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Rio São Francisco: navios a vapor
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Canoa de Tolda
09/10/2019
Navios a vapor
O Início da Navegação a Vapor (séc. XIX)
O estabelecimento da navegação a vapor regular de longo curso (porto de Penedo ao porto de Piranhas, ambos em Alagoas) no Baixo São Francisco, em agosto de 1867, viria complementar e integrar a intensa atividade do porto de Penedo que, desde meados dos aos 1850 já atendia a cabotagem a vapor.
É importante a perspectiva de que, ao longo do século XIX, pela pujante economia vazanteira do Baixo São Francisco e região do entorno, Penedo foi a única cidade da província de Alagoas que rivalizava com as capitais mais próximas, Maceió e Aracaju. De certa forma, assim como durante a permanência holandesa na região, Penedo voltava a se enquadrar como uma cidade global.
Nos anos 1860, Piranhas, pelo estratégico modal com a linha férrea, era o segundo porto em importância no Baixo São Francisco. Imagem | Brasilianas | Biblioteca Nacional.
Em sua publicação Vapores e Escravos No Penedo, Alagoas, na Década de 1850 , Luana Teixeira [01] apresenta muito bem a consolidação da navegação a vapor no Baixo São Francisco:
” Dentre outros aspectos simbólicos, como levar a presença do Estado às regiões distantes da Corte, a visita teve como principal consequência sacramentar a era dos vapores na cidade do Penedo. Há décadas que Penedo estava conectado aos principais portos do Império, havendo inclusive rotas frequentes executadas por embarcações a vela do Penedo à Maceió e à Salvador. Em princípios dos anos 1850, no mínimo oito veleiros oceânicos faziam viagens regulares à Penedo. Durante nove meses entre 1853 e 1854, 35 embarcações empregadas no comércio de cabotagem entraram no Rio São Francisco para ancorar em Penedo. Eram sumacas , hiates, patachos e barcaças vindas de Maceió e Salvador, principalmente [02].
Tamanha movimentação era justificada pelo volume da produção que chegava naquele porto, principalmente, através do Rio São Francisco. Henrique Halfeld indica que no ano fiscal de 1852-1853 saíram do Penedo quase 11 mil sacas e 54 mil arrobas de algodão, boa quantidade de açúcar (555 caixas, 172 barricas, 220 sacos e 22.968 arrobas), 14 mil meias solas, sete mil peles, além de farinha, feijão, milho, arroz, caruá (acordamento), fibras vegetais (lã barriguda e lã caiana), mamona e grande quantidade de óleos – principalmente da fábrica Araújo & Filhos, primeira da província [03]. Sozinha a exportação de algodão gerou mais de 13 contos e 500 mil réis em impostos, enquanto os outros produtos em conjunto renderam cerca de três contos e 300 mil réis.
A movimentação do Porto do Penedo no início da década de 50, fez com que a cidade rapidamente fosse integrada nas rotas regulares de navegação a vapor, que se expandiam naquela década. Os vapores, cuja tecnologia vinha se desenvolvendo desde o século anterior, foram introduzidos na navegação brasileira em 1818 e começaram efetivamente a operar linhas costeiras no Brasil em 1837 com a criação da Companhia Brasileira de Navegação a Vapor.
O vapor São Salvador era um dos diversos servindo a carreira de longo curso Penedo/Piranhas. Imagem | Brasilianas | Biblioteca Nacional
Tocando apenas os principais portos do Império, chegaram pela primeira vez em Maceió em 1839. Com o objetivo de realizar rotas regionais não cobertas por essa empresa, no início da década de 1850, foram fundadas a Companhia Pernambucana e a Companhia Santa Cruz [04]. Tão logo foram inauguradas, ambas começaram a operar no Porto do Penedo, colocando a cidade definitivamente na rota da navegação de cabotagem do Império. Em 1854, a Sociedade Santa Cruz de vapores da Bahia começou a fazer viagens regulares de Salvador à Maceió, fundeando em portos de Sergipe e em Penedo. A Companhia – que em 1858 foi fusionada com a Companhia Bonfim formando a Companhia Bahiana de Navegação a Vapor –, contava com subvenção das três províncias [05]. O contrato com Alagoas havia sido celebrado em 1853 e os navios começaram a navegar no segundo semestre de 1854 [06]. A embarcação inicialmente responsável era o vapor Santa Cruz, de 178 toneladas, que durante o 4º trimestre de 1854, chegou ao Porto do Penedo duas vezes por mês, uma vindo da Bahia e outra retornando de Maceió [07].
Caso não parasse nos portos de Sergipe, o vapor Santa Cruz poderia ligar Salvador à Penedo em menos de 17 horas, mas como se detinha até um dia em cada porto, além dos atrasos frequentes, demorava uma semana, pouco mais ou menos. A viagem para Maceió levava cerca de seis horas, mas também estava sujeita aos atrasos. Estes também poderiam ocorrer devido aos procedimentos de entrada na barra à espera da catraia e às condições ideais da maré [08].
Imediatamente após o estabelecimento da rota norte pela Companhia Santa Cruz, foi a vez da Companhia Pernambucana de Navegação Costeira por Vapor Sociedade Anônima, alongar a sua rota sul e tocar o porto do Penedo. Em Abril de 1855 foi celebrado contrato que estendia a navegação da rota Recife-Maceió até Penedo [09].
A epidemia de cólera e o naufrágio do Marques de Olinda, obstaculizaram a normalidade das viagens e apenas alguns anos depois (não foi possível precisar quando) efetivou-se a viagem Recife-Penedo [10]. Ou seja, quando o Imperador chegou a Penedo, a cidade já recebia a visita regular dos vapores da navegação de cabotagem há cinco anos.
A novidade da visita Imperial deu-se, no entanto, quando D. Pedro II e sua comitiva passaram a bordo do Pirajá, outro vapor, e seguiram até Piranhas. Foi a primeira vez que um barco com essa tecnologia percorreu as águas do rio até o interior [11].
Em contato regular com os principais portos do Império, fortalecendo os circuitos comerciais que ligavam o interior do São Francisco à navegação de cabotagem e possuindo uma sólida infraestrutura urbana oriunda dos tempos coloniais, Penedo vivia, nos anos 1850, uma nova fase de desenvolvimento econômico. ”
Século 20: Apogeu e Fim das Navegações a Vapor
A evolução e duração das atividades de navegação (tanto de longo curso fluviais, como a cabotagem que atendia Penedo) no século vinte foram breves: navios percorreram as carreiras de longo curso do Baixo São Francisco e da região as rotas de mar aberto por menos de setenta anos. Não mais [13].
No início dos anos vinte do século 20, chega ao Baixo a embarcação que seria a referência para a navegação de longo curso entre Penedo e a sertaneja Piranhas, cerca de 190 km a montante: o vapor Comendador Peixoto, adquirido pela Navegação Fluvial do Baixo São Francisco (empresa pertencente ao aglomerado Peixoto Gonçalves, de Penedo) da empresa Mello & Cia, de Belém, PA. Logo em seguida a mesma empresa recebe o Penedinho, de porte menor, que também estaria engajado na mesma rota.
O Comendador Peixoto, da Peixoto Gonçalves, foi o principal navio na carreira Penedo/Piranhas em todo o século 20. Imagem | via Casa do Penedo
O ingresso de navios modernos para as navegações de longo curso no Baixo São Francisco ao mesmo tempo que acalmava o trauma pelo naufrágio do pequeno vapor Moxotó (na ilha do Belmonte entre os povoados de Bonsucesso, em Sergipe, e Ilha do Ferro, Alagoas, no alto sertão em 10 de janeiro de 1917, com várias mortes), seria um avanço tecnológico em comparação com os vapores a roda d’água do final do século 19.
Tanto o Comendador Peixoto como o Penedinho seguiriam com suas carreiras até os anos 60 quando foram desativados. O “Comendador” recém reformado para atuar sob a gestão da SUVALE – Superintendência do Vale do São Francisco, ainda atracado ao cais do Penedo, afundaria ao final da década [14].
Pela importância da economia do Baixo São Francisco (e das demais regiões a montante, que tinham o trecho baixo como principal porta de escoamento e afluxo), a navegação fluvial de longo curso tem seu ciclo estreitamente vinculado ao da cabotagem. Da mesma forma, Penedo voltaria a ser uma cidade global como durante a permanência holandesa no nordeste. Empresas de navegação como a Navegação Bahiana (séc. XIX), a Companhia Pernambucana de Navegação (séc. XIX e XX); o LLoyd Brasileiro e Companha de Navegação Costeira foram as principais a operarem de e para o porto do Penedo e demais regiões do Brasil.
Tratava-se de um sistema integrado (com vários modais, como a linha férrea, embarcações menores que realizavam a capilar pequena cabotagem, além de embarcações tradicionais que serviam os povoados e localidades em todo o Baixo São Francisco) que, a partir de Pirapora, no Alto São Francisco mineiro, e junto com a pequena cabotagem (navios menores que “pingavam” nos portos de acesso mais restrito, sobretudo entre a cidade de Salvador da Bahia e Belém do Pará) possibilitou uma relevância socioeconômica para o Baixo nunca mais igualada.
Os legendários Itas da Costeira, como o Itaquera, foram os principais navios a ligar a região com o resto do país. Imagem | Navioseportos | Clydeships.co.uk
Como vimos, o fim da ligação férrea entre Piranhas e Jatobá isolaria tanto o Baixo São Francisco como os trechos a montante entre si e levaria Penedo a perder a sua relevância. Rapidamente as cidades mais pujantes, como Propriá, a já citada Penedo, Neópolis e demais outras, viriam se estagnar.
Em seguida, com a regularização do rio a partir da construção da barragem de Sobradinho (enchimento do reservatório em 1979/1980), há o golpe final de quebra da economia vazanteira – dependente do ciclo natural de cheias do rio – em todo o Baixo São Francisco.
A produção agrícola, principalmente a de arroz é derrubada, uma vez que as extensas áreas das lagoas marginais a partir de Pão de Açúcar (AL) e Poço Redondo (SE), no sertão do Baixo e Brejo Grande (SE) e Piaçabuçu (AL) na foz do São Francisco, agora definitivamente secadas, não mais cumpririam seu papel: essencialmente como depositárias da rica biodiversidade da fauna aquática e de áreas de produção agrícola de vazante.
Sem produção (pescados, agrícola), a economia declinaria, a carga desapareceria e navios não adentrariam a foz do rio para voltarem ao mar com os porões vazios.
PRINCIPAIS NAVIOS QUE NAVEGARAM NO BAIXO SÃO FRANCISCO
Clique nas imagens e acesse os ambientes e informações relativos aos mais significativos navios que navegaram no Baixo São Francisco.
Vapores Fluviais
Navios da Cabotagem
Navios Militares
Notas
01- Luana Teixeira – Doutora em História pela Universidade Federal de Pernambuco. E-Mail: < luateixeira1@yahoo. com.br> in VAPORES E ESCRAVOS NO PENEDO, ALAGOAS, NA DÉCADA DE 1850 – SÆculum – REVISTA DE HISTÓRIA [34]; João Pessoa, jan./jun. 2016
02- Foram pesquisados os dados sobre o manifesto de cargas do porto do Penedo para nove meses seguidos, entre outubro de 1853 e junho de 1854. Considerei viagens regulares as embarcações que no período de nove meses estiveram mais de uma vez no porto fazendo a mesma rota. As informações sobre as embarcações estão em: Arquivo Público de Alagoas (doravante APA). Caixa 1010, Mesa de rendas Penedo, ofícios expedidos, 1854-1856. Manifestos de embarcações do porto do Penedo 1º trimestre de 1853, 1º e 2º trimestre de 1854.
03- HALFELD, Henrique Guilherme Fernando. Atlas e relatório concernente a exploração do Rio São Francisco desde a cachoeira de Pirapora até o Oceano Atlântico levantado por ordem do Governo de S. M. I. o Senhor Dom Pedro II, pelo Engenheiro Civil Henrique Guilherme Fernando Halfeld em 1852, 1853 e 1854 mandado lithographar na Lithographia Imperial de Eduardo Rensburg. Rio de Janeiro, 1860. Edição fac-simile: São Paulo, 1994, p. 53.
04- A Companhia Pernambucana foi fundada em 18 fev. 1854 e a Companhia Santa Cruz em 13 mai. 1853.
05- SUBRINHO, Josué Modesto Passos. História econômica de Sergipe (1850-1930). Aracaju: UFS, Programa Editorial da UFS, 1987, p. 43; SAMPAIO, Marcos Guedes Vaz. Uma contribuição à história dos transportes no Brasil: a Companhia Bahiana de Navegação a Vapor (1839-1894). Tese (Doutorado em História Econômica). Universidade de São Paulo. São Paulo, 2006, p. 126.
06- FALLA dirigida á Assembléa Legislativa da provincia das Alagoas na abertura da 2.a sessão ordinaria da 9.a Legislatura, pelo exm. vice presidente da mesma provincia, dr. Manoel Sobral Pinto, em 3 de maio de 1853. Recife: Typ. de Santos e Companhia, 1853, p. 23. Disponível em: < http://www.crl.edu/>. Acesso em: 12 dez. 2012.
07- Segundo Sampaio, o navio chegava a 300 toneladas, mas mantivemos a tonelagem registrada nos manifestos de embarcações. Ainda segundo o autor, a embarcação era novíssima, havia sido recém encomendada pelo empresário Antônio Pedrozo de Albuquerque a Charles Ironside & Co de Liverpool, com velocidade de 10 a 12 milhas por hora. Em 1855, o trajeto passou a ser realizado pelo vapor Cotinguiba. Ver: SAMPAIO, “Uma contribuição à história…”, 2006; APA. Caixa 1010: Mesa de rendas Penedo, ofícios expedidos, 1854-1856. Manifestos de embarcações do porto do Penedo 4º trimestre de 1854.
08- Fonte: SAMPAIO, Marcos Guedes Vaz. Uma contribuição à história dos transportes no Brasil: a Companhia Bahiana de Navegação a Vapor (1839-1894). Tese (Doutorado em História Econômica). Universidade de São Paulo. São Paulo, 2006, mapa 6, p. 117.
09- SAMPAIO, Uma contribuição…, 2006, p. 107.
10- O Marquês de Olinda possivelmente iria realizar a rota Recife-Maceió e sucumbiu em sua viagem inaugural em 1856. Ver: ALMEIDA, Suely Creusa Cordeiro de. A Companhia Pernambucana de Navegação. Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal de Pernambuco. Recife, 1989, p. 30.
11- RELATÓRIO com que ao Exm. snr. Dr. Graciliano Aristides do Prado Pimentel entregou a administração da Provincia das Alagoas no dia 22 de Maio de 1868 o Exm. Snr. Dr. Antonio Moreira de Barros. Maceió: Typographia do Jornal Alagoano, 1868, p. 21. Disponível em: <http:// www.crl.edu/>. Acesso em: 08 ago. 2014.
12- Embora tenha sido promulgada em 1857, a Lei Provincial 347, de 23 de abril, autorizando as companhias ou empresas a estabelecer a navegação a vapor no interior do rio, a inauguração da rota de navegação a vapor Penedo-Piranhas apenas ocorreu em 03 de março de 1867. RELATÓRIO com que o Exm. Srn. Dr. João Francisco Duarte, 1º vice-presidente das Alagoas entregou a administração da mesma província no dia 9 de setembro de 1867 ao Exm. Snr. presidente Dr. Antonio Moreira de Barros. Maceió: Typographia do Jornal O Progresso, 1867, p. 01. Disponível em: < http://www.crl.edu/>. Acesso em: 01 set. 2014
13 – O fim das operações da estrada de ferro Piranhas/Paulo Afonso (na verdade a linha chegava a Jatobá , em Pernambuco, atual Petrolândia) em 1963 (em junho daquele ano, ocorre a derradeira viagem do trem com passageiros, porém a desativação formal se daria ao final de 1967) quebraria a ligação entre o trecho Baixo do São Francisco e as regiões fisiográficas a montante, desmantelando o sistema das navegações: o nó que sufocaria, sem retorno, a economia regional se apertava.
14 – Não são encontrados, até o presente, dados precisos sobre a data e causa(s) do naufrágio. A carcaça naufragada do navio ainda é visível acima da rampa das balsas nas baixa-mares.
Imagem do topo – Navio Itaimbé, da Companhia Nacional de Navegação Costeira – Imagem | via Laire Giraud | Portos e Navios | Acervo Canoa de Tolda
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