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Por que apenas 85 municípios cumprem bem requisitos de saneamento
Ranking mostra que quanto mais distante do eixo Sul-Sudeste, piores são as condições.
POR MATHEUS ROCHA
23/06/2019
Pouco mais de 40% dos municípios do país têm um Plano Municipal de Saneamento, instrumento que traça metas e objetivos na área MARCOS ALVES / AGÊNCIA O GLOBO
Em Porto Velho, capital de Rondônia, na região norte do país, apenas 4,5% do esgoto é coletado. Menos ainda é tratado: 3,2%. Além disso, dos resídulos sólidos coletados, somente 0,2% tem a destinação adequada. Não à toa, a capital é a pior do país quando o assunto é saneamento básico. A realidade é bem diferente no outro extremo do país. Em Curitiba, no Paraná, 100% do esgoto é coletado e tratado e todos os resídulos sólidos coletados vão para o destino correto. A universalização do acesso ao saneamento básico, no entanto, é exceção: apenas 85 dos municípios brasileiros cumprem todos os indicadores de saneamento. Na prática, quanto mais longe do eixo Sul-Sudeste, maior a chance de se encontrar cidades com a realidade de Porto Velho.
Fato é que, embora a lei que prevê a universalização do acesso ao saneamento básico tenha mais de uma década, o Brasil ainda está longe de colocar a medida em prática. Um ranking da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES), divulgado nesta segunda-feira (17), analisou indicadores (o abastecimento de água, a coleta e o tratamento de esgoto, bem como a coleta e a destinação adequada de resíduos sólidos) de 1.868 municípios analisados. Aqueles que conseguiram desempenho satisfatório em todos eles — apenas 85 — foram considerados rumo à universalização.
Além do número escasso de cidades com pontuação elevada em todos os requisitos, chama atenção também a diferença entre as regiões do país. Quanto mais distante do eixo Sul-Sudeste, piores são as condições de saneamento básico. De acordo com a pesquisa, todos os 85 municípios que atingiram desempenho alto nos indicadores integram a região Sul e Sudeste. Essas cidades estão localizadas majoritariamente em quatro estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Paraná.
Por outro lado, fazem parte do Norte e Nordeste todos os municípios de grande porte, ou seja, acima de 100 mil habitantes, que apresentaram os indicadores mais baixos. Esses municípios foram classificados pela pesquisa como cidades que dão os primeiros passos para a universalização.
De acordo com o presidente da ABES, Roberval Tavares de Souza, os resultados da pesquisa refletem o modo como o saneamento tem sido conduzido pelo poder público. “Falta prioridade de Estado. Ao longo do tempo, os poderes federal, estadual e municipal não priorizaram o saneamento. Quando é uma prioridade, o setor consegue dar passos largos em direção à universalização.”
Ao explicar as discrepâncias regionais do Brasil, Souza considera que região Sul deu ênfase ao ganho de escala, isto é, a ajuda de municípios grandes a municípios pequenos, o que explica em parte os bons resultados. “Isso funciona muito bem na região Sul, Sudeste e Centro-oeste. Já nas outras regiões esse modelo encontrou poucos avanços”, diz ele, destacando também que o grau de prioridade dado ao saneamento foi maior em municípios do eixo Sul-Sudeste.
Para Marco Aurélio Holanda, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) e especialista em saneamento ambiental, a industrialização favorece investimentos em tratamento de água e coleta de esgoto, já que essas medidas garantem a saúde dos trabalhadores e evitam licenças por motivos médicos. “Então, em alguns lugares, como no interior de São Paulo e no Sul do Brasil, nós temos índices de saneamento europeus. Já aqui, no Norte e Nordeste, esses índices são subsaarianos”, resume ele.
O engenheiro explica que a carência de boa infraestrutura sanitária gera o aumento de doenças como dengue e chikungunya. “É uma relação direta. Inclusive, para melhorar os índices de saúde, é muito mais barato investir em saneamento básico do que propriamente em hospital e médico.” O levantamento feito pela ABES constatou uma ligação intrínseca entre as condições sanitárias e o surgimento de determinadas doenças.
As cidades com as piores posições no estudo têm dez vezes mais doenças ligadas à falta de saneamento do que aquelas com as melhores posições. Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) também confirmam essa correlação. Em 2017, o órgão alertou que ambientes insalubres e poluição matam anualmente 1,7 milhão de crianças. No mesmo ano, o IBGE mostrou que 34,7% dos municípios brasileiros tiveram epidemia ou endemia causadas por condições sanitárias inadequadas .
Para universalizar o saneamento básico fora do eixo Sul-Sudeste, os governos terão de investir em políticas públicas de forma continuada, evitando interrupções. A recomendação é de Dieter Wartchow, professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “A segunda questão é direcionar recursos das tarifas para o saneamento, ou seja, não utilizar os recursos de tarifas de água para outras finalidades, algo que tem sido comum no Brasil.” Dessa forma, os impostos gerados por serviços hídrico seriam usados somente para investir na infraestrutura sanitária.
Wartchow destaca também que o aprimoramento do saneamento básico não é algo que acontece em curto prazo, e sim de forma planejada e progressiva. O especialista ressalta ainda ser importante pensar a questão de forma integrada, isto é, atentar para quatro diretrizes: o abastecimento de água, o esgotamento sanitário, a drenagem urbana e os resíduos sólidos. “Essa é uma estratégia que vai garantir, sem dúvidas nenhuma, caminhos para a universalização”, acredita ele