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Revitalização do São Francisco, artigo de Manuel Correia de Andrade
02 julho 2006
Depois de meio século de intervenções governamentais no São Francisco, com a construção em seu leito de obras de engenharia de grande envergadura, obras de captação de suas águas para irrigação e de capacitação para abastecimento de cidades, o rio passou a ter características bem diversas daquelas que teve nos períodos colonial e imperial, em que era usado apenas como fixador de populações e como via de transportes, por onde passavam canoas e pequenos navios.
Hoje, ele deixou de ser um rio de águas correntes rápidas, que corriam diretamente para o oceano, barrado por várias represas, passou a receber o esgoto de cidades de médio porte, como Pirapama, em Minas Gerais, de Barreiras, Juazeiro e Paulo Afonso, na Bahia, de Petrolina, em Pernambuco, de Penedo, em Alagoas, e mencionando também cidades de pequeno porte, o número se tornará bem mais expressivo. O processo do seu leito se procede, hoje, de forma muito mais intensa do que no passado, já que em seu alto e médio cursos a vegetação natural, em grande parte formada pelo cerrado, por florestas galerias e por caatingas, as vezes arbórea, foi devastada e substituída por campos de cultura de soja e por pastagens. Os campos de soja que cobrem quase todo o oeste da Bahia já se estendem pelo sul do Piauí e do Maranhão.
No norte de Minas também foram implantados grandes projetos agropecuários, como o de Jaíba, voltados para a cultura de cana-de-açúcar, do algodão e para a pecuária. Hoje, quem viaja na região mineira vê que o São Francisco não se parece mais com o “Velho Chico” de Guimarães Rosas, e os projetos apresentados nem sempre são lisonjeiros, como salienta Marco Antônio Coelho, no seu livro “Os descaminhos do São Francisco".
Na Bahia existem projetos de colonização para o cultivo da cana-de-açúcar, muito estimulados durante os governos militares, quando foram desenvolvidos programas como o do “Proalcool”, de que resultou, entre outras, a Usina Mandacaru que obtém uma média de 180 t por hectare de área irrigada, mas cujo restolho de sua destilaria, lançado em afluentes do São Francisco contribuem seriamente para a poluição do mesmo. Poluição que é contabilizada também para as culturas feitas em outros projetos, como os da uva, da goiaba, da manga, da melancia, etc, que usam “defensivos agrícolas”, nome dado pelos empresários aos agrotóxicos.
A região Petrolina/Juazeiro é hoje um grande centro produtor de frutas destinadas à exportação para a Europa e Estados Unidos, Petrolina, cidade que cresceu vertiginosamente, dispõe de aeroporto internacional e de Universidade Federal. Em contrapartida porém, nesta área, como de resto em toda a área agrícola marginal ao grande rio ou aos seus principais afluentes, nos deparamos com dois problemas muito sérios, o da poluição de suas águas e o da salinização dos solos irrigados com técnicas que utilizam as águas correntes. No Submédio São Francisco é interessante salientar o crescimento da vinicultura que alimenta não só uma importante produção de uva de mesa como também a indústria vinhateira.
Ainda cabe salientar, com tristeza, a decadência da rizicultura no Baixo São Francisco, tão importante nos meados do século 20 e hoje praticamente inexistente, em vista do desaparecimento das cheias anuais que deixam depois de passadas as chamadas “lagoas de arroz”, verdadeiras rias fluviais, hoje em grande parte transformadas em córregos secos.
O que se pode deduzir é que o problema deste rio é, em grande parte, um problema de engenharia, mas é também um problema agrícola e social. Empresas que atuam na área e têm o controle econômico da mesma, como a Chesf, a Codevasf e o próprio Banco do Nordeste necessitam investir na recuperação deste rio, que segundo Vasconcelos Sobrinho, o grande ecólogo pernambucano, está a morrer.
Manuel Correia de Andrade, historiador e geógrafo, é da APL.
Publicado pelo Jornal do Commercio - PE, Artigos, em 2 jul. 2006.
http://jc.uol.com.br/jornal/2006/07/02/not_191007.php