargas, a discussão foi retomada novamente.
O projeto foi formalmente concebido em 1985 pelo extinto DNOS – Departamento Nacional de Obras e Saneamento, sendo que, em 1999, foi transferido para o Ministério da Integração Nacional e acompanhado por vários ministérios, incluindo desde então, pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco.
Em agosto de 1994, no governo do presidente Itamar Franco, foi declarado que os estudos sobre o potencial hídrico e bacias das regiões semiáridas dos estados do Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba eram de interesse da União.
Com a assunção do Presidente Fernando Henrique Cardoso, foi assinado o documento "Compromisso pela Vida do São Francisco" que propôs a revitalização do rio e a construção dos canais de transposição: o Eixo Norte, o Eixo Leste, Sertão e Remanso. Ainda, foi criado em seu governo o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) e o Projeto de Conservação e Revitalização da Bacia Hidrográfica do São Francisco (PCRBHSF). O projeto previa também a transposição do Rio Tocantins para o Rio São Francisco, grande projeto da época do Ministro Andreazza.
Durante o primeiro mandato do Presidente Lula, o governo federal contratou empresas especialistas a fim de reformular e dar continuidade aos estudos ambientais para fins de licenciamento do projeto pelo IBAMA através de “Estudos e Relatórios de Impacto Ambiental”. Tais documentos serviram de base para a atual versão do projeto, atualmente intitulado de “Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional”.
Os estudos foram conduzidos em duas frentes: Estudos de Inserção Regional, que avaliou a demanda e a disponibilidade de água no Nordeste Setentrional, considerando uma área mais ampla que a beneficiada pelo empreendimento; e Estudos de Viabilidade Técnico-Econômica, considerando o melhor traçado dos canais, o planejamento e custo das obras, e a sua viabilidade econômica.
Em 2007, as obras foram oficialmente iniciadas, sendo que sua conclusão era prevista para 2012. Diante de atrasos, sua conclusão foi postergada para 2015.
O projeto de transposição do Rio São Francisco é considerado a mais relevante iniciativa do governo federal dentro da Política Nacional de Recursos Hídricos e compreende um projeto de grande escala que vem sendo executado no cenário nacional. O projeto tem como objetivo solucionar um dos principais problemas que acomete a região do semiárido brasileiro, a seca.
Com o objetivo de sanar a deficiência hídrica na região do semiárido, foi planejada a transferência de água do Rio São Francisco para abastecimento de açudes e rios menores na região nordeste, garantindo dessa forma, a segurança hídrica para mais de 390 municípios no Nordeste Setentrional, regiões onde a estiagem ocorre frequentemente.
Tal projeto teve como iniciativa o fato do Nordeste possuir 3% da disponibilidade de água em um local onde concentra 28% da população brasileira, o que provoca grande irregularidade na distribuição dos recursos hídricos, já que o rio São Francisco apresenta 70% de toda a oferta regional.
O Projeto de Integração do Rio São Francisco vai assegurar o abastecimento de água nos principais centros urbanos das áreas mais secas do Nordeste Setentrional. No entanto, o projeto visa assistir a população local através de seus canais. Serão atendidas 325 comunidades que residem a uma distância de cinco quilômetros da margem dos canais dos Eixos Norte e Leste. Dos 21 municípios beneficiados nesta iniciativa, 11 estão em Pernambuco, cinco no Ceará e os outros cinco na Paraíba.
O projeto foi planejado para que as populações rurais tenham o abastecimento de água potável a partir dos canais. A conclusão dos sistemas de abastecimento de água será feita por etapas e concluída até o fim de 2015.
No Ceará, serão atendidas comunidades nos municípios de Penaforte, Jati, Brejo Santo, Mauriti e Barro. Na Paraíba, as cidades de Monteiro, Monte Horebe, Cajazeiras, São José de Piranhas e Miraúna. Em Pernambuco, as novas instalações hídricas vão beneficiar moradores da zona rural de Floresta, Betânia, Custódia, Sertânia, Cabrobó, Petrolândia, Parnamirim, Mirandiba, Curaçá, Salgueiro, Terra Nova e Verdejante.
As bacias beneficiadas pela água do Rio São Francisco serão: Brígida, Terra Nova, Pajeú, Moxotó e bacias do Agreste, em Pernambuco; Jaguaribe e Metropolitanas, no Ceará; Apodi e Piranhas-Açu, no Rio Grande do Norte; Paraíba e Piranhas, na Paraíba. Essas bacias têm uma oferta hídrica per capita bem inferior à considerada como ideal pela Organização das Nações Unidas (ONU), que é de 1.500 m3/hab/ano. A disponibilidade no Nordeste Setentrional por habitante ao ano é de 450 m3, em média.
Este empreendimento, além de recuperar 23 açudes, vai construir outros 27 reservatórios, que funcionarão como pulmões de água para os sistemas de abastecimento do agreste, fornecendo 6 m³ por segundo.
O Rio São Francisco nasce na Serra da Canastra em Minas Gerais e, depois de passar por cinco Estados brasileiros e cerca de 2,7 mil km de extensão, deságua no Oceano Atlântico na divisa entre Sergipe e Alagoas.
Considerado o “rio da unidade nacional”, o Velho Chico, como também é chamado, passa por regiões de condições climáticas diversas. Em Minas Gerais, onde responde por apenas 37% da sua área total, o São Francisco recebe praticamente todo o seu deflúvio (cerca de 75%) sendo que nas demais regiões por onde passa o clima é seco e semiárido.
Diante de sua larga extensão, o projeto de integração do Rio São Francisco é a maior obra de infraestrutura hídrica do país e figura entre as 50 maiores construções de infraestrutura em execução no mundo. Ela se destaca por executar mais de 470 quilômetros de obra linear.
Ao todo, o empreendimento tem extensão de 477 km organizados em dois Eixos de transferência de água – Norte e Leste. A obra engloba a construção de 4 túneis, 14 aquedutos, 9 Estações de Bombeamento e 27 reservatórios.
A obra tem como meta beneficiar uma população estimada de 12 milhões de habitantes, em 390 municípios nos Estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte, além de gerar emprego e promover a inclusão social.
O empreendimento garantirá o abastecimento de água desde grandes centros urbanos da região (Fortaleza, Juazeiro do Norte, Crato, Mossoró, Campina Grande, Caruaru) até centenas de pequenas e médias cidades inseridas no semiárido e de áreas do interior do Nordeste, priorizando a política de desenvolvimento regional sustentável.
Adicionalmente, os trechos em obra do projeto de Integração do Rio São Francisco empregam, atualmente, 11.462 trabalhadores. Ao longo de todo o empreendimento, 3.929 máquinas estarão em operação, estimulando o crescimento local.
O orçamento para a transposição foi estimado em R$ 8,2 bilhões, sendo que o projeto de integração do Rio São Francisco prevê recursos de quase R$ 1 bilhão (quase 12% do total) para programas básicos ambientais, em conformidade com as condicionantes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Trata-se do mais significativo volume de investimentos nas questões socioambientais e arqueológicas do semiárido setentrional. As ações desenvolvidas pelos 38 programas ambientais do projeto possibilitam o conhecimento aprofundado do bioma Caatinga, não só no âmbito da fauna e da flora, mas também em diversos aspectos econômico-sociais, arqueológicos e na melhoria de condições de vida de comunidades indígenas e quilombolas na área de impacto do projeto.
O atual modelo de planejamento implantado pelo Ministério da Integração Nacional foi o modelo de licitação, contratação e monitoramento com seis trechos de obras (Metas 1N, 2N, 3N, 1L, 2L e 3L).
META 1L - Meta Piloto (16 km): Compreende a captação no reservatório de Itaparica até o reservatório Areias, ambos em Floresta (PE). É uma meta piloto para testes do sistema de operação. A Meta 1L apresenta 93% de conclusão. As obras estão localizadas em Floresta (PE).
META 2L - (167 km): Inicia na saída do reservatório Areias, em Floresta (PE), e segue até o reservatório Barro Branco, em Custódia (PE). A Meta 2L apresenta 65,9% de execução. As obras passam pelos municípios de Floresta (PE), Custódia (PE) e Betânia (PE).
META 3L - (34 km): Este trecho está situado entre o reservatório Barro Branco, em Custódia (PE), e o reservatório Poções, em Monteiro (PB). A Meta 3L apresenta 24,8% de execução. As obras passam pelos municípios de Custódia (PE), Sertânia (PE) e Monteiro (PB).
META 1N - (140 km): Vai da captação do rio São Francisco, no município de Cabrobó (PE), até o reservatório de Jati, em Jati (CE). A Meta 1N apresenta 71,1% de execução e funciona 24 horas por dia. Compreende os antigos lotes 1, 2, 3, 4 e 8 de obras. As obras passam pelos municípios de Cabrobó (PE), Terra Nova (PE), Salgueiro (PE), Verdejante (PE) e Penaforte (CE).
META 2N - (39 km): Começa no reservatório Jati, no município de Jati (CE), e termina no reservatório Boi II, no município de Brejo Santo (CE). A Meta 2N apresenta 29,1% de execução e funciona 24 horas por dia. Compreende o antigo lote 5 de obra. Este trecho passa pelos municípios de Jati, Brejo Santo e Mauriti, no estado do Ceará.
META 3N - (81 km): Estende-se do reservatório Boi II, no município de Brejo Santo (CE), até o reservatório Engenheiro Ávidos, no município de Cajazeiras (PB). A Meta 3N apresenta 59,3% de execução e funciona 24 horas por dia. Compreende os antigos lotes 6, 7 e 14 de obras. Este trecho passa pelos municípios de Brejo Santo (CE), Mauriti (CE), Barro (CE), Monte Horebe (PB), São José de Piranhas (PB) e Cajazeiras (PB).[1]
O projeto de transposição do Rio São Francisco também apresenta programas sociais como o programa de controle de saúde pública que capacitou agentes comunitários de saúde, e de combate às endemias e lideranças comunitárias em 17 municípios nos Estados de Pernambuco, Ceará e Paraíba, para atuarem como multiplicadores de abordagens educativas para prevenção de possíveis riscos à saúde em suas comunidades. Além de monitorar as condições de saúde de cada lugar, os agentes ensinam a população a controlar a qualidade da água que consomem e a evitar doenças sexualmente transmissíveis ou como prevenir acidentes.
Porém, o projeto também é alvo de críticas e está sendo alvo de constante polêmica, visto que os opositores do projeto alegam que a água será retirada de regiões onde a demanda por água para uso humano e dessedentação animal é maior que a demanda na região de destino. Em complemento, o projeto da transposição do Rio São Francisco tem sido criticada por ambientalistas e representantes de outros setores da sociedade, incluindo a Igreja Católica, conforme será demonstrado adiante.
Outra crítica que se faz é em relação a duração da obra, uma vez que a previsão para sua conclusão era de 2012. A obra foi iniciada em 2007, mas diante de vários atrasos, sua data definitiva ficou especulada para 2015.
Atualmente, as obras físicas do Projeto São Francisco apresentam 62,4% de execução. Todas as etapas estão 100% contratadas, com previsão de entrega em 2015. Todas as Metas de Execução (Metas 1N, 2N, 3N, 1L, 2L e 3L) estão em atividades. As Metas de Execução são compostas pelos antigos 16 lotes de obras. Os dois Canais de Aproximação do Eixo Norte e Leste já estão concluídos. O Eixo Norte apresenta 62,3% de execução física e o Leste, 62,6%.
- Aspectos Polêmicos
A proposta de transpor as águas do “Velho Chico”, como o Rio São Francisco é carinhosamente chamado, não é nova. A primeira vez que se pensou nessa possibilidade foi em 1847, no governo de dom Pedro 2, quando o Dr. Marco Antônio de Macedo imaginou um canal ligando o São Francisco até o Rio Salgado no Ceará, por meio da gravidade. Desde 1847 até os dias de hoje essa ideia foi revista, ampliada e estudada amplamente, porém as obras efetivas só começaram em julho de 2007, com o Exército Brasileiro no Eixo Leste.
O São Francisco se estende por 2.700 km, segundo o site do Ministério da Integração Nacional, nascendo na Serra da Canastra em Minas e desembocando no mar entre Alagoas e Sergipe. Com toda essa extensão ele é o 5 maior rio brasileiro, e a obra de transposição visa deslocar 1.4% de água da vazão média do rio, e levar todo este volume para rios temporários, através de canais, que irão beneficiar quatro estados da região semiárida do nordeste brasileiro. O eixo note abastece o Ceará, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte, já o eixo leste que beneficia também Pernambuco e a Paraíba.
Com toda esta extensão, o projeto apresenta uma série de problemas e de aspectos polêmicos, que o EIA prevê, e que serão objetos de estudos deste capítulo.
1.1. Aspectos Positivos
Segundo o EIA; estudos de Impacto Ambiental alguns dos principais benefícios que está obra irá trazer, são a Segurança Hidrica; já que a oferta de água irá aumentar nas regiões mais secas do pais, e a perda de água com a evaporação dela nos reservatórios será diminuída, o que leva a um maior abastecimento das zonas afetadas, principalmente a zona rural o que provocaria um aumento na produção alimentícia, queda significativa na morte dos rebanhos e acabaria com a baixa produtividade no campo.
As águas do Rio São Francisco apresentam uma qualidade muito superior àquelas existentes nas bacias receptoras atuais, sendo que estas bacias, ao apresentarem água de melhor qualidade, ajudarão a diminuir o número de doenças ligadas ao consumo de água contaminada ou imprópria para consumo humano, e aquelas ligadas também à falta de água tal qual a desidratação, que pode levar a morte de milhares de crianças e idosos – parcela mais frágil da população, bem como dos animais.
O EIA prevê que até 2025, uma região equivalente a mais de 160 mil campos de futebol, ou 1.142.400.000 km² (um bilhão, cento e quarenta e dois milhões e quatrocentos mil metros quadrados) seja irrigada, abastecendo até 12.4 milhões de pessoas, que poderão produzir mais girando a roda da economia, aumentando o número de empregos nas regiões beneficiadas.
A obra por si só, que deveria durar 4 anos, porém já dura bem mais do que isso, emprega hoje, direta e indiretamente mais de 11 mil pessoas, um número pequeno se comparado aos beneficiados pela transposição do rio, porém bastante significativo no que tange à movimentação econômica da região onde esses trabalhadores se instalam.
1.2. Aspectos Negativos
Os aspectos negativos são vários, porém podem ser subdivididos em categorias, como Energia, Meio Ambiente, Economia e Fator Humano. São quatro grandes blocos representam um série de outros problemas inter-relacionados.
No que tange ao meio ambiente, a bacia do Rio São Francisco teve 152 espécies de peixes nativos identificados, e algumas dessas espécies são migratórias, devendo se deslocar para se reproduzir. Com as obras de transposição muitas dessas espécies não terão mais os lugares de reprodução, o que fará com que a população desses peixes diminua drasticamente. Outro ponto que se deve atentar, é relativo a flora do rio propriamente dito e de seu entorno, que vem sofrendo constantes devastações antes mesmo das obras começarem, extinguindo assim o habitat natural de muitas espécies de pássaros, mamíferos, insetos e répteis. Muitas plantas, conhecidas como baronesas se proliferam rapidamente indicando altos índices de poluição. Essas plantas se alimentam dos dejetos trazidos juntamente com o esgoto no rio, que é lançado sem o devido tratamento e com o volume baixo de água. As obras de transposição, ao retirarem mais água de um rio que já está com seu volume prejudicado, irá apenas aumentar os problemas
Apesar do rio apresentar água de boa qualidade em muitos trechos, outros são extremamente poluídos por conta do despejo de esgoto sem tratamento em suas águas, e que poderia ocasionar a transferência dessa água poluída para os açudes já existentes. Além disso há o risco de salinização e erosão do rios receptores, que nem sempre tem capacidade para receber o volume de água repassado.
Ademais, o que chamamos de “fator humano” é relativo aos conflitos com índios de duas etnias: os Truká e os Pipipã. Apesar de existir o Programa de Desenvolvimento das Comunidades Indígenas, que visa mitigar os impactos causados a estas populações mediante a apresentação de alternativas a seu sustento, com apoio a atividades artesanais, entre outras, por eles desenvolvidas, e a melhoria de suas condições de saúde e sanitárias, referidas comunidades afetadas pelas obras NÃO foram previamente consultadas com relação ao assunto, sendo que o artigo 231 da Constituição Federal torna essa consulta obrigatória.
Outro ponto ainda dentro de “fator humano” é a onda de desemprego que irá ocorrer após o término das obras, e onde as pessoas que se locomoveram até estes locais irão fixar residência.
No quesito energia, a obra é inviavelmente onerosa, chegando ao ponto de ser contra produtiva energeticamente, já que para chegar às regiões a água será bombeada a uma altura estima de 165 metros de altura, e serão necessários o equivalente ao potencial energético de 3 usinas de Três Marias, levando – se em conta também a energia que deixará de ser produzida nas outras hidrelétricas, abaixo de sobradinho. O ex-professor da Universidade Federal de Viçosa e especialista em hidrologia, irrigação e drenagem e Coordenador Técnico do Projeto Jaíba, Alberto Daker, complementa: “bombear a água a 165 metros de altura torna qualquer projeto de irrigação inviável”.
Como fator econômico é válido ressaltar que para esta obra, foram destinados, R$ 8,5 Bilhões de reais, e esse investimento será refletido na conta final do consumidor, e trará um custo para as cidades beneficiadas, que terão de tratar a água recebida.
Com relação a energia, esta passará a custar R$ 0.13 por 1000 litros, o que representa um aumento de 5% a 7% na conta de luz. Parece pouco, mas devemos lembrar que boa parte da população dessa região vive na miséria.[2]
- Aspectos Jurídicos
Qualquer projeto de transferências de águas deve buscar o amparo legal. Ainda assim, é de extrema necessidade realizar diversas pesquisas e estudos para a viabilização do projeto e a concessão da Licença Ambiental. Segundo a Constituição brasileira de 1988, compete privativamente à União legislar sobre as águas.
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;
II - desapropriação;
III - requisições civis e militares, em caso de iminente perigo e em tempo de guerra;
IV - águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão;(...)
Cabe ressaltar também na Constituição, no artigo 43, que a União poderá articular sua ação em um mesmo complexo geoeconômico e social, visando a seu desenvolvimento e a redução das desigualdades regionais. O parágrafo 2º, inciso do mesmo artigo aponta a prioridade para o desenvolvimento econômico e social dos rios e das massas de água represadas ou represáveis nas regiões de baixa renda, sujeitas a secas periódicas. Dessa forma, a União tem o dever de estabelecer estratégias para que, como acontece em algumas regiões que serão beneficiadas pela transposição, combata a seca exaustiva e a migração forçada devido aos problemas expostos.
Diante da fragilidade da natureza e a importância fundamental de seu equilíbrio, a Constituição Brasileira também protege, no artigo 225, a proteção ao Meio Ambiente ecologicamente equilibrado.
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Também, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, lei 6.938 de 1981, dispõe sobre a Política Nacional, os fins de mecanismos de formulação e aplicação e a lei da Ação Civil Pública, lei 7.347 de 1985, tutela os valores ambientais. Devemos citar além dessas leis, a Lei 9.433 de 1997 que estabelece a Política Nacional de Recursos Hídricos, criando o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e a Lei 9.605 de 1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Não menos importante, o Código das Águas, Decreto 24.643 de 1934, também deve ser mencionado como legislação efetiva e importante para a realização de tal projeto.
A água, como item componente do meio ambiente, participa da natureza dos direitos fundamentais, na medida em que ela é essencial a todo ser humano, donde sua gestão ficar a cargo do Poder Público, dos usuários e das comunidades, segundo o artigo 1º, VI da lei da Política Nacional de Recursos Hídricos.
Art. 1º A Política Nacional de Recursos Hídricos baseia-se nos seguintes fundamentos:
I - a água é um bem de domínio público;
II - a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico;
III - em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais;
IV - a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas;”
V - a bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos;
VI - a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades.
A água participa da natureza dos direitos fundamentais concernentes a toda a humanidade, é dizer, os chamados direitos de terceira geração.
A partir de 1999, a transposição do Rio São Francisco passou a ser vista como a principal alternativa para solucionar o problema da aridez e das populações que são afetadas diretamente com ele pelo Governo Brasileiro. Naquele ano, o projeto foi transferido para o âmbito do MIN (Ministério da Integração Nacional) e para o Comitê da Bacia hidrográfica do Rio São Francisco. Foram realizadas diversas pesquisas e análises feitas pelo EPIA (Estudo Prévio de Impacto Ambiental), realização de vistorias e uma sequência de audiências públicas nos estados envolvidos, para que o IBAMA concedesse ao MIN, licença prévia para o projeto de integração.
Apesar da resistência do Comitê da Bacia do Rio São Francisco, o projeto foi aprovado em 2005. A execução do projeto obteve licença ambiental em 2006 e do Plenário do STF, que negou liminar em 2007. Mesmo com a aprovação, devemos salientar alguns problemas importantes sobre o projeto.
O caso da transposição do Rio São Francisco a princípio colide com alguns direitos fundamentais importantes, como visto acima, que são os pretextos de redução de desigualdades sociais e regionais e a higidez da água. Para que um projeto de tamanha dimensão resguarde os princípios, é de suma importância que as análises e pesquisas sejam realizadas de forma minuciosa. Cabe lembrar que em caso de conflitos em que o meio ambiente está em jogo, a regra basilar é de que seja feita uma interpretação favorável à proteção ambiental. Assim, após entregue o estudo, muitos críticos alegaram que o governo federal deixou de lado certos fatores que poderiam afetar o meio ambiente, e buscaram de forma assídua a não realização ou paralização do projeto da transposição do rio.
Foram apresentadas inúmeras ações judiciais para impedir o projeto, seja pelas falhas do licenciamento ou pelos fatores ambientais, deixados de lado pelo governo, e algumas delas tramitam ainda pelo STF.
Com a retomada do processo de licenciamento e a apresentação do EIA em 2004, algumas entidades ambientais impetraram ações contra o IBAMA e o MIN. Naquela época, apesar das ações estarem em trâmite, a matéria ainda nem tendo sido objeto de análise pelas Câmaras Técnicas do Conselho, o Conselho Nacional de Recursos Hídricos marcou uma reunião no mesmo ano para deliberar sobre o projeto, alegando ter respaldo no artigo 35 da lei 9.433 de 1997 para realização do ato:
Art. 35. Compete ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos:
I - promover a articulação do planejamento de recursos hídricos com os planejamentos nacional, regional, estaduais e dos setores usuários;
II - arbitrar, em última instância administrativa, os conflitos existentes entre Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos; (...)
Com novas ações impetradas, com o objetivo de impedir a deliberação pelo CNRH, o Ministério Público Federal e o Ministério Publicado do Distrito Federal impetraram um mandado de segurança preventivo suspendendo as reuniões e a deliberação do projeto.
Após suspensão de audiências públicas por decisões judiciais, o CNRH designou nova reunião para deliberação do projeto. Apesar de mais uma vez os órgãos de defesa ao meio ambiente e dos interesses difusos e coletivos ingressarem com nova ação contra o IBAMA e a União, as liminares foram negadas e o CNRH aprovou o projeto de transposição e iniciou a rodada de audiências públicas.
A partir da Reclamação 3074, seria do STF a competência de todas as ações em que litigiam Estados- membros ou órgãos contra a União ou autarquia federal.
Mesmo com as ações judiciais, o IBAMA concedeu a Licença Ambiental ao MIN. Muitos impetraram ações alegando por exemplo (i) inúmeros fatores omissos ou falhas pelo EIA, não considerando o impacto ambiental, sócio e econômico, (ii) não terem sido estudadas outras alternativas para o projeto, (iii) desrespeito a Política Nacional de Recursos Hídricos, (iv) a falta de autorização do Congresso Nacional para a realização do Projeto, já que há aproveitamento de recursos hídricos em terras indígenas, de acordo com o artigo 231, § 3º da Constituição Brasileira, (v) algumas imprecisões técnicas quanto aos recursos hídricos da bacia do rio São Francisco, (vi) concessão de licença ambiental apesar das falhas e omissões do EIA.
A parte contraria, respondeu que estas alegações não eram cabíveis. Isso por fim, acarretou o julgamento sem extinção de mérito dessas ações. Foi alegado que todos os estudos realizados seguiram a resolução do CONAMA 01/86 e, portanto, a realização do projeto poderia ser continuada.
Com a não realização de audiências públicas, controvérsia nos estudos apresentados, o TRF acatou o pedido do MPF em suspender as obras já iniciadas. Nessa época, a Diretoria do Comitê da bacia Hidrográfica do rio São Francisco reiterou sua resistência ao projeto publicando a seguinte nota:
A Diretoria Colegiada do Comitê da Bacia Hidrográfica do rio São Francisco, reunida em Brasília, reitera a sua posição contrária ao Projeto de Transposição e lamenta que o Governo Federal esteja dando inicio às obras sem aguardar o exame de mérito das diversas ações que tramitam no Supremo Tribunal Federal além de atropelar o diálogo prometido pelo próprio Presidente da República e que foi interrompido pela ânsia de executar o projeto a qualquer custo, inclusive valendo-se do Exército Brasileiro para criar um fato consumado quanto ao início da transposição. A direção do CBHSF aproveita a oportunidade para manifestar, dentro da lei, sua solidariedade à população e às entidades da sociedade civil que estão acampadas em Cabrobó, como último gesto de pleno exercício da cidadania que resta àqueles que discordam do projeto e cujos argumentos e reivindicações não foram, até o momento, devidamente considerados pelo Governo Federal.
Apesar de toda resistência do projeto, em 2007, como falado acima, o STF revogou a liminar concedida pelo TRF, dando continuação ao projeto. Todas as liminares foram cassadas e hoje, ainda existem processos que tramitam no STF sem resolução final. A decisão da continuação do projeto resta incontroverso e traz ainda muitos debates políticos e jurídicos que deixam em dúvida a eficácia do projeto e o respeito ao meio ambiente, de acordo com os princípios desenvolvidos no ECO 92, e outros órgãos que visam o desenvolvimento sustentável.
Conclusão
Diante de tudo que fora exposto, e levando em conta o panorama atual da obra de transposição do rio São Francisco, a referida obra é de extrema importância para a região do nordeste brasileiro, principalmente no que consiste na execução do objetivo principal, que é a erradicação da seca no sertão nordestino, levando água para estas regiões menos abastecidas e mais afetadas pela seca que podemos dizer e intrínseca a esta região, ou seja, solucionar o problema de irregularidade na distribuição dos recursos hídricos existentes no país. Porém, nem todos acreditam que todos esses benefícios são base para a realização da obra. Muitas controvérsias e questões polemicas e jurídicas envolvem a transposição.
A obra beneficia uma população estimada em 12 milhões de pessoas, 390 municípios, alem de gerar emprego e promover a inclusão social, através de uma política de desenvolvimento regional e sustentável consubstanciada em investimento nas questões socioambientais e arqueológicas do semiárido.
Além do mais, a obra vem gerando emprego e desenvolvimento social na região, mesmo com diversas criticas ao sistema e as formas como vem sendo conduzidas as obras, além dos constantes atrasos.
Apesar desses fatores positivos, ainda existem muitas controvérsias com relação a construção da obra. O projeto tem levantado muitas críticas com relação ao dinheiro gasto e com o efetivo beneficiamento das populações do sertão.
Ainda mais, o questionamento das pesquisas é bem relevante. Muitos levantam a crítica de que estas não foram feitas corretamente. Isto leva a crer que a obra em si pode trazer inúmeros problemas ecológicos e prejudiciais ao rio, e que não justificam a transposição, nem os benefícios que elas trarão.
Referências
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Acesso em 7 de outubro de 2014