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RIO SÃO FRANCISCO: A AMEAÇA MAIOR, artigo de Edézio Teixeira de Carvalho
Publicado em
08/08/2018 00h00
Atualizado em
09/11/2021 10h10
GEOLURB RIO SÃO FRANCISCO: A AMEAÇA MAIOR GeoCentelha 436
Em recente congresso da ABGE (Assoc. Bras. de Geol. de Eng.a e Ambiental) em Bento Gonçalves (não confundir com Bento Rodrigues), pergunto a uma representante da ANA se ela já tinha visto em imagens de satélites os campos de voçorocas de Cachoeira do Campo. Ela respondeu que não; e outros representantes dessa modalidade de erosão tão abundantes no Brasil? Também não. Ora, quem pensa em gestão da água no Brasil não pode dispensar a observação das voçorocas, especialmente quem trabalha na ANA.
O que tenho visto dentro de Cachoeira do Campo e à volta do importante distrito? Campos de voçorocas excepcionais, alguns ocupando nada menos que 55% do território. Imagino que num desses campos de voçorocas com 50% da área voçorocada tenham sido perdidos 1 milhão de metros cúbicos de solo residual do Complexo de Bação, de razoável qualidade agronômica. A 20 km esses solos, erodidos, levados pelo rio Maracujá, entupiram o reservatório de Rio de Pedras em Itabirito. Em 1997 já não havia mais espaço nesse reservatório para proteger as localidades a jusante de inundações provocadas por chuvas catastróficas, e Raposos sofreu bastante na ocasião no início de janeiro daquele ano. Solos de Cachoeira do Campo, antes da construção dos grandes reservatórios do São Francisco, devem ter assoreado o baixo São Francisco e mesmo a costa de Sergipe e Alagoas, embora os efeitos dos grandes reservatórios recentemente venham favorecendo a reação do mar que hoje invade a embocadura.
No princípio deste ano não pude acompanhar pela imprensa o importante Encontro Mundial da Água em Brasília. Mais recentemente verifiquei que não se falou com suficiente ênfase no encontro de Brasília sobre a maior fragilidade geoambiental do solo. Ele é, em termos práticos, recurso ambiental não renovável, pois o solo perdido encontra-se hoje assoreando desde os córregos de Amarantina até o baixo São Francisco, isto sem falar na própria plataforma continental.
Olho com outros olhos, mesmo para as voçorocas de Cachoeira, e vejo que algumas já se encontram revestidas com vegetação secundária, mas os buracos continuam lá. Ora, se as cavidades das voçorocas continuam lá e com aquela vegetação rala, onde estaria o solo novo? É claro que ele praticamente inexiste. Então, o primeiro aquífero praticamente deixou de existir nos campos de voçorocas. Assim o escoamento ocorre atualmente muito mais imediato proporcionalmente que no tempo do solo integral, não submetido a erosão antrópica laminar e linear acima da capacidade natural de reposição.
Hora de pensarmos na lei da gravidade, responsável por arrastar o solo erodido morro abaixo no caso da erosão laminar e leito abaixo no caso de trânsito nos cursos d’água caracterizando uma verdadeira vazão sólida como já referi em outras ocasiões.
Retomando o caráter praticamente não renovável do solo, obrigatoriamente concluiremos que o aquífero superficial das voçorocas e de outras cavidades de erosão é reduzido gradualmente até praticamente extinguir-se aumentando consequentemente a torrencialidade. Por outro lado os reservatórios de hidrelétricas, de barragens de rejeitos e leitos dos cursos d’água têm a capacidade de armazenamento sensivelmente reduzida (a parte que fica inteiramente submersa poderá perder 80% ou mais dessa capacidade). Na parte erodida, perda de solo não renovável e na parte assoreada perdas diversas, inclusive de navegabilidade e de capacidade de controlar inundações como se vê frequentemente nos reservatórios assoreados (que, se foram feitos para controlar as grandes torrentes de chuvas excepcionais, verdadeiro crime ambiental é deixarem de ser desassoreados. Portanto o desassoreamento obrigação é e não opção de proprietário, entendeu autoridade competente?).
A correção evidente resultará de tratar o material de assoreamento como uma espécie de jazida, quero dizer, algo que seja capaz de atender a demandas de obras de engenharia ou de enchimento de cavidades de pedreiras abandonadas ou de voçorocas, quando não a demanda de areia ou de olarias para tijolos prensados. É especialmente importante o fato de que o lugar que cede (desassoreamento) é beneficiado pela retirada, enquanto o lugar que recebe é beneficiado por ganhos diversos configurando-se uma simetria de benefícios.
A erosão e o consequente assoreamento devem ser reduzidos ao mínimo possível tratando a primeira por meio de intervenção corretiva do tipo proposto pelo Método Geológico e o segundo exatamente como uma espécie de jazida. Caso não nos entreguemos com intensidade ao trabalho proposto acabaremos por ver realizada a previsão implícita nas palavras do eminente engenheiro do departamento de Geotecnia da UFRJ, Francisco José Casanova, “O solo é a fina camada da Terra que está entre nós e a morte pela fome!”.
O Brasil precisa urgentemente de implantar na formação do povo capacidade mínima de leitura geológica, hoje quase totalmente inexistente, porque todas as configurações de ocorrências da água são de natureza geológica, cuja leitura depende, naturalmente, de conhecimento geológico. Exemplo? A água é componente itinerante do sistema geológico, inclusive quando parece estar independente dele num pico nevado (lembram-se do Nevado del Ruiz?) ou na fossa das Marianas. Nas voçorocas vistas acima há nascentes tecnogênicas, que surgiram por consequência de ações humanas. Essas nascentes, de certo modo, continuam intocáveis e quando sua água toma o caminho do mar nunca vai sozinha e leva o solo junto, mas o solo é recurso ambiental não renovável e a lei ignora completamente este fato. Portanto, para pensar as feridas que a erosão provoca, é absolutamente necessário entregar a solução a quem esteja preparado, exatamente como a chaga, a doença, ou a ferida do corpo humano necessariamente requer o médico.
Belo Horizonte, 25/07/2018
Edézio Teixeira de Carvalho
Geolurb - Geologia Urbana e de Reabilitação Ltda
(31) 32622722; 982053123
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