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A POLÊMICA ORGÂNICOS X QUÍMICOS, artigo de Clóvis Guimarães Filho
Carlos Britto
04/05/2020
O ex-pesquisador da Embrapa Semiárido, Clóvis Guimarães Filho, dá mais uma vez sua colaboração importante. Desta vez ele afirma ser preciso cautela ao analisar os produtos orgânicos, porque nem tudo é o que parece ser.
https://www.carlosbritto.com/artigo-do-leitor-a-polemica-organicos-x-quimicos/
Este artigo procura alertar para a excessiva valorização dos produtos naturais que pode levar, muitas vezes a interpretações equivocadas pelos consumidores. Ele se baseia em depoimentos de especialistas e de informações oriundas das instituições mais credenciadas do mundo no tema, como a
Food and Drug Administration
(FDA americana), a
Food Standards Agency
(União Europeia) e a Codex Alimentarium (FAO-ONU).
Claro que os produtos realmente naturais devem constituir a melhor opção para os consumidores, apesar de o mais amplo estudo realizado sobre o tema até o momento, por pesquisadores da Universidade Stanford, ter mostrado que, sob o aspecto de quantidade de nutrientes (carboidratos, proteínas, vitaminas e minerais), haver nenhuma ou pouca diferença entre os orgânicos e os demais. É, portanto, necessária muita cautela com as simplificações do tipo “o orgânico é saudável e o químico é danoso à saúde e ao ambiente” ou “o orgânico é bom porque não tem agrotóxicos”.
Não devemos esquecer que tanto as substâncias orgânicas como as minerais são químicas e, portanto, ambas podem ou não ser naturais. Professores eméritos de agronomia, como o Dr.Scheid Lopes, da Universidade Federal de Lavras (MG),afirmam que os “agrotóxicos” quando utilizados segundo princípios agronômicos, praticamente não deixam resíduos nos alimentos e no ambiente.
A propalada grande incidência de câncer na região de Petrolina-PE e Juazeiro-BA parece comprovar que estes princípios não foram adequadamente adotados nos nossos perímetros irrigados. O professor ainda faz uma analogia com a medicina afirmando que chamar o defensivo agrícola de agrotóxico seria o mesmo que chamar os medicamentos de biotóxicos, pois tudo se resumiria na frase já bastante conhecida “a diferença entre o veneno e o remédio é a dose e não sua origem”.
É um debate semelhante ao que ocorre entre “transgênicos” e “não transgênicos”. Os defensores dos OGM (organismos geneticamente modificados) afirmam que o glifosato é menos tóxico que o sal de cozinha já que a dose do glifosato para ser letal é altíssima e, ao contrário do sal, ninguém anda por aí bebendo glifosato.
A geneticista Pamela Ronald, da Universidade da Califórnia, Davis, ainda afirma: “Até onde sei ninguém reclama dos medicamentos feitos com a engenharia genética”. Detalhe: ela é casada com um produtor de orgânicos, na atividade há 35 anos. Assim, da mesma forma que devemos ter extrema cautela com os alimentos não orgânicos, devemos tê-la também com os orgânicos. É consenso entre os especialistas que o uso inadequado de substâncias permitidas, orgânicas ou inorgânicas, pode alterar o ecossistema pela emissão de gases causadores do efeito estufa ou pode acarretar altas concentrações de nitratos nos solos e na água comprometendo a propriedade rural.
Boa parte dos produtos certificados como orgânicos não é totalmente orgânica uma vez que na sua produção é permitida a utilização de alguns fertilizantes químicos, entre eles o sulfato de potássio e o sulfato de magnésio, e outros agroquímicos como os sais de cobre, calda bordaleza e calda sulfocálcica. É chamada a atenção para potenciais problemas causados por substâncias que são a base da produção orgânica, principalmente o uso de bio-sólidos e esterco bovino, ovino ou caprino e resíduos fecais humanos que podem conter patógenos especialmente perigosos como a Escherichia e a Salmonella .
Quem não recorda o surto de Escherichia coli ocorrido em 2011 na Europa? A causa foi o consumo de brotos-de-feijão cultivados em uma fazenda orgânica da Alemanha. Foram 50 mortos só na Alemanha e 4 mil doentes em 12 países. É necessária, portanto, muita cautela, tanto no caso dos “agrotóxicos” como no caso dos “orgânicos”. Embora os orgânicos possam oferecer menos riscos temos que nos conscientizar que ambos oferecem riscos e que tais riscos podem ser atenuados ou neutralizados com o uso, fortemente recomendado, de boas práticas agrícolas e gerenciais nas fases de cultivo, colheita, lavagem, classificação, embalagem e transporte da maioria das frutas e outros vegetais vendidos em forma não beneficiada ou com processamento mínimo. Bom apetite!
Clóvis Guimarães Filho – ex-Pesquisador da Embrapa Semiárido