Notícias
A transposição de bacias é tema debatido no Recife
Por João Suassuna
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) promoveu no Recife, no período de 02 a 04 de agosto corrente, o Encontro Internacional sobre Transferência de Águas entre Grandes Bacias Hidrográficas. Para tanto, convidou os principais expoentes da hidrologia nacional, a fim de discutir a possibilidade de transferência de água da bacia do rio São Francisco para regiões do Semi-árido nordestino e suas conseqüências, oportunidades e riscos, abordando aspectos relativos aos recursos hídricos, às questões sociais e econômicas e aos impactos ambientais, entre outros fatores.
Convidados a participar do referido evento, na qualidade de representantes da Fundação Joaquim Nabuco, encontramos ambiente extremamente favorável para o embasamento dos nossos pontos de vista sobre a realidade sanfranciscana, idéias essas que estamos cultivando há cerca de uma década.
O evento possibilitou o ressurgimento de um tema que havíamos tratado em artigo anterior publicado na internet, intitulado “Transposição do Velho Chico: o empirismo continua”, o qual se referia ao tratamento das vazões a serem transpostas pelo projeto. No evento em questão, o assunto voltou à baila.
Na explanação do projeto, realizada por representantes do governo federal, foi mencionada uma vazão alocável do rio São Francisco, segundo a qual seria subtraído do rio um volume da ordem de 360 m³/s. Ora, nas nossas consultas e reflexões realizadas acerca dessas questões, tínhamos como elemento de certeza o volume de 240 m³/s, considerado pela Codevasf, na elaboração de seus projetos, como aquele existente no rio depois de descontadas as vazões dos múltiplos usos aos quais vem sendo submetido.
Assustados com esse novo número divulgado partimos para uma peregrinação junto aos técnicos participantes do encontro, a fim de avaliar melhor a forma pela qual essa vazão foi determinada e a sua confiabilidade nas ações previstas no projeto.
A conclusão a que chegamos foi a de que esse número é de mera conveniência. Simplesmente estipulou-se o número para se possibilitar a exeqüibilidade do projeto. Chegamos a indagar a alguns técnicos como se comportaria essa vazão alocável (360 m³/s) com a retirada de água do rio numa situação de penúria hídrica, como a que ocorreu na bacia do Velho Chico em 2001, ocasião na qual o rio não dispunha de água sequer para gerar energia. A resposta obtida foi a de que, em casos como aqueles, a outorga das águas só se daria através de exaustiva negociação junto aos seus usuários.
Nesse caso, para nós, o volume alocável passa a ter uma conotação condicionante, ou seja, a transposição, para ter sucesso, ficaria condicionada à existência de situações hidrológicas favoráveis na bacia do rio. Na realidade, existirão situações de pobreza hídrica que trarão conseqüências nefastas para a região, principalmente para aqueles que dependem da água como agente promotor do desenvolvimento. Produtores de manga irrigada - que é uma cultura perene - poderão ter suas áreas reduzidas pelo fato de o rio não dispor de vazões suficientes que garantam sua produção. Geradoras de energia poderão desativar algumas unidades, como ocorreu, aliás, em 2001 no complexo gerador de Paulo Afonso, quando o Nordeste passou pelo desconforto do racionamento de energia.
Na nossa opinião, o empirismo dos números divulgados e o indesejável risco hidrológico existente na bacia do São Francisco, que motivaram os racionamentos de energia em 2001 e o acionamento do parque de termelétricas na região em 2003, estiveram presentes na mente de cada um dos participantes do encontro da SBPC. A magnitude dos investimentos e a natureza complexa dos projetos da transposição sinalizaram para a necessidade de estudos integrados e abrangentes que visem ao desenvolvimento regional. Nesse sentido, houve consenso entre os técnicos sobre a idéia de se começar a executar os projetos estruturais, partindo-se das bacias receptoras de jusante (estados receptores) para a bacia exportadora de montante (bacia do São Francisco), através do uso integrado do potencial hídrico existente em cada um dos estados envolvidos no projeto, da otimização das disponibilidades de água e da confirmação de demandas, de modo a assegurar que a transposição constitua uma alternativa complementar e não implique no abandono ou mesmo na subutilização de fontes locais de água, garantindo intervenções capilares de ponta, que propiciem a obtenção de efeitos benéficos nas bacias. Ficou claro, portanto, que é preciso, em primeiro lugar, se formar a infra-estrutura hidrológica necessária nas regiões receptoras, para, no futuro e dependendo das necessidades, se estabelecer um processo coerente de recebimento das águas do São Francisco para a continuidade do desenvolvimento regional.
A SBPC e toda a comunidade científica estão de parabéns pela realização do encontro. Será elaborado, para posterior divulgação, um relatório sobre as questões tratadas no evento, com o propósito de fornecer às autoridades e à sociedade como um todo uma avaliação isenta de paixões, com aspectos técnicos da transposição que subsidiem o amplo debate e a tomada de decisões que o assunto exige.
Recife, 09 de agosto de 2004.