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Saneamento, uma antiga demanda do Recife
26/06/2019
O avanço do saneamento básico do País no final do século 19 e no início do século 20 teve como um dos protagonistas o engenheiro civil Saturnino de Brito. Ele atuou em 53 cidades brasileiras e foi fundamental para o processo de urbanização do Recife no início do século passado. Após convite do então governador Herculano Bandeira, em 1909, Saturnino desenvolveu seu trabalho na capital pernambucana entre 1910 e 1917. Doze anos depois vem a falecer, após entregar um plano de melhoramentos que modificou a realidade sanitária da cidade. O crescimento urbano do País e a ampla expansão das cidades, sem a devida atenção ao saneamento, resultaram num cenário caótico no Brasil. Noventa anos depois da morte do sanitarista, sua luta é bastante atual.
Com uma PPP em andamento na Região Metropolitana, projetos milionários em execução nas Bacias dos rios Capibaribe e do Ipojuca, e com um amplo debate em torno da Medida Provisória 868 no Congresso Nacional, o saneamento ganhou um protagonismo maior na agenda pública brasileira. Recentemente, ao discutir sobre o papel do BNDES, o ministro da economia, Paulo Guedes, defendeu que o “S” do nome do banco deveria ser de saneamento, ao se referir sobre as prioridades da instituição.
“Por que quase após 100 anos da morte de um dos principais sanitaristas do mundo, essa questão do saneamento no Brasil é ainda muito crítica? O País gasta muitos recursos com a saúde para tratar doenças que não existiriam se tivéssemos investido em saneamento”. A indagação é do engenheiro civil Clifford Ericson Júnior, ex-professor do Instituto Federal de Pernambuco.
A resposta dada pelo especialista é que faltou nas últimas décadas: planejamento, formulação de leis e execução de projetos de longo prazo. “Os investimentos em saneamento que deixaram de ser feitos por décadas e o crescimento desordenado das nossas cidades resultaram numa demanda de grandes volumes de recursos para elaboração de projetos e construção de obras”, analisa. “É preciso um alinhamento das três esferas de poder (municipal, estadual e federal) por várias gestões para reverter este quadro”. A poluição de trechos das praias de Olinda e Paulista, que se tornaram impróprias para banho, são o sinal da gravidade desse cenário na região, segundo o especialista.
Clifford defende também que o saneamento demanda uma abordagem holística, que extrapola a coleta e tratamento de esgotos. “Saneamento envolve também abastecimento de água, drenagem, coleta e destinação do lixo e o controle dos vetores. Como não é possível sanear uma favela sem urbanizá-la, para enfrentar esse problema no Recife precisamos também de um programa de habitação para remover palafitas, por exemplo, e dar qualidade de vida para as pessoas que vivem nessas condições”.
Para enfrentar o cenário do déficit de esgotamento sanitário, Pernambuco celebrou em 2013 uma das maiores PPPs do País. Além do cenário desafiador de chegar a 90% das residências da Região Metropolitana do Recife atendidas pelo abastecimento de água da Compesa, a operadora privada (inicialmente a Odebrecht Ambiental e hoje a BRK Ambiental) tinha outro grande serviço pela frente: a recuperação da antiga rede.
O engenheiro civil Luciano Barreto lembra que no tempo de Saturnino de Brito o Recife tinha uma área urbana pequena e as residências eram casas. “Perto dos 100 anos depois, temos uma situação totalmente diferente. Toda a região está ocupada e as antigas casas viraram edifícios. Ou seja, mesmo na área saneada depois de Saturnino, há um grande desgaste pelo tempo de uso e pelo dimensionamento menor que o necessário para a verticalização pela qual a cidade passou”. Ele lembra ainda que a rede antiga da cidade foi construída com manilhas de barro vitrificadas. Uma tecnologia avançada para a época, mas que tem vida útil mais limitada.
Além de parte do sistema ainda ser do tempo de Saturnino de Brito, o diretor do contrato da PPP do Saneamento em Pernambuco, Fernando Mangabeira Albernaz, afirma que foram identificados alguns ativos originários de datas mais remotas. “No trabalho de recuperação da rede encontramos coletores tronco da época do domínio holandês. E tem muita coisa do tempo de Saturnino de Brito”. O diretor afirma que Pernambuco chegou a ser referência de tratamento de esgoto no País, mas perdeu esse destaque ao longo do tempo.
Os primeiros anos do contrato da PPP, segundo Mangabeira, foram dedicados principalmente à recuperação do antigo sistema de esgotamento. No balanço da empresa foram restaurados 1.883 km de redes coletoras de esgotos, equivalente à distância de ida e volta entre Recife e Petrolina. Houve no período também o restabelecimento de 159 unidades operacionais, como estações elevatórias e de tratamento.
Nos cinco primeiros anos da PPP do Saneamento, o índice de coleta e de tratamento de esgotos na RMR passou dos 27% para 39% dos efluentes gerados. A meta é chegar a 90% até 2037. O diretor afirma que apesar das dificuldades de financiamento no período mais acentuado da crise econômica do País, são investidos por ano entre R$ 250 milhões e R$ 300 milhões. “Desde 2018 entramos num ritmo forte de investimentos”.
O gestor prevê que até o próximo ano Jaboatão dos Guararapes, que tinha 5% do território atendido pelo esgotamento sanitário, alcance o índice de 20% com as obras em andamento. Na expansão do sistema ele destacou ainda que há frentes de trabalho em São Lourenço da Mata, com previsão de conclusão ainda em 2019, e em Goiana (na sede e em Ponta de Pedras), que devem ser concluídas em 2020. “Até o final deste ano devemos ter mais 50 mil novos usuários conectados à rede. E até o final do próximo ano, chegaremos num número aproximado de 100 mil novos usuários”, projeta Mangabeira.
Se o trabalho de Saturnino de Brito foi no Recife, o desafio pernambucano com o saneamento se estende pelo interior do Estado. Enquanto na RMR o caminho encontrado pela Compesa para acelerar a universalização foi via PPP, nas Bacias do Rio Capibaribe e do Rio Ipojuca são obras da própria companhia as responsáveis pelo avanço do sistema de esgotamento sanitário.
O presidente da Compesa, Roberto Tavares, afirma que com recursos do Banco Mundial estão sendo realizadas as obras na Bacia do Capibaribe, principalmente nos municípios de Surubim e Santa Cruz do Capibaribe, que são as maiores cidades beneficiadas. Ao todo, o investimento nessa região é de US$ 190 milhões.
Na Bacia do Rio Ipojuca, que tem um montante de US$ 330 milhões, entre recursos do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e do Governo do Estado, o primeiro município a ter o esgotamento sanitário universalizado é Tacaimbó. Ele afirma que há obras em andamento em Belo Jardim, Sanharó e Caruaru. As próximas cidades beneficiadas serão Bezerros e Gravatá.
“Além desses dois programas nas bacias desses grandes rios, temos ainda um outro que estamos chamando de Sertão Saneado, que é fruto de múltiplas fontes de financiamento”, declara Tavares. Ele explica que em consequência dos investimentos feitos na Transposição do Rio São Francisco, uma das contrapartidas exigidas era o saneamento das cidades da Bacia do Velho Chico. A Compesa executa parte das obras da região.
O presidente da companhia destaca que no interior do Estado ainda há um grande déficit de abastecimento de água. “Conseguir abastecer todas as cidades num panorama de seca persistente que estamos vivendo ainda é um grande desafio. Precisamos acelerar obras da Adutora do Agreste, que dependem principalmente de recursos do Governo Federal”, destaca Tavares.
O volume de investimentos aplicados no Estado e o debate que ganha o País em torno do saneamento, trouxe ao século 21 as bandeiras defendidas por Saturnino. Mais que resolver a coleta e tratamento de esgotos, que é o assunto do dia em Pernambuco, ele trazia uma concepção ampla de urbanização.
“Para Brito, não havia como pensar isoladamente no saneamento de uma cidade, era preciso realizar um planejamento urbano, mesmo que incipiente, se comparado com a abrangência e magnitude que esse tem atualmente. Era preciso pensar a cidade como um todo, saneamento, áreas existentes e a serem ocupadas, traçado e legislações”, afirmaram os arquitetos Daniel Tochetto e Célia Ferraz, no artigo científico O urbanismo de Saturnino de Brito e as ressonâncias provocadas. Além das obras e plantas deixadas pelo sanitarista no Recife, sua perspectiva holística da cidade segue contemporâena e de referência para o desenvolvimento urbano do País.